{"id":97,"date":"2009-02-09T15:15:46","date_gmt":"2009-02-09T15:15:46","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:32:30","modified_gmt":"2021-07-10T23:32:30","slug":"reuso_da_agua_doce","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/agua\/artigos_agua_doce\/reuso_da_agua_doce.html","title":{"rendered":"Reuso da \u00e1gua doce"},"content":{"rendered":"\n

A crescente demanda por \u00e1gua tratada tem feito do reuso planejado de \u00e1gua um tema atual e de grande import\u00e2ncia, principalmente na nova pol\u00edtica nacional de recursos h\u00eddricos.<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Ao longo dos \u00faltimos 50 anos, com o crescimento acelerado das popula\u00e7\u00f5es e do desenvolvimento industrial e tecnol\u00f3gico, as poucas fontes dispon\u00edveis de \u00e1gua doce do planeta est\u00e3o comprometidas ou correndo risco.<\/p>\n\n\n\n

Mundialmente, segundo hidr\u00f3logos e dem\u00f3grafos, o consumo humano de \u00e1gua doce duplica a cada 25 anos. Embora o colapso do abastecimento seja uma realidade em muitos lugares, sobretudo em bairros da periferia de centros urbanos densamente povoados, ainda assim vive-se a ilus\u00e3o de que a \u00e1gua \u00e9 um recurso infinito.<\/p>\n\n\n\n

Contudo, as implica\u00e7\u00f5es pr\u00e1ticas da realidade que acaba de ser descrita, de forma bem resumida, t\u00eam sido determinantes para despertar, no cen\u00e1rio internacional, a defesa do reuso de \u00e1gua doce.<\/p>\n\n\n\n

Reuso \u00e9 o processo de utiliza\u00e7\u00e3o da \u00e1gua por mais de uma vez, tratada ou n\u00e3o, para o mesmo ou outro fim. Essa reutiliza\u00e7\u00e3o pode ser direta ou indireta, decorrentes de a\u00e7\u00f5es planejadas ou n\u00e3o. A \u00e1gua de reuso tratada \u00e9 produzida dentro das Esta\u00e7\u00f5es de Tratamento de Esgoto e pode ser utilizada para in\u00fameros fins, como gera\u00e7\u00e3o de energia, refrigera\u00e7\u00e3o de equipamentos, em diversos processos industriais, em prefeituras e entidades que usam a \u00e1gua para lavagem de ruas e p\u00e1tios, no setor hoteleiro, irriga\u00e7\u00e3o\/rega de \u00e1reas verdes, desobstru\u00e7\u00e3o de rede de esgotos e \u00e1guas pluviais e lavagem de ve\u00edculos.<\/p>\n\n\n\n

A grande vantagem da utiliza\u00e7\u00e3o da \u00e1gua de reuso \u00e9 a de preservar \u00e1gua pot\u00e1vel exclusivamente para atendimento de necessidades que exigem a sua potabilidade, como para o abastecimento humano.<\/p>\n\n\n\n

A demanda crescente por \u00e1gua tem feito do reuso planejado de \u00e1gua um tema atual e de grande import\u00e2ncia.<\/p>\n\n\n\n

Deve-se considerar o reuso de \u00e1gua como parte de uma atividade mais abrangente de gest\u00e3o integrada que \u00e9 o uso racional ou eficiente da \u00e1gua, o qual compreende tamb\u00e9m o controle de perdas e desperd\u00edcios, e a minimiza\u00e7\u00e3o da produ\u00e7\u00e3o de efluentes e do consumo de \u00e1gua.<\/p>\n\n\n\n

Dentro dessa \u00f3tica, os esgotos tratados t\u00eam um papel fundamental no planejamento e na gest\u00e3o sustent\u00e1vel dos recursos h\u00eddricos como um substituto para o uso de \u00e1guas destinadas a fins agr\u00edcolas e de irriga\u00e7\u00e3o, entre outros. Ao liberar as fontes de \u00e1gua de boa qualidade para abastecimento p\u00fablico e outros usos priorit\u00e1rios, como os requeridos pelas diversas ind\u00fastrias, sem d\u00favida, o uso de esgotos contribui para a conserva\u00e7\u00e3o dos recursos e acrescenta uma dimens\u00e3o econ\u00f4mica ao planejamento dos recursos h\u00eddricos.<\/p>\n\n\n\n

A escassez de \u00e1gua como mat\u00e9ria-prima em processos produtivos e as crescentes exig\u00eancias em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 quantidade e qualidade dos efluentes, visando preservar o meio ambiente, v\u00eam aumentando significativamente os custos, tanto no seu suprimento como no seu descarte.<\/p>\n\n\n\n

