Efeitos tóxicos do mercúrio (Hg)

São expressos de modos diferentes, de acordo com:

  • a forma química do Hg
  • a dose
  • a rota de exposição em várias espécies de animais. No entanto, existem duas formas principais de efeitos tóxicos do Hg, a saber: efeitos nefrotóxico e efeitos neurotóxicos.

Em ambas, foi demonstrado, que, um modelo experimental apropriado, torna-se muito útil no estudo dos mecanismos da toxicidade.

Exposição Humana e Monitoração Biológica

A avaliação da exposição humana ao Hg e seus compostos é feita usualmente por monitoração biológica. A medida da concentração do vapor de Hg no ar, tem sido usada para acessar a exposição humana ocupacional.

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Vapor de Mercúrio

A exposição humana ao vapor de Hg, em atmosfera não contaminada, é negligível, comparada a outras fontes. A exposição ocupacional em certas indústrias como a manufatura álcali-cloro e a de fusão do Hg, contém materiais que podem levar ainda a níveis de alto risco, a par das medidas de segurança ocupacional adotadas em vários países. Os assistentes odontólogos, são, provavelmente, o maior grupo de pessoas expostas ocupacionalmente, ao vapor de Hg. Um tópico corrente, de interesse considerável é o papel desempenhado pelas restaurações de amálgama, que liberam Hg (vapor) no ar e na cavidade oral. A taxa de liberação é profundamente incrementada pelo ato de masca. A natureza do alimento também afeta a taxa de liberação. Os amálgamas dentários tem sido considerados, como a fonte principal de exposição ocupacional ao vapor de Hg.

As cinéticas da disposição do vapor de Hg inalado, são muito complexas. O vapor inalado se dissolve no plasma, do qual rapidamente se distribui em todos os tecidos do corpo. Assim que dentro das células, ele é oxidado a Hg+2. Sua disposição nos tecidos é muito desuniforme. Por isso, não é surpresa que as cinéticas da disposição envolvam vários compartimentos e meias vidas. Yamamura e Yoshida encontraram três meias vidas para o desaparecimento do plasma e eritrócitos, após exposição ocupacionais ao vapor de Hg. Por outro lado, a excreção urinária também exibiu padrão trifásico, similar ao detectado no sangue. A meia vida mais longa foi da ordem de 100 dias, indicando que o estado estacionário não será atingido, antes de decorrido um ano ou mais da exposição.

Então, alguém poderia esperar para ver uma correlação entre as concentrações no ar e os teores no sangue e na urina. Na verdade, referida correlação foi encontrada entre as concentrações de mercúrio no ar e os níveis de Hg inorgânico, em trabalhadores com tempo de emprego > a 2 anos.

A correlação com a urina não foi boa. Mais estudos devem ser executados, para encontrar níveis na urina, após exposição, para poder correlacionar com níveis no ar.

A situação durante uma exposição mudando rapidamente, reflete a cinética complexa da disposição, e, acha-se melhor ilustrada em dados de Skerfvings em indivíduos que tiveram removidos seus enchimentos de amálgama de Hg. A remoção dos enchimentos causa uma elevação, nos níveis de vapor de Hg na cavidade oral. Dentro de um dia, por sua vez, o plasma atinge um pico de concentração e declina. O aumento nos níveis da urina é retardado por alguns dias, provavelmente, porque o Hg precisa ser primeiro acumulado pelos rins antes da excreção pela urina. Então, o nível na urina também diminui. Após seis meses, aproximadamente, decorrida da data da remoção do enchimento, a urina e o plasma, atingem um estado estacionário com níveis, cerca de um quarto dos valores originais.

Já no caso de pessoas com obturações de amálgama, durante longo tempo, foi encontrado que os níveis na urina e no plasma, aumentavam com o número dos enchimentos. A quantidade pela qual a concentração urinária aumentava foi consistente com aquela quantidade estimada de vapor de Hg, baseada na conhecida cinética do vapor inalado.

