{"id":896,"date":"2009-03-24T10:35:59","date_gmt":"2009-03-24T10:35:59","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:13:46","modified_gmt":"2021-07-10T23:13:46","slug":"e_hora_de_cuidar_do_brasil","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/educacao\/artigos\/e_hora_de_cuidar_do_brasil.html","title":{"rendered":"\u00c9 hora de cuidar do Brasil"},"content":{"rendered":"\n

Aprendi que h\u00e1 dois tipos de problemas na administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica: os urgentes e os importantes. A tend\u00eancia geral da administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica brasileira era atender as urg\u00eancias, ocupar-se com o dia-a-dia, dar respostas pontuais, buscar resultados imediatos e, principalmente, fazer a\u00e7\u00f5es que tivessem impacto na opini\u00e3o p\u00fablica. Enquanto isso, as import\u00e2ncias iam ficando para depois. O passivo de problemas estruturais e a indefini\u00e7\u00e3o em quest\u00f5es estrat\u00e9gicas eram sempre empurrados para os governos futuros.<\/p>\n\n\n\n

O Governo do Presidente Lula se preocupou, desde o in\u00edcio, em recuperar a capacidade de planejamento do Estado brasileiro. Por isso, sem descuidar das quest\u00f5es imediatas e dos problemas do dia-a-dia, buscamos reservar tempo e dedica\u00e7\u00e3o \u00e0s quest\u00f5es estrat\u00e9gicas e \u00e0s a\u00e7\u00f5es estruturantes.<\/p>\n\n\n\n

Esta primeira Confer\u00eancia Nacional do Meio Ambiente tem esse car\u00e1ter. Ela busca aperfei\u00e7oar a pol\u00edtica ambiental brasileira para que tenha a dimens\u00e3o do Brasil e que considere a import\u00e2ncia estrat\u00e9gica do nosso pa\u00eds para o futuro do mundo. Nunca \u00e9 demais repetir as quatro diretrizes que definimos para as a\u00e7\u00f5es do Minist\u00e9rio:<\/p>\n\n\n\n

A primeira delas \u00e9 o desenvolvimento sustent\u00e1vel. Meio Ambiente n\u00e3o \u00e9 um entrave ao desenvolvimento; \u00e9 a garantia de um desenvolvimento adequado. A floresta, o pantanal, os rios, o mar, nada disso impede o Brasil de desenvolver energia, ind\u00fastrias ou transportes, de gerar empregos e moradia, de distribuir renda e justi\u00e7a social. Ao contr\u00e1rio, a natureza \u00e9 a fonte de todas essas riquezas. S\u00f3 precisamos aprender a fazer as coisas de modo adequado, a tomar os cuidados necess\u00e1rios, a seguir as leis e a ouvir a voz do bom senso. O Minist\u00e9rio do Meio Ambiente tem, por exemplo, investido, por meio do seu Programa Nacional de Meio Ambiente, na implementa\u00e7\u00e3o de projetos demonstrativos de desenvolvimento sustent\u00e1vel, com base nos princ\u00edpios da gest\u00e3o ambiental descentralizada e da indu\u00e7\u00e3o do uso sustent\u00e1vel dos recursos naturais.<\/p>\n\n\n\n

Podemos tamb\u00e9m citar o Programa Amaz\u00f4nia Sustent\u00e1vel que est\u00e1 sendo constru\u00eddo em parceria com o Minist\u00e9rio de Integra\u00e7\u00e3o Nacional, os governos estaduais e a sociedade civil, e que dar\u00e1 novo contexto \u00e0s a\u00e7\u00f5es do Programa Piloto para Prote\u00e7\u00e3o das Florestas Tropicais do Brasil.<\/p>\n\n\n\n

