Biodiesel e Biomassa: duas fontes para o Brasil

No decorrer das próximas décadas, dois fenômenos terão um efeito decisivo sobre o bem-estar e o modo de vida das pessoas. Ambos se desenvolvem em rede e ambos estão ligados a uma tecnologia radicalmente nova. O primeiro fenômeno é a consolidação do capitalismo global e, o segundo, a estruturação de comunidades sustentáveis baseadas na implantação prática de um plano de ação ambiental definido na Agenda 21. Enquanto o capitalismo global está composto por redes eletrônicas de fluxos de finanças e de informações, o projeto ecológico trabalha com redes ecológicas de fluxos de energia e de matérias-prima. A meta de economia global, em sua forma atual, é a de elevar ao máximo a riqueza e o poder de suas elites; a do projeto ecológico é a de elevar ao máximo a sustentabilidade da teia da vida.

A abundância das energias renováveis em todas as partes do mundo cria novas perspectivas para os países pobres e de sustentabilidade para os países ricos. No Brasil, 60% da energia gerada hoje provém de fontes renováveis, enquanto que outros países pretendem chegar a 12% somente em 2010. Atualmente, 85% da energia que movimenta o mundo é de origem fóssil e 80% dessa energia tem seu uso concentrado em cerca de 10 países. A contribuição do Brasil na emissão de gás carbônico para a atmosfera é de 0,41%, enquanto que a dos EUA, China, Alemanha, Rússia e Japão, soma 65%.

A redução das tensões que o aproveitamento de energias renováveis poderá representar é, sem dúvida, uma razão contundente para alcançar a paz no mundo e gerar a sustentabilidade ecológica com justiça social. Os combustíveis de origem vegetal dos trópicos representam o contraponto ao estopim de conflitos provocados pelo ocaso do petróleo e pelo declínio das demais fontes fósseis. No Século 21, caberá ao Brasil, em termos mundiais, desempenhar um importante papel; trata-se de uma grande oportunidade econômica que jamais país algum teve na história do mundo globalizado.

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A perspectiva de o Brasil se consolidar como o principal supridor mundial de combustíveis renováveis de elevado conteúdo energético, é viável graças à sua dimensão continental localizada numa área tropical, e por possuir abundantes recursos hídricos (22 a 24% da água doce do planeta), além de imensas áreas desocupadas.

O que se busca hoje é estabelecer um pacto entre as nações pela integração energética, a partir da produção e do uso de combustíveis renováveis.

Nesse universo, o biodiesel surge como uma alternativa de diminuição da dependência dos derivados de petróleo e como um novo mercado para as oleaginosas, com perspectiva de redução da emissão de poluentes. A introdução do biodiesel no mercado representará uma nova dinâmica para a agroindústria, com seu conseqüente efeito multiplicador em outros segmentos da economia, envolvendo óleos vegetais, álcool, óleo diesel e mais os insumos e subprodutos da produção do éster vegetal.

A viabilização do biodiesel requer, porém, a implementação de uma estrutura organizada para produção e distribuição de forma a atingir, com competitividade, os mercados potenciais. A introdução do biodiesel demanda, portanto, investimentos ao longo da cadeia produtiva para garantir a oferta do produto com qualidade, além da perspectiva de retorno do capital empregado no desenvolvimento tecnológico e na sustentabilidade do abastecimento em longo prazo.

A produção agrícola de óleos vegetais e de cana-de-açúcar é mais do que uma alternativa energética; constitui a base para um modelo de desenvolvimento tecnológico e industrial autônomo e auto-sustentado, baseado em dados concretos da realidade nacional e na integração do homem a uma realidade econômica em harmonia com o meio ambiente.

O Brasil, que ocupa a posição de segundo produtor e exportador mundial de óleo de soja, poderá se tornar, gradativamente, um importante produtor e consumidor de biodiesel, acrescida da oportunidade de se utilizar aqui outros óleos vegetais característicos das diferentes regiões do País e, também, da possibilidade de reduzir a dependência da importação de óleo diesel, desonerando o balanço de pagamentos e criando riqueza no interior.

Fazendo um parêntesis, é oportuno lembrar aqui que Rudolf Diesel, inventor do motor que leva seu nome, em certa ocasião afirmou de forma premonitória que “o motor a Diesel pode ser alimentado com óleos vegetais e pode ajudar no desenvolvimento dos países que o utilizem”.

