Introdução
O Fundo Brasileiro para a Biodiversidade – FUNBIO, dentro dos marcos de sua missão institucional de conservar e dar uso sustentável à biodiversidade e com o propósito de desenvolver ações futuras, contratou um estudo, realizado pelo consultor Roberto M.F. Mourão, com o objetivo de analisar e obter subsídios sobre ecoturismo e turismo especializado à luz do atual cenário de políticas nacionais, agentes financeiros, recursos disponíveis e perspectivas do setor.
Através da análise das propostas de ação e financiamento em andamento e previstas para o setor, o FUNBIO buscou saber quais ações e áreas prioritárias necessitam de complementação e, especificamente, qual pode ser o papel do Fundo no cenário ecoturístico nacional.
O objetivo do FUNBIO é atuar de forma complementar e/ou diferenciada dos atuais programas de apoio ao setor, identificando ações prioritárias e aquelas que necessitam complementação, visando inclusive futuras parcerias. Propõe-se, ainda, a identificar e preencher as lacunas necessárias para que o ecoturismo possa se firmar como uma alternativa de uso sustentável associado à conservação da biodiversidade no Brasil.
O estudo realizado identificou a capacitação como uma atividade de necessidade imediata no atual cenário do ecoturismo, com especial atenção para as mais remotas regiões do país. Para atender aos projetos de ecoturismo com produtos desenvolvidos em bases ambiental, social, econômica e culturalmente sustentáveis, o FUNBIO decidiu desenvolver a proposta denominada Programa de Melhores Práticas para o Ecoturismo- MPE.
Com o objetivo de discutir e aprofundar as proposições constantes da proposta do Programa MPE foi realizado, durante os dias 3 e 4 de maio de 2000, em Brasília, uma oficina técnica com a presença de 22 representantes de organizações governamentais e não-governamentais, potenciais parceiros, consultores, técnicos e titulares do Funbio. O Programa Melhores Práticas para o Ecoturismo, apresentado a seguir, é fruto do aprimoramento da proposta inicial pelos membros da oficina técnica.
Por que o Ecoturismo?
Nos últimos anos, o ecoturismo tem sido visto como uma alternativa econômica e uma forte ferramenta para a conservação. Apesar de todo tipo de turismo ter um custo ambiental e/ou cultural, quando operado adequadamente, seus eventuais impactos negativos são menores e de mais fácil controle comparativamente a outros setores produtivos tais como agricultura, pecuária, garimpo ou extração de madeira.
Com o crescimento da pressão global sobre as áreas naturais e a procura por modelos de desenvolvimento compatíveis com o uso sustentável dos recursos naturais, o turismo, e mais especificamente o ecoturismo ou turismo relacionado com a natureza, tem sido considerado como aliado e um forte componente no estabelecimento de estratégias de conservação com boas chances de sucesso.
O ecoturismo, tendo como principal espaço de atuação áreas naturais conservadas, pode ser visto como mais um benefício não madeireiro ou indireto para estas áreas, da mesma forma como a proteção de mananciais, o controle de erosão e o extrativismo, que têm suas bases diretamente relacionadas à conservação ambiental.
O que são Melhores Práticas
Em essência, “Melhores Práticas” são formas ótimas para executar um processo ou operação. São os meios pelos quais organizações e empresas líderes alcançam alto desempenho e também servem como metas para organizações que almejam atingir níveis de excelência.
Não existe um único processo de “Melhores Práticas” e não há nenhum conjunto de “Melhores Práticas” que funcione para todos os lugares o tempo todo. No caso do turismo, cada processo de desenvolvimento turístico é diferente de outro sob o ponto de vista ambiental, geográfico, social, político, cultural e tecnológico.
Deve-se considerar que toda organização tem suas próprias metas, oportunidades e restrições. Além disso, “Melhores Práticas” dependem da fase de desenvolvimento em que cada organização se encontra e essas práticas mudam à medida que a organização muda.
Melhores Práticas – Processos e Subprocessos
No caso do ecoturismo ou do turismo relacionado com a natureza, “Melhores Práticas” devem ser associadas a outras práticas da operação ou prestação de serviços turísticos, como por exemplo, a contabilidade.
O que todas as “Melhores Práticas” têm em comum é que elas permitem a uma organização apresentar qualidade aos seus usuários. Nas empresas bem sucedidas, qualidade se torna um diferencial que conduz a melhorias constantes e que aumentam a satisfação dos clientes.
