O modelo de agricultura migratória, ou seja, aquela que alterna em uma mesma área períodos de cultivo (2-4 anos) e períodos de pousio florestal (3-7 anos), pode trazer uma economia de 540 reais em adubos por hectare. Este é um dos resultados da pesquisa realizada durante três anos na Região Serrana do Rio de Janeiro pela Embrapa Agrobiologia (Seropédica/RJ) em parceria com a Embrapa Solos, com a UFRural/RJ e com a Rede Brasileira de Agroflorestas (REBRAF).
A agricultura migratória é uma prática comum no Brasil. Conhecida como agricultura caiçara ou coivara ou de pousio, foi muito praticada pelos índios e ainda apresenta adeptos em comunidades mais tradicionais, como comunidades ribeirinhas da Amazônia, pescadores da Ilha Grande-RJ e algumas áreas da região serrana do Estado do Rio de Janeiro. As regiões onde normalmente esta prática é realizada se restringe a situações onde existe mata em abundância, gerando muitas fontes de propágulos (sementes e mudas) de espécies florestais.
Somente desta forma, logo assim que estas áreas têm a atividade agrícola interrompida, a vegetação de mata começa a se restabelecer. Em situações onde não há esta grande presença de floresta já formada, é impossível estabelecer a agricultura migratória.
Com o Decreto nº 750, de 10/02/93 a atividade de agricultura migratória das comunidades tradicionais ficou ameaçada. O Decreto dispõe sobre o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração de Mata Atlântica.
Se por um lado, este Decreto foi fundamental para aumentar a consciência ecológica da sociedade em relação à conservação da Mata Atlântica, por outro, forçou os agricultores caiçaras a alterar sua sistemática de manejo. A partir desta legislação, o pousio passou a ser feito em menor tempo, raramente ultrapassando 3 anos, período em que as árvores presentes na regeneração vegetal, normalmente, começam a ultrapassar 5 cm de diâmetro de tronco, ponto no qual os órgãos de fiscalização passam a considerar a área como intocável.
Os órgãos de fiscalização passaram, portanto, a agir com o mesmo rigor nas áreas de pousio, multando os agricultores que derrubavam as capoeiras. Para fugir da fiscalização, a atitude dos agricultores tem sido abandonar a agricultura migratória e se adaptar a agricultura tradicional, deixando o solo descoberto, quando não é cultivado, fazendo uso, para tanto, de queimadas, capinas e aplicações freqüentes de herbicidas. Estes produtores tradicionais deixaram de praticar uma agricultura mais conservacionista, que realizavam há anos, para praticar a agricultura convencional, muito mais impactante ao meio ambiente e, principalmente à renda dos pequenos agricultores. Estas dificuldades vêm estimulando, segundo os próprios agricultores, o êxodo rural, uma vez que os filhos destes homens raramente permanecem nas terras de seus pais.
Na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, o problema vem mobilizando os agricultores.
Assim, em parceria com a Embrapa Solos, UFRuralRJ e REBRAF, a Embrapa Agrobiologia realizou durante pouco mais de três anos uma pesquisa nesta região que visava desenvolver sistemas agro-florestais para recuperação de áreas degradadas da Mata Atlântica. Foram implementadas ações de pesquisa referentes aos aspectos da vegetação, de características químicas, físicas e biológicas do solo, água, sócioeconomia, etc.
Os resultados permitiram concluir que no pousio de 5-7 anos, tal qual os agricultores praticavam antigamente, foram encontradas as melhores condições de solo (tanto nas características químicas, como as físicas e biológicas), maior deposição de manta orgânica sobre o solo (folhas e galhos senescentes) e maior atividade da fauna do solo, quando comparado aos 3 anos de pousio que vem sendo praticados atualmente. Estes dados foram muito similares aos obtidos na floresta com mais de 70 anos, o que indica que para estas características apenas um descanso de 5-7 anos já é suficiente para recuperar a capacidade produtiva dos solos. O que mantendo o pousio por somente três anos, como a legislação vem exigindo indiretamente, não é possível.
Foi observado também que aos 7 anos de pousio, embora as plantas apresentem grande massa, as características de tipo e diversidade de espécies vegetais se assemelham muito mais ao pousio de 3 anos do que a Mata mais evoluída. Este fato é importante e indica que mesmo aos 7 anos não há presença de espécies raras, e seu corte nesta idade, não causa prejuízos à qualidade futura da vegetação.
