A criação de abelhas indígenas sem ferrão em cabaças, cortiços e caixas rústicas constitui uma atividade tradicional em quase todas as regiões do Brasil. Essa atividade, conhecida como meliponicultura, foi inicialmente desenvolvida pelos índios, e vem, ao longo dos anos, sendo praticada por pequenos e médios produtores, assim como por produtores de base familiar.
Mandaçaia (Melipona quadrifasciata)
Foto: David Aidar (1999)
Há, pelo menos, cinco razões que justificam o interesse crescente por esse grupo de abelhas:
1. As abelhas sem ferrão são os principais agentes polinizadores de várias plantas nativas. Preservar essas abelhas contribui, portanto, para conservar os mais diversos tipos de vegetação.
2. Há muitos agricultores utilizando as abelhas sem ferrão na polinização de culturas agrícolas tais como urucum, chuchu, camu-camu, carambola, coco-da-bahia e manga. Essa prática, amplamente usada com as abelhas do gênero Apis (conhecidas como abelhas africanizadas ou abelhas africanas) e Bombus(as mamangavas, também chamadas de mamangaba, mangangá, mangava, etc.), vem sendo utilizada até mesmo para cultivar morangos dentro de estufas.
3. O mel produzido pelas abelhas sem ferrão contém os nutrientes básicos necessários à saúde, como açúcares, proteínas, vitaminas e gordura. Esse mel possui, também, uma elevada atividade antibacteriana e é tradicionalmente usado contra doenças pulmonares, resfriado, gripe, fraqueza e infecções de olhos em várias regiões do País.
4. Além de fonte de alimento e remédio, o mel produzido pelas abelhas sem ferrão representa, em algumas regiões, uma importante fonte de renda. Na Região Nordeste, onde a meliponicultura é mais praticada, são encontrados produtores (ou meliponicultores) com até 1.500 ninhos de abelhas, e que sobrevivem, basicamente, do comércio do mel. Alguns meliponicultores conseguem coletar de 5 a 8 litros de mel/colônia/ano, o que, segundo os especialistas na área, está muito abaixo do potencial de produção das abelhas sem ferrão. O preço, porém, é compensador. Um litro de mel de abelha sem ferrão é vendido por R$ 40,00 no Nordeste, podendo alcançar até R$ 100,00 na Região Sudeste do País. Como os custos para a criação são baixos, a meliponicultura permite a produção de um alimento barato, com um forte apelo comercial.
5. São, de um modo geral, abelhas bastante dóceis e de fácil manejo. Por isso, dispensam o uso de roupas e equipamentos de proteção tais como macacão, luvas, máscaras e fumegadores, reduzindo os custos de sua criação e permitindo que essas abelhas sejam mantidas perto de residências e/ou de criações de animais domésticos. Além disso, por não exigir força física e/ou prolongada dedicação ao seu manejo, a criação de abelhas sem ferrão pode ser facilmente executada por jovens e idosos.
Entrade de ninho de uruçu (Melipona scutellaris)
Estima-se que, só no Brasil, existam mais de 200 espécies de abelhas sem ferrão. As mais promissoras em termos de produção de mel são as espécies do gênero Melipona, conhecidas popularmente como mandaçaia (nome científico, Melipona quadrifasciata), jandaíra nordestina (Melipona subnitida), uruçu-cinza ou uruçu-cinzenta (Melipona fasciculata), uruçu-amarela (Melipona rufiventris), uruçu-do-nordeste (Melipona scutellaris), entre outras.
Quantas e quais espécies de abelhas sem ferrão são encontradas no Estado do Acre são ainda dois aspectos que precisam ser melhor investigados.
Mandaçaia (Melipona quadrifasciata)
Em Rio Branco, é possível encontrar o mel de uruçu (qual espécie?) sendo vendido a R$ 20,00 o litro. Esse comércio, porém, é proveniente de iniciativas isoladas, que precisam ser mais bem aproveitadas, para que a meliponicultura se torne, de fato, uma fonte alternativa de renda aos moradores da região. Nesse sentido, o primeiro passo a ser tomado é a formação de um meliponário (local em que são criadas as abelhas sem ferrão), no qual as abelhas são mantidas em caixas de madeiras conhecidas como caixas racionais (Veja http://www.cpatu.embrapa.br/paginas/meliponicultura.htm).
Com a devida autorização do Ibama, os ninhos de abelhas sem ferrão são retirados do seu ambiente natural somente para formar o plantel inicial. Uma vez formado esse plantel, várias técnicas podem ser utilizadas para a multiplicação dos ninhos, reduzindo, dessa forma, a necessidade de retirada das abelhas de seu local de origem. A espécie de abelha a ser criada deve ser selecionada de acordo com a sua região de ocorrência.
A meliponicultura é, portanto, uma atividade de baixo impacto ambiental, que produz um alimento de elevado nível nutricional, e de retorno financeiro garantido. Se bem planejada, a criação de abelhas sem ferrão em caixas racionais pode enquadrar-se, perfeitamente, nas atuais diretrizes que norteiam o desenvolvimento da Região Amazônica: promover o uso racional dos recursos da floresta, equilibrando interesses ambientais, com interesses sociais de melhoria de qualidade de vida das populações que residem na região.
Patrícia Drumond, especialista em abelhas indígenas sem ferrão, pesquisadora da Embrapa Acre. patricia@cpafac.embrapa.br