A tecnologia do reuso\/reciclo acoplada com a regenera\u00e7\u00e3o da \u00e1gua surge como um esfor\u00e7o de engenharia ambiental, buscando uma solu\u00e7\u00e3o para a utiliza\u00e7\u00e3o m\u00ednima de \u00e1gua em um processo produtivo e a m\u00e1xima prote\u00e7\u00e3o ambiental como o menor custo poss\u00edvel. Somando-se a este cen\u00e1rio, com o in\u00edcio da cobran\u00e7a pela capta\u00e7\u00e3o e libera\u00e7\u00e3o de efluentes nas bacias hidrogr\u00e1ficas a partir deste ano, est\u00e3o sendo introduzidas novas prioridades nos planejamentos estrat\u00e9gicos de grandes ind\u00fastrias.<\/p>\n\n\n\n

Por exemplo, em v\u00e1rias refinarias e petroqu\u00edmicas a ordem \u00e9 investir para reduzir o consumo de \u00e1gua, melhorar o tratamento e at\u00e9 transformar o efluente em \u00e1gua de reuso. Projetos est\u00e3o sendo desenvolvidos para implantar esta\u00e7\u00f5es de tratamento para convers\u00e3o de efluentes em \u00e1guas de reuso e esgoto municipal em \u00e1gua industrial. Ser\u00e1 que atingiremos o n\u00edvel de algumas ind\u00fastrias estadunidenses e europ\u00e9ias que j\u00e1 trabalham com emiss\u00e3o praticamente zero de efluentes?<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m de ser uma medida eficaz para resolver a quest\u00e3o do abastecimento, o reuso proporciona um ganho econ\u00f4mico, com a redu\u00e7\u00e3o na capta\u00e7\u00e3o, na quantidade de qu\u00edmicos para seu tratamento e no lan\u00e7amento de efluentes.<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m disso, com a ind\u00fastria administrando seus recursos h\u00eddricos melhor, sobra mais \u00e1gua para abastecer a popula\u00e7\u00e3o. Vale lembrar que, por economia de escala e dificuldade de abastecimento, o fornecimento \u00e0 ind\u00fastria \u00e9 menos lucrativo para os fornecedores de \u00e1gua.<\/p>\n\n\n\n

Por exemplo, a Sabesp desenvolveu o projeto de venda de \u00e1gua de reuso mais barata para a ind\u00fastria tornando dispon\u00edvel \u00e1gua de boa qualidade para o consumo dom\u00e9stico.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 necess\u00e1rio tamb\u00e9m que as prefeituras controlem as perdas de \u00e1gua e pratiquem o reuso de efluentes tratados, contribuindo para reduzir os pr\u00f3prios custos e a demanda de \u00e1gua utilizada nos servi\u00e7os urbanos. \u00c9, no m\u00ednimo, um desperd\u00edcio usar \u00e1gua pot\u00e1vel, com cloro e fl\u00faor, para irrigar parques, jardins e lavar ruas e cal\u00e7adas.<\/p>\n\n\n\n

A presen\u00e7a de organismos patog\u00eanicos e de compostos org\u00e2nicos sint\u00e9ticos na grande maioria dos efluentes para reuso, principalmente naqueles oriundos de ETEs de grandes conurba\u00e7\u00f5es com p\u00f3los industriais expressivos, classifica o reuso pot\u00e1vel como uma alternativa associada a riscos muito elevados, tornando-o praticamente inaceit\u00e1vel. Al\u00e9m disso, os custos dos sistemas de tratamento avan\u00e7ados que seriam necess\u00e1rios, levariam \u00e0 inviabilidade econ\u00f4mica do abastecimento p\u00fablico, n\u00e3o havendo, ainda, garantia de prote\u00e7\u00e3o adequada da sa\u00fade p\u00fablica dos consumidores.<\/p>\n\n\n\n

Face \u00e0s grandes vaz\u00f5es envolvidas (chegando at\u00e9 80% do uso da \u00e1gua, em algumas regi\u00f5es e pa\u00edses), especial aten\u00e7\u00e3o deve ser dada ao reuso para fins agr\u00edcolas.<\/p>\n\n\n\n

Atualmente, a agricultura depende de suprimento de \u00e1gua a um n\u00edvel tal que a sustentabilidade da produ\u00e7\u00e3o de alimentos n\u00e3o poder\u00e1 ser mantida, sem o desenvolvimento de novas fontes de suprimento e a gest\u00e3o adequada dos recursos h\u00eddricos convencionais. Esta condi\u00e7\u00e3o cr\u00edtica \u00e9 fundamentada no fato de que o aumento da produ\u00e7\u00e3o, n\u00e3o pode mais ser efetuada atrav\u00e9s da mera expans\u00e3o de terra cultivada. Com poucas exce\u00e7\u00f5es, tais como \u00e1reas significativas do Nordeste brasileiro que est\u00e3o sendo recuperadas para uso agr\u00edcola, a terra ar\u00e1vel, em n\u00edvel mundial, se aproxima muito rapidamente de seus limites de expans\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

A taxa global de expans\u00e3o de terra ar\u00e1vel diminuiu de 0,4% durante a d\u00e9cada 1970-1979 para 0,2%, durante o per\u00edodo 1980-1987.<\/p>\n\n\n\n

