A cadeia alimentar aquática do Pantanal do rio Paraguai foi investigada durante um ciclo de seca-cheia completo (1998-99) com o objetivo de identificar as fontes primárias de energia (carbono) que a sustentam. Em um lago marginal (baía do Castelo, Corumbá – MS) característico da planície de inundação do rio Paraguai foram amostrados organismos representantes dos chamados produtores primários (algas, plantas terrestres e aquáticas) e dos consumidores primários (pulgas d´água e peixes comedores de lodo como o acari, curimbatá, sairú xororó e sairú liso), que são assim chamados, pois são os animais que se alimentam desses produtores ou de seus detritos.
Apesar da grande quantidade de detrito proveniente das plantas terrestres e aquáticas, as algas são consideradas a fonte de carbono (energia) principal em sistemas de áreas inundáveis, como a planície de inundação do rio Paraguai. Ou seja, as algas seriam a fonte de energia que sustenta a base da cadeia alimentar aquática, sendo que no topo desta cadeia estão os peixes carnívoros como o pintado, cachara, dourado e jaú. Porém, em nosso estudo, certa característica da composição do carbono das algas (sua “assinatura isotópica” ou “sinal isotópico”) foi bem diferente daquela obtida em outras áreas de inundação tropicais da América do Sul (média= -340), apresentando um sinal mais “positivo”, ou “menos negativo” (média= -290). Além disso, surpreendentemente, os valores da assinatura isotópica do carbono das algas foram também muito diferentes dos valores dos consumidores primários, que apresentaram valores bem mais negativos (variando entre -43 a -260). Por serem seus consumidores em potencial, os consumidores primários deveriam ter apresentado valores muito mais próximos a -290, considerando que somente as algas estivessem envolvidas no fornecimento de energia para estes organismos.
Desta forma, os fatos observados somente poderiam ser explicados se, além das algas, uma outra fonte primária de carbono (mais “negativa” ainda) estivesse envolvida, o que foi reforçado pelos valores encontrados em certo tipo de organismo que vive no sedimento (larvas de insetos quironomídeos), cujos valores obtidos variaram entre -62 e -490) e que servem de alimento para alguns peixes. Esta outra fonte de carbono envolvida poderia ser proveniente de um tipo de bactérias (bactérias metanotróficas), que utilizam como fonte de carbono (energia) o metano, um gás proveniente da decomposição da matéria orgânica submersa.
Assim, os resultados sugerem uma combinação de ambas as fontes primárias, algas e bactérias, sustentando a cadeia alimentar aquática do Pantanal do rio Paraguai. Isto se dá por meio de dois processos de produção primária de matéria orgânica (MO): pela fotossíntese das algas (energia solar + gás carbônico) e pela quimiossíntese das bactérias metanotróficas (energia química + metano), que transferem energia (carbono) para os consumidores, o chamado fluxo de energia. Por meio desta produção primária de matéria orgânica e de outro processo, a decomposição da matéria orgânica, que produz gases como o gás carbônico e o metano, fecha-se o ciclo de carbono no sistema. As algas são uma fonte de energia importante, porém o sistema de planície do rio Paraguai mostra como característica especial a existência de um elo de ligação alternativo do metano como fonte de carbono (via bactérias metanotróficas), diretamente para os níveis superiores da cadeia alimentar (zooplâncton, insetos aquáticos e peixes detritívoros).
Com base nos resultados obtidos, pode-se inferir que quaisquer mudanças no funcionamento hidrodinâmico do Pantanal do rio Paraguai, alterando-se o ciclo de cheias e secas (tempo de duração das cheias e extensão da área inundada), por meio de implantação de barragens e hidroelétricas, corte de curvas (meandros), dragagens em áreas extensas e entupimento do leito devido ao desmatamento e a conseqüente erosão, causariam, por conseguinte, alterações no funcionamento dos processos de produção e decomposição de matéria orgânica. Portanto, causariam alterações no fluxo de energia do sistema, o qual sustenta a cadeia alimentar aquática e a produção pesqueira, uma das riquezas ímpares do Pantanal e base de atividades econômicas importantes para a região, como a pesca profissional e o turismo de pesca.
Débora Fernandes Calheiros – bióloga, pesquisadora da Embrapa Pantanal, Corumbá (MS), na área de limnologia e ecotoxicologia.