Escrever um livro de divulgação não é coisa das mais fáceis. Ainda mais nestes tempos em que as dificuldades financeiras são somadas à distância lamentável que se formou entre os fazedores de ciência e o público leigo. Felizmente uma nova safra de estudiosos ainda acredita que o conhecimento é direito de todos e também que divulgá-lo é obrigação dos próprios cientistas. Ainda que sob os enormes esforços que todos nós conhecemos.
Olhando firmemente para esse desafio, Martha Argel – a mais polivalente entre os biólogos e a mais biológica entre os ficcionistas – resolveu arregaçar as mangas e diversificar… Digo diversificar porque, além de bióloga, especializada em ecologia – e, portanto, com diversos títulos científicos publicados – Martha também escreve contos de ficção. É de sua lavra, por exemplo, obras em ascenção literária como “Relações de sangue” e “O Vampiro de cada um”. E foi assim que surgiu o “Voando pelo Brasil”, publicado pela Cuca Fresca Edições (sediada em Florianópolis), um antigo desejo da autora de contribuir à literatura infanto-juvenil.
O livro trata, com grande propriedade, dos biomas brasileiros e das aves que vivem em cada um deles. Cada ambiente retratado (campos, caatinga, cerrado, floresta amazônica, manguezal, mata atlântica, mata de araucária, pantanal, praia e mar e cidade) teve cinco espécies de aves selecionadas para o representar. E não foi uma escolha ao acaso: Martha imprimiu toda a sua experiência de campo como ornitóloga pelo Brasil, ajuntando detalhes que fogem à sensibilidade de autores comuns. Não são apenas as espécies de aves mais comuns e conhecidas que aparecem ali, mas também algumas totalmente desconhecidas do público leigo e outras que se destacam por características interessantes no comportamento, alimentação, etc.
O livro é um primor. Pelo capricho e dedicação – embora isso não seja novidade nenhuma no trabalho de Argel – bem como pelas novidades que traz. É o primeiro livro infanto-juvenil sobre aves brasileiras que é escrito por um especialista no ramo. E é um dos primeiros a trazer ilustrações ricas e muito bem apresentadas originadas de uma técnica chamada “escultura em papel” que, por sinal, traz explícita a sensibilidade do artista plástico quase manezinho Carlos Meira. Tiras e pedaços de papel, recortadas e coloridas, foram cuidadosamente interpostas, dando um efeito especialíssimo às pranchas. Só vendo!
Não bastassem todas essas novidades, o ambiente escolhido para lançamento nacional foi o XII Congresso Brasileiro de Ornitologia, realizado na Universidade Regional de Blumenau/FURB (Blumenau/SC) entre 21 e 26 de novembro último. Mas afinal, que se passa na cabeça das pessoas lançando um livro dirigido aos pequenos em um ambiente como esse, cercado de metodologias, bibliografias e nomes em latim? É que a autora – e os organizadores do evento – entenderam que as aves não são instrumentos exclusivos da ciência e que ela percorre caminhos que vão muito além da academia. E apostaram que ainda há – felizmente – muita gente que nunca vai crescer.
A introdução do livro diz tudo: “A melhor forma de proteger nossas aves, tão bonitas e tão variadas, é preservando o lugar onde elas vivem!”. Foge da rotina ambientalista cotidiana, de se proteger apenas uma espécie ou outra. Antes de tudo, vamos cuidar dos ambientes, que constituem-se efetivamente daquilo que todas as formas de vida dependem para sobreviver!
Resultados da obra? Fiquei sabendo que uma criança adotou uma ave com sua preferida. Tucano? Arara? Ou algum outro ícone de nosso País, erradamente representado por passarões multicoloridos pousados em palmeiras à beira-mar? Nada disso. O escolhido foi o papa-formigas-de-topete, uma quase desconhecida espécie amazônica, que adora seguir formigas para pegar insetos que lhe servem de pestisco. E daí? Daí que, quando começamos a mostrar à nossas crianças que o Brasil não tem apenas aquelas aves tradicionalmente divulgadas na mídia, e sim que é detentor de uma das maiores riquezas biológicas do planeta, em grande parte ainda desconhecida, passamos a alimentar nossas esperança pelo futuro. É sinal que nossa diversidade começa a ser desvendada e conhecida. E esse é o primeiro passo para sua preservação.
É um livro que não pode faltar; na estante das crianças e na nossa também. Em nome das aves, de seus ambientes e de todos os “meninos maluquinhos” do Brasil: Obrigado Martha Argel e Carlos Meira!
Mais informações em:
http://www.imaginabilis.com.br
E-mail: contato@editoracucafresca.com.br
Resenha do livro: Voando pelo Brasil de Martha Argel
Fernando Costa Straube – Ornitólogo. Mülleriana: Sociedade Fritz Müller de Ciências Naturais. E-mail: urutau@terra.com.br