Em geral, em áreas de alta concentração populacional, são os esgotos sanitários os grandes responsáveis pelo comprometimento da qualidade ambiental dos corpos d’água, e no caso da Baía da Guanabara não é diferente. Em áreas urbanas, o controle da poluição por esgotos sanitários requer a implantação de soluções sistêmicas que permitam a coleta, transporte, tratamento e destinação final de forma adequada e viável técnica e economicamente, as quais prevêem dentre outras intervenções, a realização de obras civis, a instalação de equipamentos eletro-mecânicos, procedimentos operacionais e de manutenção específicos, e que resultam, sem outra alternativa, em custos financeiros muito elevados.
Esta realidade, associada à incapacidade de investimentos públicos em infra-estrutura urbana, retarda o salto de qualidade que tanto almejamos, e contrariamente, incrementa o déficit de cobertura por serviços adequados de esgotamento sanitário em nosso país, e novamente, no caso da Baía da Guanabara não é diferente. Quando em 1995, o Governo do Estado decidiu pela implantação de novos sistemas de esgotamento sanitário em bacias contribuintes à Baía da Guanabara e a ampliação e melhorias de outros sistemas já existentes, optou por denominar o conjunto de intervenções previstas, como o “Programa de Despoluição da Baía da Guanabara (PDBG)”. Tal decisão, naturalmente, motivou em toda a população, a idéia de que ao término das intervenções previstas, teríamos de forma definitiva, “despoluída” a Baía da Guanabara, o que infelizmente não é verdade.
Tratava-se apenas do nome dado a um programa de ações, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo Japan Bank International Cooperation, com dependência da contra-partida financeira do Governo do Estado, e que apesar de priorizar intervenções em sistemas de esgotamento sanitário, também previa dentre outras, a ampliação e melhoria dos sistemas de abastecimento de água e de resíduos sólidos de áreas urbanas contribuintes à Baía da Guanabara.
Era mais um programa de intervenções em esgotamento sanitário na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, como os não muito longínquos Reconstrução-Rio, financiado pelo Banco Mundial, e Ambiente-Rio, durante o Governo Collor. Para melhor ilustração e simbolismo dos fatos, especialmente na bacia do Rio Sarapuí, onde se concentra o maior adensamento populacional da Baixada Fluminense e onde até hoje, ainda atua o PDBG, o Governo do Estado investe em esgotamento sanitário desde o início da década de 80; na época denominava-se Programa de Saneamento da Baixada Fluminense.
O PDBG consistia portanto, em parte, em mais um conjunto de intervenções em esgotamento sanitário, que apesar de muitas, não são suficientes. O conjunto de obras que encontra-se em andamento é limitado em sua abrangência, beneficiando somente áreas urbanas prioritárias; diversas bacias hidrográficas da Baixada Fluminense, com alta concentração populacional, nenhum tipo de benefício receberam.
Mesmo nas áreas beneficiadas pelo PDBG, o controle da poluição ainda é ineficiente; algumas estações de tratamento apresentam capacidade de tratamento inferior à quantidade de esgotos gerada nas bacias contribuintes ou apresentam limitada capacidade ou “eficiência” de remoção de poluentes. Enquanto argumentações técnicas já defendem o tratamento dos esgotos ao nível terciário, mais avançado, para a eficaz recuperação das águas da baía, o que certamente merece melhor discussão, temos estações de tratamento de esgotos implantadas através do PDBG ao nível primário e inicial de tratamento. O que é denominado PDBG-2, de financiamento ainda inexistente, contemplaria o que ainda resta para ser feito, o que é corroborado por estudos recentes da Japan International Cooperation Agency – JICA, assessora técnica do PDBG.
Não obstante muito deva ser feito, alguns passos foram dados nos últimos 20 anos. Passos tímidos, não arrojados como o tema merece, uma vez que destes depende o avanço da qualidade da saúde pública, da qualidade ambiental dos recursos hídricos, e consequentemente, o desenvolvimento econômico e social.
O comprometimento ambiental dos recursos hídricos fluminenses não resume-se ao caso da Baía da Guanabara, ocorrendo também na bacia do rio Paraíba do Sul e nas bacias contribuintes aos Sistemas Lagunares Costeiros. Não somente carecemos de novas linhas e modelos de financiamento que permitam a expansão e melhoria dos sistemas de saneamento ambiental, como também carecemos de legislação federal específica que regulamente a prestação dos serviços.
Carecemos de solução adequada para a destinação final do lodo gerado em nossas estações, de ações para o efetivo controle de ligações prediais clandestinas e de extravasores de esgotos ao sistema de drenagem pluvial. Carecemos muito de serviços de excelência para a operação e manutenção dos sistemas já existentes, principalmente daqueles recentemente implantados. Carece a administração pública de urgente reposição e renovação de seu quadro técnico qualificado e especializado em saneamento ambiental.
A questão não resume-se à redução ou à manutenção de fundos orçamentários específicos ou de oportunidades impostas por eventos esportivos que brevemente ocorrerão. A questão é muito mais ampla e grave do que imaginam, e para revertê-la é requerido um outro paradigma de ação política, muito mais contundente e comprometido com a causa, segundo outros princípios que não aqueles que prevalecem na costumeira lógica do poder e da administração pública.
Convivermos, sem muita perspectiva, com a inadequação do que sempre foi considerado um serviço fundamental, básico, daí a denominação Saneamento Básico, não condiz com os nossos verdadeiros anseios e com o salto de qualidade que tanto almejamos. No atual ritmo e compasso de condução do problema, quem infelizmente assistirá ao espetáculo do saneamento; nossos netos ou bisnetos?
A UFRJ demostra sinais de vitalidade e compromisso com a sociedade, com a pujança que a causa do Saneamento Ambiental requer, inaugurando em breve o Centro Experimental de Tratamento de Esgotos (CETE Poli/UFRJ), e passando a oferecer, a partir de 2004 os cursos de graduação em Engenharia Ambiental e de mestrado e doutorado em Saneamento Ambiental. O ritmo e o compasso impostos pela universidade felizmente vem atender aos nossos anseios e aos de nossos filhos.
Por Isaac Volschan Jr
Fonte:
Isaac Volschan Jr é Professor da Escola Politécnica da UFRJ