No início da década de 80, a mosca-dos-chifres (Haematobia irritans) era registrada pela primeira vez no país, mais precisamente em Roraima. Alguns anos depois, causava apreensão à toda a classe produtora, quando passou a fazer parte do cenário pecuário nacional. O incômodo causado pela mosca aos bovinos leva a significativas perdas à produção e, no Brasil, os prejuízos causados por este parasita foram estimados em US$ 150 milhões anuais.
Infelizmente, um controle efetivo da mosca-dos-chifres não tem sido conseguido sem o uso de produtos químicos e programas de controle são basicamente, para não dizer quase exclusivamente, dependentes do uso de inseticidas. Ao longo dos anos, a prática indiscriminada do controle químico tem demonstrado seus efeitos negativos, em particular, a seleção de populações de moscas resistentes aos inseticidas, com conseqüente redução da eficácia dos produtos utilizados e o aumento dos custos de controle.
A resistência é uma característica genética, a qual aumenta na população em função do uso de inseticidas (ou carrapaticidas). Ou seja, quanto mais o pesticida for utilizado, mais rápida e maior a seleção de moscas resistentes na população e, consequentemente, maior o nível de resistência atingido. A capacidade das moscas de tolerar concentrações inicialmente letais promove uma redução gradual na eficácia dos pesticidas, até a sua completa ineficácia e ausência de controle do parasita. Esta situação já é uma realidade com relação aos carrapatos, os quais se mostram resistentes à maioria dos carrapaticidas existentes no mercado.
Esta resistência ocorre em mais de 500 espécies de artrópodes em todo o mundo, com cerca de 200 espécies de importância médica e/ou veterinária e estimativas conservadoras sobre seus prejuízos atingem US$ 1 bilhão/ano. Particularmente com relação à mosca-dos-chifres, a resistência já foi diagnosticada em vários países, incluindo Canadá, México, Uruguai, Argentina e EUA. Neste último, a mosca se encontra resistente à maioria dos inseticidas existentes.
Já a resistência em mosca-dos-chifres tem sido reportada a diferentes classes de inseticidas mas o problema adquire maiores proporções com relação aos piretróides (no Brasil, quatro em cada cinco inseticidas para controle da mosca são ou possuem piretróides em sua composição). Enganam-se aqueles que pensam que este é um processo “longo e demorado”; resistência pode aparecer em poucos (3 a 5) anos. Embora fatores biológicos, genéticos e ecológicos influenciem o desenvolvimento de resistência, os fatores operacionais (classe, formulação, e concentração do inseticida, método de aplicação, freqüência de tratamentos, etc.) desempenham o papel mais importante. Felizmente, estes fatores podem ser efetivamente controlados mas, por outro lado, infelizmente, o “uso racional” dos produtos continua perdendo espaço para o “uso indiscriminado”.
Embora uma quantidade relativamente grande de inseticidas possam ser encontrados no mercado, tais produtos representam apenas cinco classes. Em geral, o desenvolvimento de resistência a qualquer produto implica não apenas na ineficácia daquele inseticida em particular mas, devido a um fenômeno denominado de “resistência cruzada” (comum entre inseticidas piretróides), toda a classe de inseticidas torna-se comprometida. Contribui para agravar a situação o fato de que, dependendo do mecanismo de resistência envolvido, a resistência a um determinado inseticida pode levar também ao estabelecimento de resistência a inseticidas de outras classes. Adicione-se a esta situação o altíssimo custo e longo tempo exigidos para desenvolvimento de um novo inseticida, e percebe-se o quanto torna-se importante o uso criterioso e racional dos produtos hoje disponíveis.
Independente disto, um agravante comum quando da suspeita de resistência tem sido o emprego de maiores concentrações ou quantidades do inseticida, na tentativa de recuperar a eficácia original do produto. Outras medidas comuns são o aumento da freqüência de tratamentos e substituição pouco criteriosa do produto (freqüentemente por outro de mesmo princípio ativo) visando reverter o quadro e retomar um nível aceitável de controle. As conseqüências destas práticas tendem a ser econômica e ambientalmente negativas a curto, médio e longo prazos, e um agravamento da situação tende a ocorrer.
Relatos dos produtores sobre a ineficácia ou o menor período de eficácia dos produtos e o rápido retorno das infestações têm sido cada vez mais freqüentes, levando à suspeita de resistência em várias regiões bovinocultoras do país. A despeito do mau uso dos produtos (levando a possíveis suspeitas infundadas sobre resistência), mais de 20 anos de uso indiscriminado de inseticidas e a experiência adquirida em outros países sugerem uma provável ocorrência de resistência da mosca-dos-chifres a inseticidas em nosso país. A demanda por estudos que pudessem comprovar a ocorrência e avaliar a magnitude do problema de resistência originou um projeto de diagnóstico da resistência da mosca-dos-chifres a inseticidas com a participação de 8 Centros de Pesquisa da Embrapa: Embrapa Pantanal, Gado de Corte, Gado de Leite, Cerrados, Pecuária Sul, Tabuleiros Costeiros, Meio Norte e Roraima, em realização há dois anos.
Os resultados obtidos até o momento, a partir de testes realizados em 159 propriedades, localizadas em 79 municípios e 13 estados, permitiram traçar um perfil preliminar da situação da resistência no país e evidenciaram uma situação bem mais grave que a inicialmente suposta. Resistência da mosca a inseticidas piretróides foi detectada em 84% das propriedades e encontra-se distribuída em todas as regiões do país.
Resistência da mosca a inseticidas (piretróides) é, portanto, uma realidade nacional e se traduz em efetivo problema à pecuária. Em termos práticos, os resultados comprovam cientificamente uma suspeita empírica previamente existente e uma realidade vivenciada por muitos produtores, há anos. Se, por um lado a presença de moscas resistentes não significa necessariamente um problema imediato em algumas propriedades (visto que problemas no controle dependerão da freqüência destas moscas na população) pode-se assumir que o problema, caso ainda não exista, está efetivamente a caminho.
*Antonio Thadeu Medeiros de Barros (thadeu@cpap.embrapa.br) é pesquisador da Embrapa Pantanal, na área de Sanidade Animal.