A segunda diretriz \u00e9 o que chamamos de “transversalidade”. Os professores de todo o Brasil est\u00e3o bem acostumados com essa palavra, que pode parecer estranha para a maioria das pessoas. Eles conhecem os conte\u00fados transversais da Lei de Diretrizes da Educa\u00e7\u00e3o. O meio ambiente \u00e9 um deles, porque n\u00e3o est\u00e1 preso a uma disciplina mas deve ser ensinado em todas elas. Ou seja, a consci\u00eancia ambiental do aluno se desenvolve junto com o aprendizado de ci\u00eancias, matem\u00e1tica, geografia etc. Da mesma forma, queremos que seja compreendido pela sociedade brasileira e situado nas a\u00e7\u00f5es do governo: n\u00e3o como a preocupa\u00e7\u00e3o exclusiva de um setor, um Minist\u00e9rio, mas como um componente de todos os setores.<\/p>\n\n\n\n

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A pol\u00edtica ambiental do Governo deve estar no Minist\u00e9rio dos Transportes, da Agricultura, de Minas e Energia, em todas as a\u00e7\u00f5es de todos os setores. \u00c9 nesse sentido que o MMA tem trabalhado; e teve boa receptividade para a constru\u00e7\u00e3o de agendas bilaterais com esses Minist\u00e9rios.<\/p>\n\n\n\n

Dessa forma, poderemos planejar a infra-estrutura pensando desde o princ\u00edpio nas quest\u00f5es s\u00f3cio-ambientais e n\u00e3o mais somente quando, uma vez o projeto pronto, o Governo tiver de submet\u00ea-lo ao processo de licenciamento ambiental. Essa nova forma de atuar est\u00e1 expressa na decis\u00e3o de Governo de se rever as propostas da hidrel\u00e9trica de Belo Monte, do Gasoduto Urucu\/Porto Velho ou ainda nas discuss\u00f5es em torno do asfaltamento da BR 163. Nossos programas dialogam tamb\u00e9m com o Fome Zero e introduzem tamb\u00e9m a id\u00e9ia de um Sede Zero. N\u00e3o podemos nos dar ao luxo de ver projetos importantes embargados na Justi\u00e7a por n\u00e3o termos sido capazes de planej\u00e1-los de forma a atender a legisla\u00e7\u00e3o do Pa\u00eds.<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m das agendas bilaterais, eu n\u00e3o poderia deixar de citar o Grupo Interministerial de Trabalho sobre o Desmatamento e a elabora\u00e7\u00e3o do Projeto de Lei sobre Biosseguran\u00e7a que enviamos ao Congresso Nacional com uma posi\u00e7\u00e3o de consenso do Governo.<\/p>\n\n\n\n

Nossa terceira diretriz \u00e9 o fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente. O SISNAMA n\u00e3o \u00e9 apenas um conjunto de institui\u00e7\u00f5es e \u00f3rg\u00e3os p\u00fablicos. \u00c9 o espa\u00e7o no qual a participa\u00e7\u00e3o da sociedade se materializa por meio dos Conselhos de Meio Ambiente. E esse conjunto \u00e9 o principal guardi\u00e3o das Leis, dos procedimentos e dos conhecimentos sobre o ambiente que o Brasil acumulou nas \u00faltimas d\u00e9cadas. \u00c9 por isso que demos regularidade e constru\u00edmos uma Agenda comum com Estados e Munic\u00edpios atrav\u00e9s da Comiss\u00e3o Tripartite Nacional e que estamos aqui, nesta Confer\u00eancia, criando as Tripartites Estaduais.<\/p>\n\n\n\n

Gostar\u00edamos que esta Primeira Confer\u00eancia Nacional do Meio Ambiente se consolidasse como uma inst\u00e2ncia do SISNAMA e que passasse a ter regularidade, como lugar privilegiado de constru\u00e7\u00e3o da Agenda Nacional de Meio Ambiente.<\/p>\n\n\n\n