Nos pa\u00edses em vias de desenvolvimento e em est\u00e1gios de industrializa\u00e7\u00e3o acelerada, a taxa de crescimento tamb\u00e9m caiu de 0,7% para 0,4%.<\/p>\n\n\n\n

Durante as duas \u00faltimas d\u00e9cadas, o uso de esgotos tratados para irriga\u00e7\u00e3o de culturas aumentou significativamente devido aos seguintes fatores:<\/p>\n\n\n\n

a) dificuldade crescente de identificar fontes alternativas de \u00e1guas para irriga\u00e7\u00e3o;<\/p>\n\n\n\n

b) custo elevado de fertilizantes;<\/p>\n\n\n\n

c) a seguran\u00e7a de que os riscos de sa\u00fade p\u00fablica e os impactos sobre o solo s\u00e3o m\u00ednimos, se adequadas precau\u00e7\u00f5es forem efetivamente tomadas;<\/p>\n\n\n\n

d) os custos elevados dos sistemas de tratamento, necess\u00e1rios para descarga de efluentes em corpos receptores;<\/p>\n\n\n\n

e) a aceita\u00e7\u00e3o sociocultural da pr\u00e1tica do reuso agr\u00edcola, e, finalmente,<\/p>\n\n\n\n

f) reconhecimento pelos \u00f3rg\u00e3os gestores de recursos h\u00eddricos do valor intr\u00ednseco da pr\u00e1tica de reuso.<\/p>\n\n\n\n

Em rela\u00e7\u00e3o aos setores p\u00fablicos estaduais, municipais e federal, a pr\u00e1tica do reuso de \u00e1gua associada ao setor p\u00fablico ainda \u00e9 extremamente incipiente, embora ocorram manifesta\u00e7\u00f5es de reuso agr\u00edcola n\u00e3o planejado ou inconsciente em diversas regi\u00f5es brasileiras, inclusive em algumas regi\u00f5es metropolitanas.<\/p>\n\n\n\n

Uma s\u00e9rie de projetos foi implantada em alguns Estados do Nordeste como, por exemplo, Rio Grande do Norte, Para\u00edba e Pernambuco visando a irriga\u00e7\u00e3o do capim elefante com efluentes dom\u00e9sticos, sem nenhum tratamento e sem nenhuma forma de prote\u00e7\u00e3o \u00e0 sa\u00fade p\u00fablica dos grupos envolvidos.<\/p>\n\n\n\n

Ao mesmo tempo, os projetos existentes: a) s\u00e3o desvinculados de programas de controle de polui\u00e7\u00e3o e de usos integrados de recursos h\u00eddricos nas bacias hidrogr\u00e1ficas onde est\u00e3o sendo implementados; b) n\u00e3o empregam tecnologia adequada para os tipos espec\u00edficos de reuso implementados; c) n\u00e3o incluem as salvaguardas necess\u00e1rias para preserva\u00e7\u00e3o ambiental e prote\u00e7\u00e3o da sa\u00fade p\u00fablica dos grupos envolvidos; d) n\u00e3o s\u00e3o formulados com base em an\u00e1lises e avalia\u00e7\u00f5es econ\u00f4mico-financeiras, e, e) n\u00e3o possuem estruturas adequadas de recupera\u00e7\u00e3o de custos. Uma pol\u00edtica nacional de reuso de \u00e1guas tratadas contribuiria, sem d\u00favida, para evitar a contamina\u00e7\u00e3o das \u00e1guas superficiais, reduzir a polui\u00e7\u00e3o, a contamina\u00e7\u00e3o ambiental e as doen\u00e7as por veicula\u00e7\u00e3o h\u00eddrica (que corresponde a 65% das interna\u00e7\u00f5es hospitalares no Brasil), e contribuir para a melhoria da qualidade de vida da popula\u00e7\u00e3o rural e urbana brasileira.<\/p>\n\n\n\n

Concluindo: reuso e conserva\u00e7\u00e3o da \u00e1gua doce hoje se constituem em palavras-chaves da gest\u00e3o dos recursos h\u00eddricos no Brasil, pa\u00eds onde 86% da popula\u00e7\u00e3o vive em aglomera\u00e7\u00f5es urbanas. Contudo, a pr\u00e1tica de reuso de \u00e1gua espera ser institucionalizada e integrada aos planos de prote\u00e7\u00e3o e desenvolvimento de bacias hidrogr\u00e1ficas. Nenhuma forma de ordenamento institucional-legal, ou mesmo, regulat\u00f3rio, orienta as atividades de reuso praticadas no territ\u00f3rio nacional.<\/p>\n\n\n\n

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Carlos Jos\u00e9 Saldanha Machado – Antrop\u00f3logo, professor de Engenharia Ambiental da UERJ, Presidente da C\u00e2mara T\u00e9cnica de Sistema de Gest\u00e3o no Conselho Estadual de Recursos H\u00eddricos do RJ
\nFonte: Revista Eco 21, Ano XIV, Edi\u00e7\u00e3o 86, Janeiro 2004. (www.eco21.co<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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