Por Frederico Olivieri Lisita
O modelo produtivo agropecuário adotado no Brasil a partir da década de 1960 foi implantado graças a uma ação conjunta e organizada pelo tripé: ensino, pesquisa e extensão. Isto é, universidades, órgãos de pesquisa e de extensão rural foram os responsáveis pela introdução dos pacotes tecnológicos voltados para a utilização intensiva de insumos e máquinas, com o objetivo do aumento da produtividade.
A extensão rural no Brasil nasceu sob o comando do capital, com forte influência norte-americana e visava superar o atraso na agricultura. Para tanto, havia a necessidade de “educar” o povo rural, para que ele passasse a adquirir equipamentos e insumos industrializados necessários à modernização de sua atividade agropecuária, com isso ele passaria do atraso para a “modernidade”. O modelo serviria para que o homem rural entrasse na dinâmica da sociedade de mercado, produzindo mais, com melhor qualidade e maior rendimento.
Um modelo “tecnicista”, isto é, com estratégias de desenvolvimento e intervenção que levam em conta apenas os aspectos técnicos da produção, sem observar as questões culturais, sociais ou ambientais. Com raízes “difusionistas”, pois visa apenas divulgar, impor ou estender um conceito, sem levar em conta as experiências e os objetivos das pessoas atendidas.
Fases da extensão rural no Brasil
A primeira fase, chamada “humanismo assistencialista”, prevaleceu desde 1948 até o início da década de 1960, nela os objetivos do extensionista eram o de aumentar a produtividade agrícola e, conseqüentemente, melhorar o bem estar das famílias rurais com aumento da renda e diminuição da mão-de-obra necessária para produzir. Em geral, as equipes locais eram formadas por um extensionista da área agrícola e um da área de Economia Doméstica.
Apesar de levar em conta os aspectos humanos, os métodos dos extensionistas nessa época também eram marcados por ações paternalistas. Isto é, não “problematizavam” com os agricultores, apenas procuravam induzir mudanças de comportamento por meio de metodologias preestabelecidas, as quais não favoreciam o florescimento da consciência crítica nos indivíduos, atendendo apenas as suas necessidades imediatas.
A segunda fase, que orientou as ações dos extensionistas no período de abundância de crédito agrícola subsidiado (1964 a 1980), era chamada de “difusionismo produtivista”, baseando-se na aquisição por parte dos produtores, de um pacote tecnológico modernizante, com uso intensivo de capital (máquinas e insumos industrializados). A extensão rural servia como instrumento para a introdução do homem do campo na dinâmica da economia de mercado. A Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) visava o aumento da produtividade e à mudança da mentalidade dos produtores, do “tradicional” para o “moderno”.
A extensão era um empreendimento que visava persuadir os produtores, para que esses adotassem as novas tecnologias. Seus conhecimentos empíricos não interessavam, bem como suas reais necessidades não eram levadas em conta. A extensão assumiu um caráter tutorial e paternalista.
Foi durante esse período que surgiu a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER) e houve grande expansão do serviço de extensão rural no país. Para se ter uma idéia, em 1960 apenas 10% dos municípios no Brasil contavam com esse serviço e em 1980 a extensão rural chegou a 77,7%. Entretanto, como o papel dos extensionistas era condicionado pela existência do crédito agrícola, os pequenos agricultores familiares que não tiveram acesso ao crédito também ficaram à margem do serviço de extensão rural.
Do início dos anos 1980 até os dias atuais, devido principalmente ao término do crédito agrícola subsidiado, iniciou-se no país uma nova proposta de extensão rural, que preconizava a construção de uma “consciência crítica” nos extensionistas. O “planejamento participativo” era um instrumento de ligação entre os assessores e os produtores, com bases na pedagogia da libertação desenvolvida por Paulo Freire. Essa fase foi chamada de “humanismo crítico”.
Seus defensores afirmam que as metodologias de intervenção rural devem pautar-se por princípios participativos, que levem em conta os aspectos culturais do público alvo. A grande diferença de orientação entre as metodologias de extensão na era do “difusionismo produtivista” e da era do “humanismo crítico” é a questão da participação ativa dos agricultores.
Porém, apesar de haver uma orientação para seguir princípios participativos, a maioria das empresas de ATER continua com a mesma orientação básica: “incluir” o pequeno agricultor familiar na lógica do mercado, torná-lo cada vez mais dependente dos insumos industrializados, subordinando-o ao capital industrial.
O desafio dos órgãos de pesquisa, universidades e movimentos sociais é o de criar estratégias para colocar em prática metodologias participativas de ATER, que incluam os agricultores familiares desde a concepção até a aplicação das tecnologias, transformando-os em agentes no processo, valorizando seus conhecimentos e respeitando seus anseios. A Embrapa Pantanal vem conduzindo atividades de pesquisa e transferência de tecnologia utilizando metodologias dialógicas, que valorizam a experiência e respeitam os objetivos do produtor rural, promovendo a soma de conhecimentos pesquisador-agricultor, são estimulados o trabalho em grupo e o associativismo para, dessa forma, potencializar o processo participativo.
Frederico Olivieri Lisita (lisita@cpap.embrapa.br) é pesquisador da Embrapa Pantanal e mestre em Administração Rural/Desenvolvimento.