Esperança de sobrevivência

Durante mais de dez anos, a bióloga e taxonomista, Lúcia Helena Soares e Silva esperou pela confirmação científica de que aquela árvore enorme que viu pela primeira vez no Parque Estadual Mata dos Godoy, em Londrina (PR), era realmente uma espécie nova. A desconfiança existia, mas era preciso obter o aval de um especialista na família Leguminosae (a pesquisadora é especialista na família Myrtaceae), que foi localizado no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Felizmente, o tempo de espera não foi em vão. Lúcia havia descoberto realmente uma espécie rara ainda não classificada pela ciência. Em Março de 2004, ela foi apresentada oficialmente à comunidade internacional mediante a publicação do seu trabalho no Botanical Journal da Linnean Society of London, um dos mais respeitados veículos de divulgação científica do mundo.

A nova espécie, batizada de Exostyles godoyensis Soares-Silva & Mansano, é parente do feijão e da ervilha, que pertencem à família das leguminosas. A árvore ultrapassa os 20 metros de altura e só existe na região em que foi encontrada, na linha do Trópico de Capricórnio, em um dos raros fragmentos de floresta de Planalto que ainda restam no País, no bioma Mata Atlântica. Por estar numa Unidade de Conservação de 680 hectares, protegida por Lei estadual, a Exostyles tem mais chances de não ser extinta; mas é preciso muito cuidado, porque dela se conhecem, na mesma região, menos de dez exemplares adultos.

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“É gratificante ter uma descoberta como essa reconhecida no mundo. Essa, em especial, reserva um gostinho de vitória por causa da raridade da espécie”, comenta Lúcia Helena Soares e Silva.

Hoje, a amostra original da espécie (chamada holótipo) encontra-se apenas no Herbário do Departamento de Botânica da Universidade de Brasília (UnB). “Agora ela tem sua certidão de nascimento de verdade e a UnB foi o ‘cartório’ que a registrou”.

Mas, o trabalho de “garimpagem” da pesquisadora não pára por aí. Outra descoberta importante, na mesma região, foi a da Eugenia myrciariifolia, que também acabou recebendo o sobrenome Soares-Silva & Sobral – assim como acontece com os bebês que ganham um nome e o sobrenome dos pais na certidão de nascimento. Essa espécie, uma quase irmã da cagaiteira (Eugenia dysenterica) do Cerrado, ambas da família Myrtaceae, só é encontrada no Paraná, região de Sapopema, à margem direita do Rio Lajeado. A descoberta ocorreu durante as pesquisas do doutorado de Lúcia Helena, também desenvolvidas no Estado, em região de Mata Atlântica. A primeira série de descobertas comprovadas da professora começou há dois anos, com a publicação de uma nova forma de Myrcia rostrata Soares-Silva, também da família das mirtáceas encontrada em 1996, em mata ciliar do Rio Jacucaca, município de Califórnia (PR). A mesma espécie apresenta outras duas formas, com características bem diferentes da forma flexuosa, que tem nada menos que nove metros de altura.

Além das plantas classificadas e já reconhecidas por especialistas internacionais, Lúcia Helena pode estar prestes a incluir outros registros seus na história da botânica. Mais três espécies estão em fase de estudos para constatação de que se trata de novas descobertas científicas. Além da descrição física detalhada da espécie, a confirmação precisa passar pelo crivo de especialistas (entre eles, a própria pesquisadora) e pela consulta a vários herbários do Brasil e do mundo.

A importância das descobertas da bióloga Lúcia Helena Soares e Silva não fica limitada aos desdobramentos acadêmicos; representa um alerta à urgência da preservação de espécies que estão sendo destruídas antes mesmo de serem conhecidas.

Todas as espécies que agora levam o sobrenome da professora pertencem à Mata Atlântica, um dos biomas mais ricos em biodiversidade e um dos mais degradados, principalmente pela ocupação humana. Só para lembrar algo que todos conhecem, o bioma ocupava 1,3 milhão de quilômetros quadrados – cerca de 15% do território nacional em 17 Estados – e atualmente existe menos de 7% da extensão original, quase 99 mil quilômetros quadrados de áreas remanescentes fragmentadas, localizadas na porção Sul de Goiás e Mato Grosso, interior da Região Sul, Sudeste e Nordeste e da costa brasileira.

Kátia Marsicano – Jornalista da Universidade de Brasília
Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 96, Novembro 2004. (www.eco21.com.br)