No Brasil, desde a década de 1920, o Instituto Nacional de Tecnologia – INT já estudava e testava combustíveis alternativos e renováveis, como, por exemplo, o álcool de cana-de-açúcar. Mais recentemente, motivados pelas demandas da II Guerra Mundial e das crises de petróleo, os Governos de diferentes países, em parceria com a iniciativa privada e centros de pesquisa, desenvolveram e testaram biocombustíveis em frotas municipais, especialmente em grandes centros urbanos.

A década de 90 se caracterizou pela produção comercial e instalação de plantas em escala industrial, visando atender a preocupação ambiental e o estimulo proporcionado pela competitividade de preços do petróleo e dos óleos vegetais.

Desde 1991, o Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT coordena projetos de desenvolvimento tecnológico para combustíveis renováveis, como, por exemplo, a biomassa de madeira, de cana-de-açúcar e de folhas, inclusive contando como o apoio do GEF-Global Environment Facility-Banco Mundial e, mais recentemente, da União Européia. As misturas combustíveis álcool e diesel e álcool e gasolina estão em permanente desenvolvimento.

No ano 2000, foi instalada a fábrica de biocombustíveis da ECOMAT no Estado do Mato Grosso que atualmente produz éster de soja, um aditivo especial da mistura álcool diesel. A ECOMAT foi concebida visando a produção inicial de biodiesel de óleo de soja e pode ser otimizada para produção de biodiesel a partir de outros óleos vegetais.

Em 2003, a disponibilidade brasileira imediata de biodiesel a partir de soja se concentra na perspectiva do diferencial entre a capacidade nominal de produção da ordem de 51 milhões de toneladas, para uma capacidade de processamento de 36 milhões de toneladas, com a correspondente produção de óleo de soja da ordem de 5 bilhões de litros e a capacidade de produção de biodiesel que é da ordem de 1,5 bilhão de litros, sendo 47% no Centro-Oeste e 40% na Região Sul.

A produção de oleaginosas poderá expandir significativamente para atender o aumento da demanda por óleo para a produção de biodiesel, destacando-se o potencial de 70 milhões de hectares com aptidão para o cultivo do dendê, localizados principalmente na região Amazônica e no Leste do Estado da Bahia. O Brasil tem apenas 50 mil hectares plantados com dendê.

Na Amazônia, estima-se que existam cerca de 20 milhões de hectares desmatados sem atividade econômica. O dendê é a cultura em grande escala mais apropriada para esta região, podendo ser complementada com as culturas de ciclo curto que não precisam ser desidratadas antes da colheita: banana, mandioca, batata doce, inhame, cará, arroz e feijões tropicais.
O Estado do Pará tem 2 milhões de hectares de terras improdutivas com clima e solo apropriado para o dendê, com toda a infra-estrutura, inclusive porto e energia elétrica a uma distância máxima de 200 km de Belém (área de influência do projeto Alça Viária). O Estado do Amazonas tem 400 mil hectares de terras improdutivas com clima, solo e infra-estrutura adequada na periferia de Manaus (Distrito Agropecuário da SUFRAMA).

O Estado do Amapá tem 200 mil hectares de terras de assentamentos do INCRA, próximos a Macapá, apropriados para a produção de dendê.

O mercado internacional de óleo de dendê cresce a um ritmo de 7% ao ano na indústria alimentícia e oleoquímica. A produção do ano 2000 foi de 21 milhões de toneladas e está projetada para 32 milhões de toneladas para o ano 2010. O Brasil, após 35 anos de pesquisa e plantio, tem tecnologia apropriada para aumentar a área plantada desta cultura perene, com produtividade de até 6 toneladas de óleo por hectare/ano, ocupando o segundo lugar.

As curvas do preço do óleo de dendê e de soja decrescem à taxa de 3% ao ano, em dólares deflacionados (média dos últimos 20 anos), enquanto que as curvas de preço do óleo diesel é crescente, em função da escassez de combustíveis fósseis, não havendo previsão de inversão da tendência.

O consumo anual de diesel no Brasil é da ordem de 36 bilhões de litros, sendo 20% importado. A região Sudeste consome 44%, a região Sul 20%, o Nordeste 15%, o Centro-Oeste 12% e a região Norte 9%. O diesel se utiliza preferencialmente para transporte 80% e 20% para sistemas elétricos isolados, agroindústria e usinas emergenciais de eletricidade (1000 MW instalados). A produção nacional de biodiesel em adição ao diesel comum pode melhorar a qualidade do diesel e, também, pode contribuir na redução da atual dependência de importação de óleo diesel, que é da ordem de 7 bilhões de litros ao ano, desonerando a balança de pagamentos e criando riqueza no interior.

