Congresso Mundial de Parques: áreas protegidas, reservatórios genéticos

De 8 a 17 de setembro de 2003, a cidade de Durban, na África do Sul, abrigou o maior fórum global sobre áreas protegidas, a quinta edição do Congresso Mundial de Áreas Protegidas, evento que é organizado pela União Mundial para a Natureza (IUCN) a cada 10 anos e que ficou mais conhecido como Congresso Mundial de Parques.

Quase 3000 especialistas procedentes de 170 países, entre eles gestores de parques, representantes de governos, cientistas, ambientalistas e lideranças indígenas e jornalistas ambientais, estiveram presentes no evento. Convocado com o tema “Benefícios além das Fronteiras”, o Congresso teve como principal objetivo demonstrar como as áreas protegidas são relevantes para as agendas econômicas, sociais e ambientais da sociedade do Século 21. As inter-relações entre Parques e comunidades, o desenvolvimento sustentável e a segurança foram o pano de fundo das discussões. O Brasil teve grande expressão neste V Congresso, não somente por sua alta biodiversidade, mas também pelos esforços que muitos de seus governantes estão se propondo realizar em favor da conservação.

Os Governadores do Acre, Amazonas e Amapá foram homenageados em Durban perante a comunidade internacional reunida no Congresso Internacional de Parques. Eduardo Braga, do Amazonas, e Antonio Waldez Góes, do Amapá (único presente em Durban), receberam o prêmio Líderes para um Planeta Vivo, enquanto Jorge Viana, do Acre, recebeu o prêmio Presente para o Planeta Terra, uma das maiores distinções para aqueles que se esmeram pela proteção da natureza. Os prêmios foram concedidos pela rede mundial WWF e entregues pelo seu Secretário-Geral, Claude Martin. Ele destacou o esforço dos governadores como “um grande marco para a implementação do Programa Áreas Protegidas da Amazônia – ARPA”.

O Governador Waldez Góez (do Amapá) e o Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas, Virgílio Vianna (em representação do Governador Eduardo Braga), anunciaram em Durban novos programas em seus respectivos Estados.

O Programa Áreas Protegidas da Amazônia – ARPA, que dispõe de um orçamento de US$ 400 milhões, é realizado pelo governo brasileiro em parceria com o WWF-Brasil, o Banco Mundial, GEF e o KfW, apóia as ações em favor da conservação das florestas e do seu uso sustentável. É responsável pela proteção de 27% das florestas do Estado do Acre e visa proteger 500 mil km2 (ou 50 milhões de hectares) representativos das 23 eco-regiões do bioma Amazônia, incluindo os vários tipos de paisagens e recursos genéticos, bem como a diversidade das comunidades locais que se beneficiarão da iniciativa.

Embora o Congresso Mundial de Parques não seja um evento de nível governamental, os seus resultados são de grande interesse para o Governo Federal, principalmente para os Ministérios do Meio Ambiente e das Relações Exteriores, em razão de que as decisões ali tomadas podem influir nas políticas nacionais de conservação dos ecossistemas, pois costumam apontar as prioridades mundiais para as áreas protegidas, indicar novas áreas que devem ser protegidas, bem como a melhor forma de administrá-las, protegê-las e gerenciá-las de forma sustentável.

Depois de dez dias de intensos debates e profícuos acordos, a quinta edição deste encontro promoveu importantes avanços na concepção e implementação de um sistema global de áreas protegidas.

O Acordo de Durban, apresentado na última reunião Plenária, se constituiu no principal documento do Congresso, cuja finalidade é motivar e orientar ações positivas em favor das mais de cem mil áreas protegidas existentes hoje no mundo e daquelas que serão criadas no futuro.

Foram elaboradas 32 recomendações específicas para a expansão e manutenção de um sistema global de áreas protegidas, assim como uma mensagem a ser encaminhada para o próximo encontro da Convenção da Nações Unidas sobre Biodiversidade, da qual o Brasil é signatário.

A mensagem reforça três pontos principais:

1) a identificação de lacunas no sistema de unidades de conservação e a criação de novas áreas baseadas em critérios científicos;

2) a necessidade de promover a participação das comunidades locais e assegurar que elas tenham benefícios com as áreas protegidas e,

3) a criação de capacidade institucional, recursos humanos, financeiros e legais que permitam gerenciar as áreas protegidas de maneira efetiva.

A relação entre as pessoas e as áreas protegidas foi uma das questões mais enfatizadas durante todo o Congresso, como revela o comentário de Peter Seleigman, presidente da Conservation International. “Nós apoiamos a visão dos povos indígenas e devemos aprender com eles. Nós também apoiamos os jovens interessados na questão ambiental e estamos buscando a nova geração de líderes, defensores da conservação da biodiversidade do planeta”.

