Relato da equipe que venceu barreiras naturais para encontrar paisagens e espécies jamais registradas no Estado Foram 16 dias na selva, no coração da Floresta Nacional do Amapá. Os 22 integrantes da primeira “Expedição Científica” às áreas protegidas do Corredor de Biodiversidade do Estado voltaram, no fim de Agosto, mais barbudos, mais magros e com a bagagem repleta de histórias e novos dados sobre a biodiversidade local. A equipe partiu de Macapá e se deslocou de barco pelos rios Amapari, Falsino e igarapé do Braço durante dois dias. Enrico Bernard, líder das “Expedições” e coordenador de projetos da ONG Conservação Internacional, conta que um dos maiores desafios foi chegar até a área demarcada para as pesquisas, montada no coração da FLONA. “O curso dos rios é permeado por grandes troncos de árvores que impedem a passagem dos barcos. Dos seis batelões (embarcações de madeira de até 9 metros) disponíveis para levar a equipe ao acampamento apenas três chegaram no dia programado. Os demais barcos, incluindo o que eu estava, tiveram que encostar-se às margens do rio ao cair da noite por total falta de visibilidade. Dormimos molhados e sem comida, mas o esforço valeu a pena”.
Graças ao apoio do IBAMA e do Exército, a equipe conseguiu montar um alojamento que oferecia proteção à comida, aos equipamentos, e até mesas e bancos construídos com árvores caídas na floresta. Sete grupos foram inventariados, dentre eles: mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes, crustáceos e plantas. Neste momento, os pesquisadores estão fazendo as análises das coletas e verificando a existência de novas espécies ou de novas ocorrências para o Estado.
O herpetólogo (especialista em répteis e anfíbios), Jucivaldo Dias Lima, já identificou 19 espécies de lagartos, 25 de sapos e ainda está analisando as espécies de serpentes.
“Mesmo já tendo participado de mais de seis expedições desse gênero, estou surpreso com a quantidade de espécies que observamos e que até hoje eu só conhecia na literatura. Ainda temos que consultar outros especialistas na área, mas há bom potencial de haver uma nova espécie de sapo dentre as coletadas. Está entre os sapos mais coloridos que já vi com um tom azul forte e manchas alaranjadas” descreve o pesquisador do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA).
A Floresta Nacional do Amapá está localizada no centro do Estado e tem uma grande diversidade de florestas, incluindo áreas inundadas, de terra firme e formações rochosas. Jeandreson Melo, assistente de campo no grupo de aves, conta que um dos melhores momentos da Expedição foi a descoberta de dois afloramentos rochosos no meio da mata. “Era uma pedra do tamanho de dois campos de futebol de extensão e 80 metros acima da copa das árvores, de onde se podia ter uma vista de 360º; dali, tive a certeza de ter muita coisa a se descobrir neste Amapá.”
Jeandreson é um dos integrantes da comunidade local nas “Expedições”. Com 22 anos, ele se prepara para o vestibular em Biologia, um sonho que alimenta desde os 9 anos, quando entrou para o grupo de escoteiros Veiga Cabral. Ele é um aficionado por botânica e, com toda sua experiência pelas florestas do Estado, diz ter aprendido como se sentir parte da natureza. “Na floresta, você percebe o seu papel e precisa prestar atenção para não fazer parte da cadeia alimentar daquele sistema”.
Essa sensação é atestada por outros participantes, que registraram as pegadas e a vocalização das onças, mas não arriscaram um encontro cara-a-cara com o animal. “A presença de mamíferos, como as onças pintadas e as onças pardas, indica a saúde da floresta, pois esses bichos só existem quando há fartura de outros mamíferos de médio e pequeno porte. Eles estão no topo da cadeia alimentar e são os primeiros a desaparecer em fortes processos de perturbação”, explica Bernard. Para garantir a observação dessas espécies, foi usado um sistema de armadilhas fotográficas, distribuídas ao longo de toda a área de pesquisa. Essas imagens estão sendo tratadas e logo poderão revelar alguns dos hábitos desses felinos e de outras espécies que tenham se exposto aos sensores das câmaras durante a estada dos pesquisadores na FLONA. A Floresta do Amapá tem 412.000 ha e abrange terras dos municípios de Ferreira Gomes, Amapá e Pracuúba. “Os dados obtidos durante as Expedições serão repassados ao IBAMA e servirão de base para a concepção dos Planos de Manejo das Unidades de Conservação do Corredor do Amapá”, afirma Agenor Gedoz, analista ambiental da instituição, que acompanhou toda a “Expedição”. “O Plano de Manejo da FLONA do Amapá definirá os usos adequados dos recursos naturais existentes naquela área. Esses usos podem ir desde a pesquisa até o ecoturismo e o extrativismo sustentável. Neste momento, estamos encorajando a participação de toda a sociedade com a formação do Conselho Consultivo da FLONA”.
Esta foi a primeira de 15 “Expedições Científicas” ao Corredor. No dia 11 de Setembro de 2004, a equipe formada por sete experientes pesquisadores, assistentes de campo, analistas do IBAMA, além da equipe de apoio, saiu rumo ao Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque, o maior parque de florestas tropicais do mundo. A volta está prevista para o mês de Outubro.
Uma segunda Expedição Científica às áreas protegidas do Corredor de Biodiversidade do Amapá partiu no domingo 12/9/04, do município de Serra do Navio, com destino ao Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque. Este é a primeiro trabalho de pesquisa sistemática em flora e fauna no centro do maior parque de florestas tropicais do mundo.
Serão dois dias de barco até o ponto de amostragem, onde é montado o alojamento e se estabelece um círculo de 3 km de diâmetro para as pesquisas. O Parque receberá outras quatro expedições nos próximos dois anos. O objetivo da iniciativa é mapear a biodiversidade local subsidiando a elaboração do plano de manejo, que define os usos mais adequados da área. Criado há apenas dois anos, as únicas imagens que se tem do Parque do Tumucumaque até hoje são aéreas. O Parque tem 3.870.000 hectares de extensão, está localizado na região das Guianas, no noroeste do Estado do Amapá, e é considerado uma das últimas áreas de floresta tropical intocada do Planeta.
As “Expedições Científicas ao Corredor de Biodiversidade do Amapá” são lideradas pela Conservação Internacional, em parceria com o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA), a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA), o IBAMA-Amapá, e tem a participação do Exército Brasileiro. Os trabalhos de inventário representam um investimento de R$ 700 mil. Além disso, todo o material coletado entrará para a coleção do IEPA viabilizando novas pesquisas no Estado.
Andréa Margit – Jornalista da Conservação Internacional
Fonte: Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 95, Outubro 2004. (www.eco21.com.br)