Em cada Estado e região do País está sendo avaliado o desenvolvimento das cadeias produtivas dos diferentes óleos vegetais. Para a região Norte: dendê, babaçu, soja e gordura animal; para o Nordeste: babaçu, soja, mamona, dendê, algodão, coco, gordura animal e óleo de peixe; para o Centro-Oeste: soja, mamona, algodão, girassol, dendê, gordura animal; para o Sul: soja, colza, girassol, algodão, gordura animal e óleos de peixes; e, para o Sudeste: soja, mamona, algodão, girassol, gordura animal e óleos de peixes.

A competitividade da produção nacional de etanol em diferentes regiões do Brasil, o PROALCOOL, a infra-estrutura de produção e distribuição já existente, o know how e o desempenho das tecnologias desenvolvidas para a cadeia produtiva da cana e setor automotivo, a oportunidade de substituir o diesel importado e contribuir para a economia de divisas, a geração de renda, são todos eles elementos de sinergia para a produção de biodiesel nacional.

A perspectiva de melhorar a qualidade do diesel consumido, os excedentes de produção de óleo de soja, as vantagens econômicas e sócio-ambientais decorrentes da produção e do consumo de combustível renovável, a segurança para provisão de combustível produzido diretamente nas diferentes regiões do Brasil, as novas e alteradas políticas agrícolas internacionais, o fortalecimento da indústria nacional de biocombustíveis, quer seja para transporte pesado e de massa ou para geração de eletricidade, especialmente em sistemas isolados, motivam a priorização do Programa Nacional de biodiesel.

Probiodiesel e Probioamazon

O Programa Brasileiro de Biocombustíveis, coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia/Secretaria de Política Tecnológica Empresarial tem como principal agente executor o Centro de Referência em Biocombustíveis – CERBIO. O PROBIODIESEL compreende ações de viabilização das tecnologias de adição do etanol e de óleos vegetais ao óleo diesel derivado de petróleo.
O PROBIODIESEL se concretiza através da ação integrada, em rede de pesquisas, para o desenvolvimento das tecnologias de produção e uso de misturas biocombustíveis, visa a avaliação da sua viabilidade e competitividade técnica, sócio-ambiental e econômica para o mercado brasileiro e para exportação futura, além de sua produção e distribuição espacial nas diferentes regiões do País.

Compreende ações de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, incluindo testes em campo, nas adições óleos vegetais/óleo diesel (BX), além de tecnologias específicas que viabilizem o desenvolvimento sócio-econômico de assentamentos rurais pela produção de eletricidade e combustíveis (PROBIOAMAZON). Os recursos previstos para aplicação, em 2003, na implementação do PROBIODIESEL são da ordem de R$ 8,4 milhões.

O Programa Brasileiro de Biocombustíveis – PROBIODIESEL é o resultado da interação e parceria para o desenvolvimento oriundos da Rede Nacional de Biocombustíveis, que congrega mais de 200 especialistas, representantes de entidades de pesquisa, associações empresariais, agências reguladoras e de fomento, Governos Federal, Estadual e Municipal e da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados.

No Programa Brasileiro de Biocombustíveis destacam-se as entidades com responsabilidades diretas de coordenação das atividades do Programa: INT, TECPAR, LACTEC, IPT, CENPES, UNICAMP, USP, UESC, UFPR, UFCE, UFRJ, COPPE, UFRGS, IME, CTA, ANFAVEA, ABIOVE, SINDIPEÇAS – BOSCH e DELPHI, AEA, SINDICOM, ALCOPAR, SINDALCOOL, UNICA, ANP, PETROBRAS, IBAMA, FGV.
Um dos grandes desafios do PROBIODIESEL é o de constituir um projeto ecológico brasileiro; trata-se de um esforço coordenado de remodelação das cidades, das tecnologias, das indústrias e das estruturas físicas a fim de torná-las ecologicamente sustentáveis; isto quer dizer em outras palavras, capaz de atender às necessidades e satisfazer às aspirações da população sem diminuir as oportunidades das gerações futuras.

