{"id":87,"date":"2009-02-09T10:40:27","date_gmt":"2009-02-09T10:40:27","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:32:31","modified_gmt":"2021-07-10T23:32:31","slug":"os_pulsos_de_inundacao_e_o_rio_taquari","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/agua\/artigos_agua_doce\/os_pulsos_de_inundacao_e_o_rio_taquari.html","title":{"rendered":"Os Pulsos de inunda\u00e7\u00e3o e o Rio Taquari"},"content":{"rendered":"\n

O ir e o vir das \u00e1guas no Pantanal, ou seja, a enchente e a seca, conhecido cientificamente como pulso de inunda\u00e7\u00e3o \u00e9 o processo ecol\u00f3gico essencial, ou o fator chave que comanda a riqueza, a diversidade e a abund\u00e2ncia de vida no Pantanal. <\/p>\n\n\n\n

Por muitos anos, os cientistas que estudaram o funcionamento da Amaz\u00f4nia procuraram desenvolver a teoria dos pulsos de inunda\u00e7\u00e3o, mostrando que era o processo que comandava a riqueza e diversidade de vida nos ambientes inund\u00e1veis da regi\u00e3o. O que faltava era a contraprova. <\/p>\n\n\n\n

Infelizmente, essa contraprova foi encontrada no Pantanal, mais especificamente no rio Taquari. Por todo um processo de ocupa\u00e7\u00e3o humana, aliada a sua hist\u00f3ria geol\u00f3gica, o rio Taquari \u00e9 naturalmente suscet\u00edvel ao assoreamento e teve esse processo acelerado nas \u00faltimas d\u00e9cadas, como mostram os estudos realizados pelos pesquisadores da Embrapa Pantanal. As conseq\u00fc\u00eancias s\u00e3o de conhecimento de todos. Uma enorme \u00e1rea, estimada em 11.000 km2, passou a ficar permanentemente alagada na plan\u00edcie pantaneira, inviabilizando a atividade econ\u00f4mica tradicional de pecu\u00e1ria extensiva. Ao mesmo tempo, foi observada uma redu\u00e7\u00e3o da produ\u00e7\u00e3o pesqueira na bacia, como mostram os dados comparativos de estat\u00edsticas de pesca existentes. Se nos anos em que o INAMB (Instituto de Preserva\u00e7\u00e3o e Controle Ambiental) coletou informa\u00e7\u00f5es, de 1979 a 1983, a captura de peixes era, em m\u00e9dia, de 485 toneladas ao ano, a partir do ano de 1994, quando foi implantando o Sistema de Controle de Pesca de Mato Grosso do Sul, a m\u00e9dia observada tem sido ao redor de 62 toneladas ao ano, ou seja, cerca de 7 vezes inferior aos anos anteriores. Nesse rio, a situa\u00e7\u00e3o ainda \u00e9 agravada por toda uma cultura de pesca predat\u00f3ria que \u00e9 mais intensa na \u00e9poca da reprodu\u00e7\u00e3o, comprometendo ainda mais a reposi\u00e7\u00e3o dos estoques.<\/p>\n\n\n\n

\"q\"\/<\/figure>\n\n\n\n
A hist\u00f3ria da ocupa\u00e7\u00e3o do baixo Taquari mostra toda uma conviv\u00eancia com o rio, na medida em que, ao amea\u00e7ar romper suas margens e inundar os campos laterais, os fazendeiros faziam todo um trabalho de manuten\u00e7\u00e3o de barrancas e mesmo de fechamento desses arrombamentos quando os mesmos aconteciam. Neste contexto de eros\u00e3o acelerada nos planaltos e assoreamento em igual propor\u00e7\u00e3o na plan\u00edcie, os fazendeiros tentaram manter os m\u00e9todos tradicionais de conten\u00e7\u00e3o de alagamento, mas foram impedidos pela Promotoria de Justi\u00e7a do Meio Ambiente, atrav\u00e9s da alega\u00e7\u00e3o dos pescadores que responsabilizavam a redu\u00e7\u00e3o da produ\u00e7\u00e3o pesqueira ao fechamento dos arrombamentos e procuravam formar novos arrombados na esperan\u00e7a de ver o retorno do peixe, pois a cren\u00e7a \u00e9 que onde \u201ch\u00e1 \u00e1gua, h\u00e1 peixe\u201d. Assim, encontram-se hoje 11.000 km2 permanentemente alagados e nem por isso houve aumento na produ\u00e7\u00e3o pesqueira, muito pelo contr\u00e1rio, a redu\u00e7\u00e3o continua.<\/div>\n\n\n\n