“Melhores práticas” funcionam como uma fonte de abordagem criativa ao invés de uma resposta irrefutável para um problema empresarial ou operacional. Essa abordagem começa com a pergunta: ?essa prática faz sentido para minha organização ou empresa?? A procura por melhores práticas visa estabelecer um nível de qualidade. Nivelamento é um processo comparativo contínuo entre suas operações e as operações das melhores organizações.
Mas como é possível comparar processos quando cada organização define, mede e os nomeia diferentemente? Esse foi o dilema enfrentado quando se começou a trabalhar com propostas de Melhores Práticas Globais. A solução foi estabelecer uma nova? Linguagem universal de negócio”.
Essa linguagem denominada “Process Classification Scheme” foi desenvolvida em 1992 por Arthur Andersen e o?International Benchmarking Clearinghouse? e algumas de suas organizações co- fundadoras.
O “Process Classification Scheme” define 13 processos chaves que toda organização deve executar, desde processos operacionais como o desenvolvimento de produtos e serviços até os processos de apoio como, por exemplo, o gerenciamento de recursos humanos.
Por sua vez, esses processos são novamente divididos em mais de 200 subprocessos. Tal esquema permite definir o que as organizações querem e do que elas realmente precisam.
De onde vêm as informações para se desenvolver “Melhores Práticas”?
Informações para subsidiar “Melhores Práticas” podem vir de várias fontes. Porém, as mais importantes vêm de clientes e fornecedores que geralmente enxergam melhor os problemas ou oportunidades do que alguém de dentro da organização. Entrevistas e relatórios de clientes e fornecedores podem gerar idéias surpreendentes para resolver problemas específicos.
Uma forma de atualizar e otimizar “Melhores Práticas” consiste em visitas técnicas a empreendimentos ou projetos de outras organizações. Muito se aprende com os sucessos e, sobretudo, com os fracassos. O ponto alto dos estudos de caso são as lições aprendidas e a troca de informações – um rico manancial de aprendizado e aprimoramento.
Associações profissionais e cooperativas de serviços e produção são também uma rica fonte de informações e estratégias. As relações interempresariais são excelentes formas de manter-se atualizado.
Indicadores
Os indicadores podem ser quantitativos ou qualitativos. Indicadores quantitativos mostram o que é possível. Indicadores qualitativos mostram como atingir um determinado desempenho. Em função desses indicadores e de medidas de eficácia e eficiência, “melhores práticas” devem ser continuamente atualizadas.
Indicadores Quantitativos – Exemplos
– inventário de estoque;
– grau de informatização;
– informação tecnológica;
– nível de inovações tecnológicas;
– eficiência de promoção e vendas;
– recolhimento de taxas e impostos;
– despesas administrativas x custos;
– disponibilidade de recursos humanos;
– número de reclamações sobre serviços e/ou produtos;
– fluxo de caixa (contas a pagar x a receber x folha de pagamento).
Indicadores Qualitativos – Exemplos
– design de produtos e atualização tecnológica;
– qualidade na prestação de serviços;
– gerenciamento e treinamento de recursos humanos;
– desenvolvimento de estratégias;
– programas de conservação e educação ambiental;
– programas de saúde e de segurança no trabalho;
– gerenciamento empresarial físico e financeiro;
– gerenciamento de recursos e tecnologia;
– velocidade de atualização e agilidade para mudanças;
– orientação voltada para produção e fornecimento;
– conhecimento do mercado e da clientela.
Melhores Práticas e (Eco) turismo
Do ponto de vista de “Melhores Práticas” para a indústria turística, deve-se considerar que a demanda pela natureza ainda é pequena. A maioria dos operadores/fornecedores internacionais tem lutado para responder ao tipo de produto ?global? exigido por viajantes instruídos e experimentados.
Fornecedores e operadores precisam estar familiarizados com algumas exigências, tais como operações ambiental e culturalmente sustentáveis, atendimento de qualidade e voltado para as expectativas do cliente, marketing, diversidade de atividades e produtos, informação e interpretação ambiental de qualidade, programação adequada e administração empresarial eficaz.
Como o tamanho das operações do segmento ecoturístico é pequeno, alcançar eficiência e eficácia torna-se um grande desafio. Além disso, viagens especializadas constituem um setor fragmentado, ainda pouco desenvolvido em termos de associações, parcerias e comunicação.
Uma das estratégias mais importantes para superar esse panorama é a implementação de um Programa de Melhores Práticas para o Ecoturismo.
O objetivo principal de um programa de Melhores Práticas é o de compartilhar práticas com chances de sucesso entre os atores da indústria turística: prestadores de serviços e grupos de interesses (comunidades locais, etc.).