Dentre as principais conquistas anunciadas em Durban, duas estão relacionadas ao Brasil. A primeira corresponde à iniciativa do Governo do Amazonas de criar seis novas áreas protegidas, cobrindo 3,8 milhões de hectares, o que representa 40% do território do Estado.

A outra foi divulgada por Waldez Góes, Governador do Amapá, que anunciou a criação de um Corredor de Biodiversidade de 10 milhões de hectares (equivalente ao território de Portugal), protegendo centenas de espécies de plantas e animais que só existem na Amazônia. Nesse imenso território protegido se encontra o maior parque nacional do mundo em área de floresta tropical: o Parque Montanhas do Tumucumaque, com uma superfície de 38.867 km2. um área equivalente ao território da Bélgica.

O chamado Corredor da Biodiversidade está composto por um conjunto de áreas protegidas que representam 54,8% da extensão total do Estado do Amapá. São 12 Unidades de Conservação contando com dois Parques Nacionais, uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável, três Estações Ecológicas, três Reservas Biológicas, uma Reserva Extrativista, uma Área de Proteção Ambiental, uma Floresta Nacional, além de quatro Terras Indígenas – Juminá, Galibi, Uaça e Waiapi – que congregam cerca de 5 mil índios. “Nunca estive tão convencido que fizemos bem, que representamos muito bem os amapaenses no Congresso na África do Sul; de que temos propostas e projetos prontos para defendermos junto às autoridades federais; apoiaremos as populações indígenas e tradicionais no manejo de suas áreas, assim, estaremos bem adiantados no cumprimento das principais recomendações deste Congresso” observou o Governador Waldez Góes.

Houve compromissos de outras nações como o assumido pelo presidente de Madagascar, Marc Ravalomanana, ao se comprometer em aumentar, nos próximos cinco anos, as áreas protegidas do seu país de 1,7 para 6 milhões de hectares, criando várias novas Unidades de Conservação e assegurando a sobrevivência das dezenas de espécies, entre as quais a dos lêmures, hoje ameaçados de extinção.

O maior exemplo foi dado pela América Latina ao anunciar a implementação do maior projeto de conservação transnacional em andamento. Por meio do Programa Grande Rota Inca, Peru, Bolívia, Equador, Argentina, Chile e Colômbia criaram uma Rede de Unidades de Conservação que preservará áreas de patrimônio natural e cultural dos antigos impérios andinos, permitindo a sustentabilidade das comunidades locais. Juntos, esses quatro anúncios representam mais de 20 milhões de ha em áreas protegidas. Somente os compromissos brasileiros envolvem cerca de 20 milhões de dólares em investimentos já garantidos pelos governos estaduais e por ONGs.

Para construir um sistema global de áreas protegidas na próxima década, estima-se que sejam necessários cerca de 25 bilhões de dólares. Para diversos especialistas, atingir esse montante somente será possível com a colaboração dos mais variados setores da sociedade: governos, ONGs e, sobretudo, a iniciativa privada.

Segundo o documento final as áreas protegidas são um dom maravilhoso que se transmite de geração em geração. Elas albergam milhares de espécies terrestres e marinhas as quais formam a redá da vida à qual está intimamente ligada a sobrevivência humana. É nelas que se preservam os nossos tesouros históricos e o patrimônio cultural; para muitas sociedades elas têm valores espirituais, estéticos e éticos. As áreas protegidas oferecem possibilidades de arrecadar fundos sustentáveis para satisfazer as necessidades das comunidades locais.

A melhoria da qualidade do ar, do solo, da água e da vida começa com a proteção dos sistemas naturais. As áreas protegidas são reservatórios genéticos que guardam a esperança de um futuro mais saudável para o Planeta e a sua população. As áreas protegidas contribuem para regularizar e amortecer os processos naturais e equilibrar o clima da Terra. Protegê-las significa proteger o nosso futuro. Sem uma rede mundial eficaz de áreas protegidas, a sociedade perderá esses benefícios, se reduzirão as perspectivas de minorar a pobreza e diminuirá o patrimônio das gerações futuras.

Segundo o documento, todos devemos assumir uma parte da responsabilidade na missão de transmitir essa herança em melhores condições do que temos recebido.

René Capriles – Editor da ECO 21
Fonte: Revista Eco 21, Ano XIII, Edição 82, Setembro 2003. (www.eco21.com.br)