Por sua vez, o Programa de Produção de Biomassa Energética em Assentamentos do INCRA na Amazônia em Micro e Pequenas Propriedades Rurais – PROBIOAMAZON, instituído pelo MCT/MDA, prevê a produção de cerca de 500 mil toneladas/ano de dendê na Região Norte. Se trata de um programa autofinanciável após 6 anos, tem um ciclo de trabalho de 12 meses, gerando emprego permanente e permitindo a integração, quando necessária, entre os pequenos produtores e as grandes empresas.

O cenário atual se mostra também bastante oportuno, tendo em vista a prática do livre mercado para combustíveis, a redução das barreiras, a política energética praticada, o perfil de produção e consumo de diesel, a necessidade de se reduzir a poluição atmosférica, em particular nos grandes centros urbanos, e o grande interesse e competitividade da indústria local.

Além destes aspectos trata de uma excelente oportunidade para que o Brasil venha a ingressar no bloco de países detentores da tecnologia de biocombustíveis, tornando-se efetivamente exportador de tecnologia e de produtos com maior valor agregado. Assim, o PROBIODIESEL contribuirá para consolidar o Brasil como país líder mundial em biocombustível através da atualização e do desenvolvimento de tecnologias em todos os elos da cadeia produtiva multisetorial (setor automotivo, sucroalcooleiro, óleos vegetais, Sindipeças, Sindicom, Centros de Pesquisa, entre outros) sempre em benefício do consumidor final, da qualidade de vida e da promoção do desenvolvimento do País.

O esforço governamental está concentrado em fomentar o “saber fazer um bom combustível” e o “fazer valer” o preço e as garantias de seu uso. O desenvolvimento das tecnologias dos processos de produção e de usos do biodiesel e seus subprodutos deve estar sempre acompanhado com a demonstração da viabilidade econômica e sócio-ambiental, da competitividade e, também, da promoção da aceitação pelo mercado consumidor.

Produção mundial de óleos vegetais

A produção mundial de óleos vegetais cresceu de 70 milhões de toneladas em 1997 para 90 milhões de toneladas em 2001.
Vários países produzem comercialmente e outros estimulam o desenvolvimento do Biodiesel em escala industrial, dentre eles se destacam: Argentina, EUA, Malásia e União Européia (Alemanha, França, Itália, Áustria e outros).

Na União Européia o Biodiesel recebe incentivo à produção e consumo através de uma forte desgravação tributária e alterações importantes na legislação do meio ambiente. Lá, em 2005, 2% dos combustíveis consumidos terão de ser renováveis e, em 2010, 5%.

Ainda na Europa, os fabricantes de motores apóiam a mistura de 5% de Biodiesel. Na mistura até 30% ou Biodiesel puro (Alemanha) muitos fabricantes dão garantia aos veículos: VW, Audi, Seat, Skoda, PSA, Mercedes, Caterpillar e Man garantem alguns modelos. Na Alemanha, mais de 800 postos de combustíveis vendem Biodiesel puro.

Nos EUA, não há desgravação tributária e a produção ainda é incipiente (126.000 toneladas). Atualmente, o biodiesel está sendo usado em frotas de ônibus urbanos, serviços postais e órgãos do governo e é considerado Diesel Premium para motores utilizados na mineração subterrânea e embarcações. Em Minnesota está tramitando projeto de lei que estabelece: 2% de mistura – imediato e, 5% de mistura com biodiesel após 5 anos de aprovação.

Na Malásia está sendo implementado programa para a produção de biodiesel. A primeira fábrica deve entrar em operação em 2004, com capacidade de produção de 500 mil toneladas ao ano. A extração possível de vitaminas A e E permitirá reduzir os custos.

O Biodiesel na Argentina tem estímulo através do Decreto 1.396, de novembro de 2001, que cria o “Plan de Competitividad para el Combustible Biodiesel”, propiciando a desoneração tributária do Biodiesel, por 10 anos. A Resolução 129/2001 definiu as especificações do biodiesel.

As reservas de combustíveis fósseis como o petróleo, por exemplo, estão concentradas em 65% no Oriente Médio. Em 2001, o preço FOB do petróleo em relação ao óleo de soja foi da ordem de 3 vezes superior.

Ivonice Campos – Engenheira química, especialista em desenvolvimento energético, energias renováveis e biocombustíveis
Fonte: Revista Eco 21, Ano XIII, Edição 80, Julho 2003. (www.eco21.com.br)