“Melhores Práticas” vão além dos movimentos globais atuais de certificação e credenciamento na indústria turística, elas trazem como benefício a possibilidade de:
– desenvolver melhor imagem e reputação;
– entender melhor o seu mercado e o de seus concorrentes;
– observar novas idéias fora do modelo convencional dos atuais processos;
– acelerar mudanças usando práticas testadas e operações demonstrativas;
– beneficiar-se das descobertas e práticas de outros, uma vez que não há nenhum propósito em investir tempo, recursos e esforços em pesquisa, quando alguém já o fez melhor e mais barato;
– proporcionar uma implementação mais fácil e veloz devido ao envolvimento dos “donos” ou criadores do processo;
– conhecer mais rapidamente as tendências ou inovações importantes e como elas podem ser aplicadas.
“Melhores Práticas” podem atuar como catalisadores de mudanças. Examinando as operações específicas à luz do sucesso de outras operações bem sucedidas, pode-se revelar fraquezas e criar forças para as mudanças.
Um programa de Melhores Práticas para o turismo deve analisar:
– informações de todos os tipos ou segmentos de turismo (aventura, cultural, esportivo, ecoturismo, rural, etc.);
– fluxos e operações em baixa, média e alta temporadas;
– portes de operação (individuais, grupos, seriados);
– operações em todas as regiões geográficas e/ou ecossistemas relevantes;
– áreas da organização tais como relações e sustentabilidade sócio-ambiental para o desenvolvimento de novos produtos.
Em termos de um Programa de Melhores Práticas, deve-se pensar em:
– avaliar todos os setores e etapas da operação ecoturística;
– incluir aspectos amplos como o uso de energias limpas e renováveis;
– incluir atividades econômicas como alimentos, pesca, artesanato, etc.;
– obter ampla contribuição de especialistas para elaborar critérios efetivos de monitoramento, avaliação e ajustes;
– desenvolver um processo objetivo para avaliar medidas de desempenho;
– elaborar programas com foco nas práticas e não em operadores, empresas ou organizações.
Um Programa de Melhores Práticas deve ser funcional e aplicável até por pessoas de pouca ou nenhuma prática operacional, ainda que seja necessária uma certa tutela no início de sua implantação. Deve, ainda, atender aos critérios de qualidade e de certificação de produtos, informando, capacitando, treinando, monitorando e ajustando práticas em busca de eficiência e eficácia.
Aspectos Operacionais – Diagnóstico
Cenário/Problemas: Causas Prováveis
1. Desenvolvimento não-sustentável do (eco)turismo
– Desconhecimento dos riscos e impactos ambientais e culturais negativos do (eco)turismo
2. Desorganização dos segmentos locais ligados ao turismo
– Desvalorização da cultura local;
– Baixa qualidade em higiene e sanitarismo, com conseqüente ocorrência de endemias;
– Desarticulação entre os grupos de interesse envolvidos (governo, ongs e iniciativa privada).
3. Qualidade no atendimento deficiente/inadequada
– Baixa qualificação de mão de obra de hoteleira (governança, alimentos e bebidas, etc);
– Desconhecimento dos princípios do marketing de serviços (voltado ao cliente);
– Práticas inadequadas de higiene, manuseio e armazenagem de produtos alimentícios;
– Reduzida ou ausência de visão empresarial (foco nos resultados/cliente);
– Número muito reduzido de pessoas locais com conhecimento/fluência em outros idiomas;
– Guias inexperientes em interpretação ambiental e cultural.
4. Deficiência administrativa
– Marketing inexistente;
– Contabilidade desqualificada;
– Desconhecimento das legislações ambiental, turística e fiscal;
– Empreendimentos com excessiva informalidade empresarial/operacional;
5. Desconhecimento de conceitos e princípios do ecoturismo
– Impactos ambientais e culturais;
– Tratamento de resíduos (lixo) e efluentes (esgotos) inexistentes/deficientes;
– Dificuldade de acesso a fontes de informação e/ou capacitação/treinamento adequados;
6. Formatação de produtos precária
– Atrativos e produtos turísticos desarticulados;
– Desconhecimento de como organizar atividades e desenvolver produtos (preço, promoção);
– Riscos de acidentes;
7. Baixa diversificação, qualidade e integração dos produtos locais no contexto do ecoturismo
– Poucos especialistas experientes em desenvolvimento de produtos ecoturísticos;
– Poucos produtos ecoturísticos disponíveis;
Fonte: www.mpefunbio.org.br