Na atualidade, o rio extravasa quase a metade de suas \u00e1guas pela margem direita, atrav\u00e9s do arrombado do Caronal e a outra metade, pelo arrombado do Z\u00e9 da Costa, e neste caso, inundando as \u00fanicas col\u00f4nias de pequenos produtores existentes no Pantanal, como S\u00e3o Domingos, Cedro, Miquelina, Bracinho e Rio Negro, cujos habitantes em sua maioria, encontram-se hoje na periferia de Corumb\u00e1 e Lad\u00e1rio, no aguardo de programas de reassentamento do Governo Federal. Existem ainda pequenos arrombamentos na margem esquerda do rio. <\/p>\n\n\n\n

Assim fica manifesto o interesse conflitante entre os pescadores e os fazendeiros e pequenos produtores, cada um deles responsabilizando o outro pelos problemas econ\u00f4micos e sociais na bacia e a pesquisa procurando a resposta para as quest\u00f5es expostas. Evidente, no contexto, que a causa principal est\u00e1 na ocupa\u00e7\u00e3o desordenada da parte alta da bacia, mas as solu\u00e7\u00f5es para o impasse n\u00e3o s\u00e3o t\u00e3o evidentes, a menos que se entenda o funcionamento desses tipos de ambientes inund\u00e1veis. O projeto ANA\/GEF\/PNUMA\/OEA forneceu os recursos financeiros para que se iniciasse uma pesquisa mais detalhada sobre a biologia e ecologia dos peixes e das atividades econ\u00f4micas ligadas \u00e0 pesca na bacia, o que nos propiciou condi\u00e7\u00f5es para o entendimento dos processos ecol\u00f3gicos que comandam os ambientes inund\u00e1veis como \u00e9 o caso desse rio, com sua plan\u00edcie de inunda\u00e7\u00e3o. Ao mesmo tempo, estudos desenvolvidos no rio Cuiab\u00e1, na Reserva Particular de Patrim\u00f4nio Natural do SESC Pantanal, \u00e1rea protegida de mais de 106.000 hectares, possibilitaram o entendimento dos processos ecol\u00f3gicos essenciais que comandam o funcionamento de rios com plan\u00edcies de inunda\u00e7\u00e3o e particularmente a produ\u00e7\u00e3o pesqueira, que s\u00e3o os pulsos de inunda\u00e7\u00e3o, ou o ir e vir das \u00e1guas, ou ainda a enchente, cheia, vazante e seca.<\/p>\n\n\n\n

Como funciona o pulso de inunda\u00e7\u00e3o? Como isso faz com que a produ\u00e7\u00e3o pesqueira seja abundante, mesmo em rios com \u00e1guas pobres em nutrientes como a maioria dos rios que drenam o Pantanal? <\/p>\n\n\n\n

No processo da enchente\/cheia, as \u00e1reas inundadas tem a sua vegeta\u00e7\u00e3o alagada, onde parte morre e se decomp\u00f5e, formando os detritos org\u00e2nicos, fonte de alimento dos peixes detrit\u00edvoros como curimbat\u00e1s e sairus (muito abundantes em rios com \u00e1reas inund\u00e1veis); parte funciona como substrato\/filtro que ret\u00e9m os sedimentos e mat\u00e9ria org\u00e2nica dissolvida, servindo como substrato para desenvolvimento de algas e microorganismos animais (bact\u00e9rias, tecamebas, etc.) e finalmente um terceiro estrato, a vegeta\u00e7\u00e3o terrestre alagada que fornece alimento aos peixes na forma de flores, frutos e sementes. A inunda\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m propicia o desenvolvimento de grandes massas de vegeta\u00e7\u00e3o aqu\u00e1tica e, associadas a elas, ricas comunidades de insetos aqu\u00e1ticos que servem de alimento aos peixes. Assim, a inunda\u00e7\u00e3o propicia ricas fontes alimentares para peixes detrit\u00edvoros, herb\u00edvoros, inset\u00edvoros e on\u00edvoros que s\u00e3o a base da cadeia alimentar dos peixes carn\u00edvoros e de outras esp\u00e9cies animais que as consomem como aves aqu\u00e1ticas, jacar\u00e9s, lontras e ariranhas. <\/p>\n\n\n\n

