Qual é a indústria que cresce com um índice de 30 a 40% ao ano? A informática? Não! A biotecnologia? Também não. A indústria nuclear? Muito menos. A elétrica? Nem brincando! É a solar! Uma indústria que está dotada de uma saúde capaz de fazer pensar duas vezes os ministros da economia do G-8. A indústria solar, nas suas duas vertentes, a térmica e a fotovoltaica, está revelando que tem fôlego o bastante para ir muito além, no futuro imediato. Este clima entusiástico percebeu-se sumamente palpável durante a 19ª Conferência Européia da Indústria Fotovoltaica que aconteceu em Paris de 7 a 11 de Junho passado. Foi um grande encontro de industriais, engenheiros e profissionais do setor que assistiram a mais de 40 sessões, seminários e palestras; os mais de 200 stands da feira paralela foram visitados por cerca de 2.500 congressistas procedentes de todo o mundo, mas principalmente da Europa Ocidental. A Conferência parisiense mostrou que já aconteceu a decolagem de uma indústria que se encontra saindo de seu estado artesanal para se transformar num setor econômico inovador e possuidor de uma exigente tecnologia de ponta.
A indústria fotovoltaica, que fabrica os painéis captadores que transformam a energia solar em eletricidade, hoje se encontra dominada pelas empresas européias BP Solar, Shell Solar e pelas japonesas Sharp e Kyocera.
A ajuda do Estado
Os estadunidenses são os grandes ausentes neste campo, mesmo considerando o fato de que a General Electric recentemente decidira se engajar no campo solar. Na realidade, este mercado ainda depende – e muito fortemente – da assistência que os governos devem fornecer para a produção deste tipo de energia não emissora de gás carbônico. O Japão e a Alemanha são, logicamente, os líderes nesta indústria por causa da ajuda econômica que eles concedem aos consumidores de energia elétrica solar.
A Alemanha já concede a alguns anos substanciais subsídios para compra de equipamento solar térmico e garante a compra de eletricidade fotovoltaica a preços elevados, até 60 centavos de Euro por quilowatt/hora. Esta visão combina o interesse ambiental e a política industrial estatal visto que, apoiado desta forma, está emergindo um setor novo e, principalmente, gerador de empregos. Somente na Alemanha, nos últimos seis meses, foram abertas mais de dez mil vagas, e a perspectiva, depois da Renewables 2004, é de 50 mil.
A Espanha, seguindo o mesmo caminho, há vários anos que já dispõe de uma legislação de compra de energia excedente dos usuários de energia eólica e proximamente deverá adotar uma tarifa de compra de eletricidade estimulando a geração fotovoltaica.
Em contraste com a política de energias limpas da Alemanha, Espanha e a Holanda, na Europa a França está considerada como “anã solar” em razão do fraco interesse dos atuais governantes que se encontram obnubilados pela energia nuclear. A França conta apenas com uma grande empresa industrial, a Photowatt, uma subsidiária da Matrix canadense instalada nos Alpes franceses, cuja produção está voltada quase exclusivamente para a exportação.
Garantia de preços leva setor alemão de energia solar a expansão recorde este ano. Os projetistas, porém, querem evitar atritos pela proliferação de receptores solares pela paisagem, como ocorreu com cata-ventos. Um acordo garante este ano aos fornecedores de energia solar uma remuneração inédita na Alemanha: 62,4 centavos de Euro por quilowatt/hora. A atraente tarifa está estimulando a multiplicação das usinas solares. O Governo alemão prevê que, até Dezembro deste ano, serão instalados no País 20 mil parques de coletores fotovoltaicos com capacidade para gerar 200 megawatts.
O setor calcula que, pela primeira vez, seu faturamento ultrapassará a marca de um bilhão de Euros, contra 750 milhões em 2003 e apenas 80 milhões em 1998. Os investimentos deverão criar quatro mil novos empregos.
Nesta arrancada, os projetistas de usinas solares têm uma preocupação a mais, a partir da experiência dos setores de energia nuclear e eólica. Ou seja, só instalar usinas onde elas são bem-vindas pela população e não encher a paisagem com placas coletoras, sem repetir o exemplo da proliferação de cata-ventos, que gera protestos em algumas regiões do país.