E isso nos leva \u00e0 nossa quarta diretriz, que \u00e9 o controle e a participa\u00e7\u00e3o social. Acreditamos que “cuidar do Brasil” n\u00e3o \u00e9 tarefa apenas do Governo, mas do povo inteiro. A participa\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 apenas um direito da cidadania, mas um dever constitucional. N\u00e3o elegemos um Governo para ficar esperando dele todas as solu\u00e7\u00f5es. Nesse contexto, o Minist\u00e9rio do Meio Ambiente tem valorizado e investido no bom funcionamento do CONAMA, espa\u00e7o j\u00e1 consagrado de participa\u00e7\u00e3o e controle social.<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m disso, reformulou, de forma a ampliar a participa\u00e7\u00e3o do Conselho Nacional de Recursos H\u00eddricos, a Comiss\u00e3o para o Desenvolvimento Sustent\u00e1vel, a Agenda 21, o Conselho de Gest\u00e3o do Patrim\u00f4nio Gen\u00e9tico e criou a Comiss\u00e3o Nacional da Biodiversidade, a Comiss\u00e3o do Programa Nacional de Florestas, al\u00e9m dos GTs da Mata Atl\u00e2ntica e do Cerrado. E j\u00e1 estamos em fase de forma\u00e7\u00e3o do GT da Caatinga.<\/p>\n\n\n\n

A realiza\u00e7\u00e3o desta Confer\u00eancia atende a todas essas diretrizes, especialmente as duas \u00faltimas: controle e participa\u00e7\u00e3o social e fortalecimento do SISNAMA. \u00c9 um momento especial de participa\u00e7\u00e3o do povo brasileiro na defini\u00e7\u00e3o de uma pol\u00edtica ambiental. Foi preparada em todos os Estados, com participa\u00e7\u00e3o, na sua vers\u00e3o adulta, de cerca de 60 mil pessoas, envolvidas nas nas Pr\u00e9-Confer\u00eancias e nas Confer\u00eancias Regionais e Estaduais, resultando em mais de mil delegados, investidos de grande representatividade.<\/p>\n\n\n\n

A vers\u00e3o infanto-juvenil, por sua vez, envolveu cerca de 16.000 escolas – em torno de 6 milh\u00f5es de estudantes, professores e familiares. As quest\u00f5es que a Confer\u00eancia tratar\u00e1 surgiram nas diversas regi\u00f5es do Pa\u00eds. S\u00e3o problemas vividos pelo povo brasileiro nas grandes cidades, campos, no litoral, no Cerrado e nas florestas. Suas propostas ser\u00e3o as propostas do povo brasileiro para “cuidar do Brasil”. Ao mesmo tempo, ela fortalece o SISNAMA e a capacidade do Estado de administrar as quest\u00f5es ambientais com um instrumento moderno e eficaz. Por tudo isso, a Confer\u00eancia \u00e9 importante. Mas existe nela, tamb\u00e9m, uma dimens\u00e3o simb\u00f3lica, para al\u00e9m da estrutura\u00e7\u00e3o do Estado e das pol\u00edticas p\u00fablicas: ela \u00e9 o maior esfor\u00e7o at\u00e9 agora realizado de definir uma nova rela\u00e7\u00e3o do povo brasileiro com a natureza.<\/p>\n\n\n\n