Na fase seca, h\u00e1 novamente todo o crescimento da vegeta\u00e7\u00e3o terrestre nas \u00e1reas anteriormente alagadas, fertilizadas parcialmente no processo de inunda\u00e7\u00e3o e parcialmente, pela decomposi\u00e7\u00e3o da vegeta\u00e7\u00e3o aqu\u00e1tica da fase anterior. Dessa forma, o sistema consegue incorporar e aproveitar mat\u00e9ria org\u00e2nica de forma muito eficiente, explicando a riqueza e diversidade dos rios com plan\u00edcies inund\u00e1veis. <\/p>\n\n\n\n

No rio Taquari, devido ao assoreamento do seu leito, a plan\u00edcie de inunda\u00e7\u00e3o adjacente perdeu os pulsos de inunda\u00e7\u00e3o e com isso, as contribui\u00e7\u00f5es das altern\u00e2ncias das fases terrestres e aqu\u00e1ticas e extensas \u00e1reas permanentemente inundadas passaram a funcionar ecologicamente como lagos oligotr\u00f3ficos pobres em nutrientes. Como conseq\u00fc\u00eancia, a produ\u00e7\u00e3o de peixes herb\u00edvoros, detrit\u00edvoros e on\u00edvoros est\u00e1 se reduzindo gradualmente. Esp\u00e9cies detrit\u00edvoras como curimbat\u00e1s e sairus s\u00e3o capturadas em pequena quantidade, em contraposi\u00e7\u00e3o ao rio Cuiab\u00e1, na \u00e1rea da RPPN SESC Pantanal, onde a produ\u00e7\u00e3o desses peixes \u00e9 muito grande. Mesmo esp\u00e9cies herb\u00edvoras como pacu-pevas, embora sejam relativamente abundantes, alimentam-se de algas filamentosas em substitui\u00e7\u00e3o a plantas terrestres e aqu\u00e1ticas normalmente ingeridas em ambientes onde os pulsos de inunda\u00e7\u00e3o est\u00e3o atuantes. Os ximbor\u00e9s, herb\u00edvoros e os curimbat\u00e1s, detrit\u00edvoros, s\u00e3o encontrados no arrombado do Caronal, apenas nas \u00e1reas onde ainda ocorre pequena oscila\u00e7\u00e3o de fase terrestre com fase inundada.<\/p>\n\n\n\n

Fazendo uma analogia, enquanto o cora\u00e7\u00e3o pulsa, a vida se mant\u00e9m. Quando o cora\u00e7\u00e3o para, a vida se acaba. Do mesmo modo, a inunda\u00e7\u00e3o pulsa e a vida no Pantanal continua. Se a inunda\u00e7\u00e3o parar de pulsar, isto \u00e9, encher na cheia e secar na seca, o Pantanal tamb\u00e9m ir\u00e1 morrer. Deixar\u00e1 de existir como \u00e9 hoje e se transformar\u00e1 em alguma outra coisa que certamente ser\u00e1 muito diferente e muito mais pobre, particularmente em peixes e de todas as outras esp\u00e9cies animais que dependem deles para sua sobreviv\u00eancia. <\/p>\n\n\n\n

\u00c9 triste que confirmemos a teoria dos pulsos de inunda\u00e7\u00e3o, como processo ecol\u00f3gico essencial que comanda os rios com plan\u00edcies inund\u00e1veis, pelas conseq\u00fc\u00eancias observadas no rio Taquari.<\/p>\n\n\n\n

Por Emiko Kawakami de Resende (emiko@cpap.embrapa.br)- bi\u00f3loga, doutora em ci\u00eancias. Atualmente \u00e9 Chefe Geral da Embrapa Pantanal, Corumb\u00e1, MS.<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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