A XII Conferência das Partes da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagens em Perigo de Extinção realizada em Santiago do Chile entre 3 e 15 de Novembro último, congregou cerca de 1.200 representantes de governos e ONGs do mundo inteiro. Os delegados da COP-12 – como a ONU denominou o encontro -, estudaram 60 propostas e mais de 60 resoluções sobre uma ampla variedade de temas – entre eles a polêmica proposta brasileira de liberalização da venda de mogno – e a implementação das emendas para os Apêndices I e II da Convenção.
Durante os anos 60 os países começaram a se preocupar com os problemas da maciça exploração da vida silvestre consumada pelo comércio internacional, fato que provocava uma rápida diminuição de muitas das espécies de animais e vegetais em todo o planeta. A Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Flora e Fauna Silvestres de Extinção – CITES foi elaborada numa reunião convocada pela União Internacional de Conservação da Natureza – IUCN durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano realizada em Estocolmo, em Junho de 1972. O texto final da Convenção foi aprovado em Washington o dia 3 de Março de 1973 num encontro que congregou 80 países. A CITES entrou em vigor no dia 1 de Julho de 1975. Atualmente 154 países ratificaram a Convenção e 160 fazem parte ativa dela. No Brasil, o Congresso Nacional ratificou a CITES em 20/8/1975 e entrou em vigor em 18/11/1975.
Os objetivos da CITES são os de monitorar e deter o comércio internacional das espécies em perigo de extinção, manter as espécies que se encontram sob exploração comercial num equilíbrio ecológico e dar assistência aos países no sentido de que eles possam atingir o uso sustentável das espécies através do comércio internacional. Os Estados Parte regulam o comércio da fauna e da flora mediante os três Apêndices da CITES. O Apêndice I enumera as espécies em perigo por causa exclusiva do comércio; a sua venda é autorizada somente em circunstâncias excepcionais. As espécies inclusas no Apêndice II requerem de um comércio estritamente regulamentado sobre a base de cotas ou autorizações que prevêem o uso não-sustentável e dispõe de rigorosos controles voltados para a manutenção dos ecossistemas e para a prevenção de que as espécies não sejam classificadas no Apêndice I. Entre as espécies consideradas no Apêndice III figurão àquelas sujeitas a regulação própria dos Países Membro e requerem da cooperação das outras Partes para controle do tráfico internacional.
Atualmente encontram-se protegidas pelos três Apêndices da CITES ao redor de 5 mil espécies de animais e 25 mil de vegetais. Cada Parte deve adotar uma legislação nacional própria que permita a indicação oficial da Autoridade de Aplicação que é o órgão responsável pela emissão das autorizações e dos certificados, com base numa assessoria de uma Autoridade Científica designada. Estas duas Autoridades nacionais também contribuem para o cumprimento da CITES mediante a sua atuação nas alfândegas, nas polícias e nos organismos correspondentes. As Partes devem manter um registro do comércio – o qual é enviado anualmente para a Secretaria da CITES – com a finalidade de que essas informações sirvam para compilação de estatísticas sobre o volume mundial do comércio das espécies protegidas.
No caso do mogno, foi proposta a inclusão do mogno (Swietenia macrophylla) no Anexo II da Convenção. Nesse caso, a exportação de mogno passaria a depender de pareceres científicos – emitidos por autoridades designadas tanto pelo país importador quanto pelo país de destino – de que não haveria dano à conservação da espécie. O Brasil reagiu energicamente em razão de que, “o regime adotado pelo Governo brasileiro desde 1998 – listagem do mogno no Anexo III da CITES – tem proporcionado condições adequadas para a conservação da espécie. Nesse regime, a autoridade administrativa do país de origem emite licença de exportação específica, após certificar-se de que o espécime não foi obtido em contravenção à legislação nacional”.
O IBAMA, que exerce no Brasil as funções de autoridade local para a CITES, entende que o mogno não é espécie ameaçada de extinção no Brasil. De acordo com uma nota do Itamaraty “A listagem do mogno no Anexo II poderia prejudicar a exploração sustentável da espécie, com forte impacto sobre a adequada remuneração das populações locais, e afetar negativamente as metas de valorização dos recursos naturais e sua utilização de forma sustentável.
