Sol, sal e seca

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Uma região que não tem a capacidade de produzir alimentos está condenada à pobreza. Sobre uma agricultura bem sucedida é possível organizar um sistema social e econômico mais complexo. Porém, na ausência de um setor primário forte, a regra é que a região seja condenada à exclusão. A agricultura é fraca ou inexistente quando o solo, o clima ou ambos são adversos. Embora as regiões de pobreza endêmica mais acentuada concentrem-se na África e no sudeste asiático, existem enclaves de pobreza também no semi-árido nordestino. Enxotado para a marginalidade de um mercado globalizado que exige regularidade de produção, ao sertanejo restaria a agricultura de subsistência.

Ajuda da pesquisa

A Embrapa sempre foi sensível às agruras sociais dos produtores rurais, buscando alternativas tecnológicas que permitam ao agricultor galgar degraus na busca da inclusão social. A Embrapa Semi-Árido (Petrolina-PE), localizada no polígono das secas, tem entre suas prioridades a busca de uma agricultura regional sustentável. Uma das pesquisas combina o fornecimento de água de qualidade com o destino adequado do resíduo salino do tratamento da água. A lógica é o aproveitamento do resíduo, um material altamente poluente, para produzir alimento animal. Para entender a questão, é preciso saber que os solos do semi-árido compõem-se de rochas sedimentares do tipo cristalino, de baixa permeabilidade, em que a água subterrânea circula lentamente. Essa é uma das causas da salinização dos aqüíferos nordestinos, onde foram constatadas concentrações salinas de 1 g/l, muito acima do máximo admitido para o consumo humano (250 mg/l).

Dessalinização

A solução para obter água potável é a dessalinização, tendo sido instaladas mais de mil unidades na região. O processo consiste em forçar a água, sob pressão, a passar por uma membrana semipermeável, a qual retém as moléculas de sal e permite a passagem da água. Essa membrana precisa ser lavada para retirar os sais retidos na filtragem. Na saída do dessalinizador, há uma vertente de água potável e outra com a água resultante da lavagem, saturada com sal, possuindo um alto potencial de impacto no ambiente. A água dessalinizada torna-se potável, no entanto é preciso dar um uso ao resíduo salino, que torna impróprio para cultivo o solo que receba a água da lavagem. O potencial poluidor é muito alto, pois, embora raras, as chuvas que caem na região arrastarão o sal para mananciais e fontes de água.

Reciclagem

A solução proposta pela Embrapa é a criação de tilápias, pois os peixes reciclam parte do sal contido na água. Entretanto, como há necessidade de oxigenação constante, parcela da água do tanque deve ser substituída diariamente. A água proveniente dos tanques de criação de peixes é utilizada para irrigação. Pode parecer estranho que uma água saturada com cloreto de sódio possa servir de substrato adequado a um vegetal. Entretanto, a recomendação dos pesquisadores é o uso da erva-sal (Atriplex nummularia), conhecida por sua alta tolerância a ambientes salinos.

Sede e Fome Zero!

A erva-sal é originária de áreas secas da Austrália. Foi introduzida no Nordeste, onde se adaptou bem ao regime pluviométrico inconstante e de baixa precipitação (média anual inferior a 250 mm). Além da seca, a erva-sal tolera a salinidade do solo, por ser uma planta halófita. Os estudos da Embrapa mostraram que a erva-sal tolera concentrações de até 36 g/l, o que equivale à salinidade das águas oceânicas. Experimentos da Embrapa mostraram que a erva-sal pode retirar até 1,2 ton/ha/ano de sal da água. Essas características não seriam úteis, não fora a erva-sal uma planta com boas qualidades nutricionais, comparável à alfafa. A erva-sal pode produzir 6 ton/ha de matéria seca, em ciclos que podem ser inferiores a um ano. Os macronutrientes exigidos pela planta, como nitrogênio e fósforo, que se encontram em baixos teores nos solos nordestinos, são fornecidos pelos excrementos dos peixes.

Piloto

A Embrapa mantém um projeto piloto em Petrolina, onde um dessalinizador atende às 56 famílias da comunidade. A comunidade produz 1 ton/ano de peixes, em tanques de 300 mil litros. A água dos tanques vai irrigar a plantação de erva-sal, sendo que um hectare cultivado suporta 200 caprinos, durante seis meses. Com o uso da técnica desenvolvida pela Embrapa, essa comunidade terá atendida a sua demanda de água potável e de alimento, além de dispor de uma fonte extra de renda.

Décio Luiz Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja.
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