Assim, é possível que o manejo atual de pousio reduzido (3 anos) degrade muito mais o sistema do que o pousio que vinha sendo praticado pelos agricultores há mais de 100 anos nestas áreas.
A pesquisa revelou ainda que com o pousio de 5-7 anos, estavam retidos somente na forma de manta orgânica sobre o solo (folhas e galhos senescidos) o equivalente a cerca de 600 kg/ha de sulfato de amônio; 150 kg/ha de superfosfato simples; 87 kg/ha de cloreto de potássio e cerca de 1400 kg/ha de calcário dolomítico. Estes valores de nutrientes na manta orgânica a preços de mercado atual significariam um aporte de adubação ao sistema da ordem de R$ 540,00, o que pode ser encarado como uma economia feita pelo agricultor, que não precisará comprar estes adubos no mercado, fazendo uso somente do aporte de nutrientes deste manejo.
Os pesquisadores envolvidos no projeto reconhecem que a situação de degradação da Mata Atlântica é crítica. Mas é realidade também a dificuldade de manter a população rural em suas propriedades. Com nível tão baixo de renda e ainda alterando totalmente sua forma de praticar agricultura, sem ao menos dar a estes agricultores alternativas e/ou subsídios para que possam agregar valor a seus produtos e tentar voltar a viabilizar a agricultura familiar no País, este quadro tende a se agravar. A situação fica mais crítica em regiões próximas a grandes centros urbanos, onde a agricultura é ainda mais desvalorizada e muitas vezes discriminada pelo restante da sociedade.
A primeira etapa deste projeto chegou à conclusão da necessidade de regulamentação do Decreto 750, para o estado do Rio de Janeiro (um dos últimos a regulamentar esta Lei).
E, a partir de um cadastro das propriedades praticantes da agricultura migratória, tentar incluir na legislação ambiental tratamento diferenciado para estes agricultores, incluindo na Lei a permissão para desmatamento de capoeiras com até 7 anos de idade.
Este projeto se encerra no final deste ano e já foi aprovado um novo, no qual pretende-se cooperar com a EMATER para a elaboração deste cadastro, além de buscar alternativas para tentar reduzir o tempo de pousio dos agricultores através da introdução de espécies arbóreas de plantas da família leguminosa e, que são capazes de fixar nitrogênio do ar, podendo, assim acelerar a velocidade de crescimento dos sistemas, visando atingir o mesmo resultado do pousio de 5-7 anos em menor espaço de tempo.
Sítio Cachoeira – Um laboratório Vivo
A pesquisa da Embrapa só foi possível porque um agricultor de 74 anos acreditou e possibilitou a execução de experimentos em seu sítio. Antônio Isaltino Sandre, mais conhecido na região de Barra Alegre, em Bom Jardim, como “Seu Isaltino”, é um daqueles agricultores tradicionais, nascido e criado na terra. Descendente de europeus, seu Isaltino aprendeu a agricultura migratória com o pai que já no início do século passado praticava este tipo de agricultura. Nos últimos anos, seu Isaltino vinha enfrentando problemas com a fiscalização; com a chegada dos técnicos da EMBRAPA não pensou duas vezes permitindo que seu sítio, com aproximadamente 30 hectares, fosse transformado num laboratório vivo.
Durante três anos, os pesquisadores coletaram material, fizeram monitoramento de solos e das espécies e ainda foram desenvolvidas, no local, duas teses de mestrado e uma de doutorado. O Sítio Cachoeira de seu Isaltino está localizado no 4º Distrito de Barra Alegre, no Município de Bom Jardim, RJ. Nesse local foram efetuados todos os experimentos do projeto. Hoje é possível fazer a comparação entre uma área e outra localizada ao lado e fazer imagens de todos os sistemas avaliados (pousios com diferentes idades, mata, diferentes cultivos agrícolas, etc), com facilidade de acesso e deslocamento. Existem outras propriedades (350) na região que também praticam a agricultura migratória.
Muito falante e animado, seu Isaltino tem orgulho de sempre ter se preocupado com o meio ambiente e a preservação do solo para o futuro de seus filhos e netos, que também o ajudam na produção de batata, inhame, café e citrus. Sua grande preocupação é justamente até quando conseguirá mantê-los por lá.
Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 87, Fevereiro 2004. (www.eco21.com.br)