A posição do Governo brasileiro, nessa linha, resultou de um amplo processo de consulta do qual participaram representantes de diversos setores da sociedade brasileira. O recurso ao Anexo II poderia ainda acarretar resultados contraproducentes aos visados pelos proponentes, em razão do possível efeito perverso de induzir à conversão de áreas florestais para outros tipos de utilização, como a agricultura e a pecuária”. Em Santiago do Chile, a proposta do Brasil foi rejeitada e mogno passou para a categoria de espécie em extinção.
Na COP-11, realizada em Nairóbi, em Abril de 2000, foi estabelecido um grupo de trabalho (GT) para aprofundar o estudo sobre estratégias de conservação da espécie. Esse grupo reuniu-se em Santa Cruz de la Sierra, em Outubro de 2001, e enfocou a experiência dos países que, a exemplo do Brasil, incluíram o mogno no Anexo III (Costa Rica, Bolívia, México, Peru e Colômbia). As conclusões e recomendações do GT apontaram, de uma forma geral, para a necessidade de aperfeiçoamento da cooperação internacional na matéria e de aprofundamento do conhecimento científico sobre a situação da espécie nos diferentes países de ocorrência.
O IBAMA tenciona voltar a autorizar a exploração comercial da espécie uma vez instauradas condições plenas de controle e monitoramento com base científica sólida. Para isso foi comunicado à COP-12 o lançamento do Sistema Integrado de Controle e Monitoramento de Recursos e Produtos Florestais – SISPROF, que visa a aperfeiçoar o controle sobre a movimentação de todos os recursos de origem florestal.
Isso permitirá assegurar que a exploração do mogno se processe de forma compatível com as metas definidas pelo Governo brasileiro, no que se refere ao controle e manejo sustentável desta espécie, e em consonância com as obrigações internacionais aplicáveis. O Brasil, que incluiu a população de mogno no Anexo III desde 1998, tem implementado uma série de medidas que visam acabar com a exploração ilegal e insustentável do mogno. Essas medidas incluem a proibição da exploração fora do contexto de Planos de Administração de Floresta Sustentável – SFMP, e a imposição de quotas para exportação. Também foi imposto um banimento total do comércio de mogno a partir de Outubro de 2001, até a entrada em vigor do SISPROF.
Segundo os representantes brasileiros na COP-12: “A posição brasileira com relação à inclusão da espécie no Anexo II não deve jamais ser entendida como pondo em dúvida a importância, para o Brasil, do manejo ambientalmente adequado e da conservação das populações de mogno. A comunidade internacional tem reconhecido em diversos documentos internacionalmente acordados o direito soberano dos Estados de explorar seus recursos naturais.
O Brasil acredita firmemente que as florestas naturais podem ser exploradas de forma sustentável, especialmente em benefício das comunidades locais, se seus produtos forem devidamente valorados, no contexto de planos de manejo sustentável de florestas. Temos declarado repetidamente nesta Conferência, bem como em outros foros multilaterais, nossa convicção de que a conservação de recursos naturais, especialmente aqueles de alto valor no mercado internacional, é compatível com regras abertas e transparentes do comércio internacional. Nós nos temos oposto a propostas e procedimentos que possam induzir barreiras comerciais à exploração sustentável de recursos naturais”.
A preocupação brasileira com a inclusão do mogno no Anexo II da CITES está relacionada com a utilização da Convenção como base legal para impedir o acesso dessa madeira aos mercados consumidores. O governo nacional declarou que espera que os procedimentos estabelecidos na Convenção para monitoramento do comércio internacional de mogno, especialmente o monitoramento de licenças de exportação emitidas por autoridades científicas estrangeiras, sejam feitas levando-se plenamente em conta as leis e regulamentos nacionais dos países exportadores. Conforme a comunidade internacional unanimemente aprovou no Plano de Implementação adotado na RIO+10, em Johanesburgo, em Setembro último, “as medidas de política comercial para fins de proteção ambiental não devem se constituir em instrumentos de discriminação arbitrária ou injustificável, nem em restrições disfarçadas ao comércio internacional”.
Aurore Bubú
Fonte: Revista Eco 21, Ano XII, Ed. 73, Dez/2002.