Desde o in\u00edcio da forma\u00e7\u00e3o deste Pa\u00eds, mantivemos uma rela\u00e7\u00e3o d\u00fabia: louvamos a natureza em prosa e verso, exaltamos a beleza e a riqueza de nossa terra, onde, segundo o Hino nacional, os campos tem mais flores e os bosques tem mais vida; mas, ao mesmo tempo, destru\u00edmos 93% da Mata Atl\u00e2ntica, desertificamos o Nordeste, polu\u00edmos os nossos rios, avan\u00e7amos de forma avassaladora sobre o Cerrado e estamos amea\u00e7ando a integridade da Amaz\u00f4nia de forma preocupante.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 chegada a hora de tomar consci\u00eancia da realidade, sair da esquizofrenia que op\u00f5e o romantismo naturalista ao pragmatismo economicista. No seu discurso de posse, no Congresso Nacional, o Presidente Lu\u00eds In\u00e1cio Lula da Silva disse uma frase hist\u00f3rica: “este \u00e9 o momento do encontro do Brasil consigo mesmo”. De fato, no que diz respeito ao meio ambiente, chegou o momento em que o povo brasileiro se encontra com sua pr\u00f3pria natureza. Nesse encontro, toma consci\u00eancia de suas riquezas e potencialidades, mas tamb\u00e9m dos erros e omiss\u00f5es que se acumularam nestes cinco s\u00e9culos de forma\u00e7\u00e3o de nossa na\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Enfim, o encontro do Brasil consigo mesmo nos revela a extens\u00e3o de nossos problemas e da nossa responsabilidade. Neste momento, devemos afastar de nossa consci\u00eancia qualquer ilus\u00e3o de facilidade, qualquer desejo de solu\u00e7\u00f5es m\u00e1gicas, qualquer tenta\u00e7\u00e3o de fazer a\u00e7\u00f5es espetaculares. Da mesma forma, devemos afastar o des\u00e2nimo, o desespero de achar que os problemas n\u00e3o t\u00eam solu\u00e7\u00e3o, a mediocridade do administrativismo que vai empurrando os problemas para mais adiante. \u00c9 hora de “cuidar”. O rumo que tomarmos hoje definir\u00e1 o nosso futuro. E n\u00e3o apenas o nosso, mas o do Planeta em que vivem 6 bilh\u00f5es de pessoas. Para o Brasil, \u00e9 \u00f3bvia a necessidade de ir al\u00e9m dos fracos resultados de implementa\u00e7\u00e3o de tudo o que \u00e9 discutido na esfera internacional.<\/p>\n\n\n\n

Governantes, pol\u00edticos, sociedade civil organizada e cidad\u00e3os comuns est\u00e3o saturados com a grande profus\u00e3o de acordos, conven\u00e7\u00f5es e organiza\u00e7\u00f5es que se mostram inefetivos e incapazes de responder \u00e0s expectativas que se avolumam em torno deles. N\u00e3o \u00e9 por acaso que a sensa\u00e7\u00e3o de muitos dos delegados presentes \u00e0 C\u00fapula de Johanesburgo foi de fracasso. Mas uma Confer\u00eancia como a que estamos realizado traz, consigo, a perspectiva otimista de que o Brasil possa assumir um papel de protagonismo internacional, ao estabelecer pol\u00edticas p\u00fablicas concretas e fact\u00edveis que se traduzam na implementa\u00e7\u00e3o dos diversos compromissos internacionais por n\u00f3s assumidos. Isso constitui o que venho chamando ‘liderar por exemplos’, o que nos posiciona de maneira diferenciada nos foros internacionais e nos permite exercer uma forma de “constrangimento \u00e9tico” sobre as outras na\u00e7\u00f5es e grupos regionais que, a despeito de estarem muito mais capacitados para isso do que os pa\u00edses em desenvolvimento, n\u00e3o partilham desse mesmo esfor\u00e7o. Para isso estamos iniciando duas confer\u00eancias de meio ambiente, uma delas reunindo a pr\u00f3xima gera\u00e7\u00e3o, os cidad\u00e3os do futuro.<\/p>\n\n\n\n

Para encerrar: uma vis\u00e3o do futuro. S\u00f3 conseguiremos enfrentar e vencer as dificuldades que a realidade nos apresenta se o nosso sonho for mais forte do que esta realidade. E a Hist\u00f3ria est\u00e1 cheia de sonhadores que ousaram fazer com que seus sonhos fossem mais fortes e maiores que a realidade: Martin Luther King, Ghandi, Chico Mendes, Mandela, Jos\u00e9 do Egito. Foi com esses sonhos e por esses sonhos que deram o melhor de suas vidas, realizando neles os mais belos exemplos da Hist\u00f3ria. Como que mostrando aos realistas que, se existe uma realidade a ser aceita, \u00e9 o fato de que sempre foram os sonhadores que mudaram e preservaram o que h\u00e1 de melhor em todo o mundo, em todos os momentos.<\/p>\n\n\n\n

Marina Silva – Ministra do Meio Ambiente<\/em>\n<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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