Um dado interessante, com relação ao uso da urina, como uma média indicadora, é uma medida específica do vapor dissolvido, caracterizada em trabalhos pioneiros de Henderson. Já Yamamura e Yoshida mostraram que o vapor dissolvido na urina, coletado ao fim da jornada, correlacionava-se com a concentração média medida no ar em trabalhadores expostos.

O trabalho de pesquisa feito por Skerfving descreve a aplicação de um agente complexante o sulfonato de dimercaptopropano (DMPS) em monitoração biológica. Ressalte-se que, amostras de urina foram coletadas 24 horas antes de ser administrada uma dose de DMPS em assistentes de dentistas, e, em pessoas com e sem obturações com amálgama. O DMPS produziu um aumento na excreção urinária, o qual foi proporcional, aproximadamente, ao nível urinário original. Observou-se também, que, aumentando as concentrações de Hg na urina, os trabalhos analíticos foram mais fáceis, e, menos influenciados por erros devidos à contaminação.

Monometilmercúrio(MeHg)

Já foi interrompida a fabricação de compostos de Hg, para uso como fungicidas, em trabalhos agrícolas. Por outro lado, a exposição humana a esta espécie do Hg, é considerada agora como exclusivamente, a devida ao consumo de peixes e mamíferos marinhos. Como descrito anteriormente, o MeHg origina-se da metilação do Hg inorgânico, no meio ambiente, e de sua bioacumulação em cadeias alimentares aquáticas, sendo que as mais altas concentrações,sendo encontradas em grandes peixes predadores e mamíferos do mar. Já Skerfving acentua que, a acidificação de corpos de água doce, como a causada por “chuva ácida”, provoca níveis mais altos de Hg nos tecidos dos peixes.

Procedimentos de monitoração biológica para o MeHg, atualmente acham-se bem estabelecidos, e, firmemente baseados, nas cinéticas de disposição. Sua alta mobilidade no corpo, e excreção relativamente lenta, asseguram que as razões de concentração entre fluidos biológicos e tecidos, são constantes, para cada espécie de animal, inclusive humanos. Por isso os níveis de Hg sanguíneos refletem os níveis no tecido alvo, o cérebro. Os níveis na mãe e no cordão umbilical, paralelizam-se, um com o outro. Como observado por Skerfving, a maior parte do MeHg no sangue, acha-se nos glóbulos vermelhos, tornando-os um meio indicador desejável. Já o plasma é mais apropriado para monitorar o Hg inorgânico, pois este se distribui sempre entre o plasma e os eritrócitos. Também Skerfving observou, utilidade dos glóbulos vermelhos, de vez que, existe uma relação linear entre os níveis de MeHg nos eritrócitos e a entrada-estimada-vinda do peixe.

O MeHg é acumulado avidamente no cabelo. A concentração no escalpo humano formado, e recente, é diretamente proporcional à concentração, simultânea, no sangue. Assim que incorporado dentro da fibra do cabelo, sua concentração permanece estável, de modo que o cabelo serve como registro histórico de níveis sanguíneos passados.

Mercúrio na Ecologia Humana

O principal objetivo da Ecologia Humana é o de entender os mecanismos de adaptação humana, as mudanças ocorridas no meio ambiente. O trabalho de Suzuki discute a adaptação humana ao mercúrio. O Hg acha-se presente no meio ambiente, não somente como elemento de ocorrência natural, na crosta terrestre, mas, também, como produto de atividades antropogênicas. Duas séries de estudos serão discutidas, um na população de Papua, Nova Guiné, seguindo um modo de vida tradicional, e, outra uma sociedade industrializada, no Japão.