Afinal, o setor vive “de sua imagem positiva e de sua alta credibilidade ecológica”, afirma Carsten Körnig, diretor-geral da Associação das Empresas do Setor de Energia Solar (UVS). Maior projetista de usinas da Alemanha, a empresa Voltwerk faz coro: “A aceitação dos parques solares em suas regiões é muito importante.”
De fato, a popularidade da energia solar é das melhores. Pesquisa encomendada pelo Departamento Federal de Imprensa verificou que 70% dos alemães apontam o sol como fonte de energia preferida para assegurar a demanda no país daqui a 20 ou 30 anos. A alternativa eólica ficou em segundo lugar, com 55% das preferências, enquanto a nuclear obteve apenas 19% de respaldo e o uso de carvão, irrisórios 6%.
Problemas com a paisagem
Entretanto, assim como ocorreu com os cata-ventos, à medida que novos projetos de usinas solares são anunciados, começam a surgir as primeiras resistências, sobretudo nas regiões em que elas devem ocupar áreas anteriormente verdes, algumas usadas antes para agricultura e pecuária. Instalações de coletores em telhados não enfrentam contestações. Mas não há telhado que chegue para atender às metas do Governo. O potencial de conflito tende a crescer com a perspectiva de instalação de grandes usinas, pois nem todas as áreas não construídas poderão ser poupadas.
Até agora os atritos entre defensores de usinas e contestadores foram casos isolados, sem maiores repercussões. Ao menos não comparáveis com as brigas contra a abertura de estradas, por exemplo. Porém, no povoado de Schmiechen, próximo a Augsburg, a resistência saiu-se vitoriosa. Ao se dar aos moradores do local o poder de decisão através de plebiscito, 60% dos eleitores foi contra.
O diretor da Associação de Incentivo à Energia Solar da cidade de Aachen, Wolf von Fabeck, rejeita categoricamente o uso de áreas verdes. Para ele, quem leva a sério a proteção ao meio ambiente tem de protestar contra “o uso desnecessário de superfícies” naturais.
“Os campos de pastagem nos Alpes e as encostas vinícolas estão para nós fora de cogitação”, garante Steffen Kammler, chefe de projetos da City Solar, responsável pelo planejamento do atual maior projeto solar do mundo.
Em Göttelborn, no Estado do Sarre, deverá ser instalada uma usina de 7,4 megawatts, ou seja, tanta eletricidade quanto a produzida por todas as instalações solares na Alemanha há dez anos. Resistências ao projeto? Nenhuma. Afinal, a usina ocupará uma área deformada pela extração de carvão. Portanto, opções existem. País afora, existem terrenos de pouco valor ecológico à disposição, como campos de treinamento militar e aterros sanitários, como o de Karlsruhe. Após o saneamento do local, a prefeitura instalou ali três aerogeradores. Agora quer cobrir o monte de lixo soterrado com coletores solares.
A China se está configurando muito menos medrosa do que a França no campo solar; a nova geração de empresários do gigante asiático pensa implementar uma poderosa indústria fotovoltaica e inundar o mercado interno que se encontra em pleno desenvolvimento. Durante a Renewables 2004 as autoridades chinesas anunciaram que, no máximo até o ano 2010, Beijing pretende suprir até 10% da eletricidade nacional mediante placas fotovoltaicas e turbinas eólicas. A Índia que é o único País que dispõe de um Ministério das Energias Renováveis, também demonstrou interesse em renovar a sua matriz energética com uma maciça implementação de fotovoltaicos.
Nos países em desenvolvimento, estas novas formas de energia são altamente apreciadas pelo seu caráter de fácil instalação local, em especial nas regiões rurais que se encontram distantes das redes elétricas tradicionais. Hoje existe um grande número de países do Terceiro Mundo que começam a se interessar pelo universo fotovoltaico. Tanto na Europa como na América Latina, na África ou na Ásia, de um ponto de vista tecnológico, o solar deverá avançar rapidamente graças ao emprego de novos e mais baratos materiais: os polímeros poderão deslocar para sempre o silício cristalino com o qual são fabricadas hoje as células solares. Eles oferecem maior transparência e, como conseqüência, a espessura do filme solar será menor; este detalhe que permitirá aos fotovoltaicos se integrarem melhor aos edifícios e residências do que os sistemas solares atualmente disponíveis. Sem dúvida o futuro será, entre outras formas de energia, solar.
Aurore Bubu – Ambientalista
Fonte: Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 92, Julho 2004. (www.eco21.com.br)