Por volta de 1800 pouco menos de 2% da população mundial vivia em cidades. Naquela época a sociedade humana era fundamentalmente rural e agrária. Com a revolução industrial, em pouco mais de um século esta sociedade tornou-se francamente urbana. Hoje mais da metade da população humana vive em cidades. Algumas destas cidades apresentam aglomerados humanos com milhões de indivíduos.
Concomitantemente ao processo de urbanização, e mais recentemente, da globalização, a humanidade vem se defrontando com um conjunto absolutamente novo de problemas políticos, econômicos , de saúde e saneamento e ecológicos. Dentre estes problemas aqueles referentes a pragas urbanas assumem importância cada vez maior visto que interferem diretamente na qualidade de vida do homem. Apesar destes fatos enxergar a cidade como uma biocenose e estudá-la como tal é uma prática ainda recente mas que vem se desenvolvendo nos últimos anos.
Sempre que se constrói uma cidade, cria-se uma nova biocenose completamente diferente daquela originalmente existente. Uma série de nichos ecológicos desaparecem e outros novos surgem. Várias espécies vegetais e animais que existiam no ambiente natural desaparecem e outras novas são importadas. Um conjunto novo e único de fontes de alimento e locais de abrigo estarão sendo oferecidas à esta nova fauna. Relações absolutamente novas de competição e predação estarão se estabelecendo. É impossível prever quais serão todas as espécies que conseguirão sobreviver dentro do novo ecossistema. Algumas (como, baratas, formigas, cupins, ratos, etc.), entretanto, certamente estarão neste novo ecossistema.
Conhecer a biologia e os papeis ecológicos destes grupos de pragas urbanas pode ser um bom ponto de partida para entendermos mais adequadamente a ecologia das cidades. Em função disto são apresentados alguns dados coletados ao longo de nove anos na região a grande São Paulo referentes a ocorrências de diferentes grupos de espécies praga.
No período pesquisado, a probabilidade média de ocorrência de algum tipo de praga foi de 13,96%. Neste período 53,21% das ocorrências observadas referiam-se a insetos voadores: moscas (30,0%) e mosquitos (21,21%). Baratas responderam por 15,43% e formigas por 15,31% das ocorrências. Aranhas corresponderam a 7,38% e roedores a 1,14%. Outras espécies (como cupins, abelhas, traças etc) corresponderam a 9,52% da amostra.
Os dados do período mostraram, também, uma marcante sazonalidade nas ocorrências. Nos meses de janeiro até abril o nível total de ocorrências é mais de duas vezes maior do que aquele observado no mês de julho. São diferentes as curvas de sazonalidade para diferentes espécies pragas. O conhecimento destas curvas é importante no planejamento de ações preventivas. Estas curvas mostram, também, a resposta destas populações a fatores climáticos como temperatura, pluviosidade etc.
Registros de casos mostram interessantes processos de adaptação e plasticidade biológica. Ninhos de cupins desenvolvendo-se no interior de lajes estruturadas em caixão perdido e ninhos de abelhas no interior de postes de eletricidade são bons exemplos não só de plasticidade biológica mas, também de como uma estrutura artificial pode tornar-se um sucedâneo ecológico de elementos naturais para espécies
urbanas.
Por outro lado os dados coletados mostram, também, que, apesar do curto período de coletas (considerando-se a dimensão temporal quando se fala em ecossistemas) alguns sinais de mudanças na importância relativa de diferentes grupos de espécies pragas como respostas a ações antrópicas. Assim, diferentes ações podem favorecer ou dificultar as oportunidades de estabelecimento e desenvolvimento das diferentes populações de espécies praga. O estudo destas relações de causa e efeito além de enriquecer nosso conhecimento biológico, será a base do controle de pragas urbanas no futuro.
Sidney Milano