Estudos Numa População Tradicional

Quatro vilas de Papua foram selecionadas, para estudo, baseado em diferentes padrões dietários. A tomada dietária média, foi calculada para cada vila, baseada em levantamento exaustivo do Hg total e orgânico (metil) em itens alimentares. Tanto o Hg total como o orgânico, situaram-se, em ordem de grandeza decrescente, como:

  • Tecido de peixes
  • Répteis
  • Plantas

Um dado consistente encontrado em todos os produtos alimentares, foi o de que, quanto mais alto foi o Hg total, mais alta a porcentagem de Hg orgânico. Revelou-se como de especial interesse, o fato de que numa vila, a mais alta entrada média diária, sempre reportada como população “não contaminada”. Observe-se que, esta entrada, de aproximadamente, 80ug/dia do total e 70ug/dia do MeHg, excedeu, de modo claro, o Limite Tolerável da OMS, que é de 30ug/dia.

A importância do consumo de peixe, na determinação da entrada humana de mercúrio, foi posteriormente enfatizada, pela medida da razão dos isótopos estáveis de nitrogênio. A razão entre N15 para N14, difere de acordo com a espécie do peixe, e, com o animal. Por isso, a razão é maior em peixes marinhos, intermediária para peixes de água doce, e, mais baixa em animais terrestres e passarinhos. Torna-se importante destacar, que o teor de mercúrio nos alimentos, foi correlacionado significativamente, com a razão do N isotópico.

A média dos níveis de mercúrio, em cabelos humanos, em quatro vilas, não foi correlacionada, de modo preciso, com a média calculada, de entrada dietária do mercúrio. A razão acredita-se ser o fato de que, na entrada média diária, as variações sazonais não foram registradas, no tempo, com os níveis correspondentes, em cabelos, de acordo com o tempo em que foram amostrados, e, com a taxa de crescimento do cabelo. A razão do N isotópico, em geral, aumenta com a elevação do nível trófico, tanto em peixes marinhos, como de água doce. Por isso, foi possível confirmar, que, os níveis de mercúrio aumentam, com a elevação do nível trófico, também, e tanto em peixes marinhos, como de água doce. Por outro lado, foi registrado, que, de acordo com a razão do N isotópico, os níveis de mercúrio em tecidos de animais terrestres também crescem, de acordo com o nível trófico.

Outros elementos foram medidos, nos alimentos consumidos na vila de Cidra. Assim, a comparação mais importante, foi com o Se, de vez que, este elemento químico, protege contra a toxicidade, de certas espécies do mercúrio. A razão Se/Hg em produtos alimentares, foi sempre > 1, porém tendendo à unidade, quando os níveis de mercúrio eram maiores. Ainda observou-se, que, a razão Se/Hg, varia muito, entre populações diferentes.

Estudos numa População Industrializada

Este estudo focaliza-se em autopsias coletadas, na metrópole Tóquio, consistindo de tópicos, com exposição desconhecida ao mercúrio.

As concentrações de MeHg situaram-se dentro de uma faixa estreita (para 50ng/g de pêso úmido) na maioria dos tecidos. O fígado apresentou o valor de 113 ng/g, excepcionalmente alto. Já a distribuição do Hg inorgânico foi intensamente não uniforme. Os seus níveis no fígado e rins, foram muito maiores que os observados no cérebro, cerebelo e baço. Os níveis no cabelo – em autópsias – foram típicos de população japonesa. A média de mercúrio total foi de 4,7ug/g, e de 87% a 99% na forma orgânica.

As relações Se/Hg também foram estudadas. Correlações com significância estatística, foram registradas – em tecidos – entre Hg total, MeHg e Hg inorgânico, e, também com o Se. A razão atômica Se/Hg inorgânico foi > 1, em concentrações baixas de mercúrio, porém aproximando-se da unidade em níveis mais altos do xenobiótico. Outros pesquisadores também acharam razão atômica Se/Hg = 1,em fígados de mamíferos marinhos com alta entrada dietária de MeHg, e, em humanos expostos – cronicamente- a elevados níveis de vapor de Hg.

Autor: Prof. Geraldo de Assis Guimarães
(Texto extraido do livro: Advances in Mercury Toxicology, Tsugyioshi Suzuki e colaboradores, Plenum Press 1991).