{"id":594,"date":"2008-12-17T16:37:39","date_gmt":"2008-12-17T16:37:39","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:35:54","modified_gmt":"2021-07-10T23:35:54","slug":"biopirataria_i","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/biotecnologia\/artigos_de_biotecnologia\/biopirataria_i.html","title":{"rendered":"Biopirataria I"},"content":{"rendered":"\n

Entre os ingredientes ativos mais importantes para a farmacologia, 70% derivam da biodiversidade ou foram inspirados em subst\u00e2ncias naturais. O que nos faz refletir nas centenas de bilh\u00f5es de d\u00f3lares de vendas anuais de medicamentos, uma boa medida do patrim\u00f4nio contido na biodiversidade. Se lembrarmos que 25% da biodiversidade mundial localiza-se no Brasil, percebe-se a riqueza entesourada nas matas, nos rios e nos p\u00e2ntanos brasileiros.<\/p>\n\n\n\n

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Riqueza potencial<\/p>\n\n\n\n

O IPEA estima o valor da biodiversidade brasileira em US$ 2 trilh\u00f5es (quatro PIBs nacionais). Entretanto, de que vale esse potencial se n\u00e3o pudermos transform\u00e1-lo em benef\u00edcios \u00e0 Humanidade, com retornos aos detentores da biodiversidade? Em especial, como vamos remunerar o conhecimento acumulado ao longo de mil\u00eanios nas comunidades da floresta e nas tribos ind\u00edgenas? Como vamos proteger a propriedade intelectual do paj\u00e9 cujo cromat\u00f3grafo \u00e9 um caldeir\u00e3o e que, mesmo assim, desenvolveu tecnologia que hoje \u00e9 expropriada, sem escr\u00fapulos, por multinacionais?<\/p>\n\n\n\n

 
Conhecimento pirateado<\/p>\n\n\n\n

Descrever todos os casos j\u00e1 registrados de biopirataria seria enfadonho, portanto restringir-me-ei a alguns exemplos. Lembro o quanto povoava a minha fantasia infantil um veneno poderoso, que os \u00edndios colocavam na ponta de suas flechas e que equivalia \u00e0 sua bomba at\u00f4mica, tamanho seu poderio e o medo que inspirava nos inimigos. O veneno se chama curare e \u00e9 at\u00e9 hoje utilizado pelos \u00edndios. N\u00e3o apenas como veneno, por\u00e9m como componente de sua farmacop\u00e9ia. Ocorre que uma multinacional andou bisbilhotando nas receitas dos paj\u00e9s e o curare foi surrupiado de nossa biodiversidade e de nosso conhecimento milenar, para ser patenteado l\u00e1 fora.<\/p>\n\n\n\n

Venenos e alucin\u00f3genos<\/p>\n\n\n\n

Hoje o curare, travestido de relaxante muscular, engorda o lucro da multinacional. E o que dizer da erva do Santo Daime, planta com compostos alucin\u00f3genos, que atraiu artistas e curiosos para a seita do santo de mesmo nome? Os \u00edndios chamam a planta de \u201caiausca\u201d e j\u00e1 a utilizavam h\u00e1 s\u00e9culos, quando a mesma foi patenteada por outra empresa estrangeira. Hoje, os medicamentos dela derivados s\u00e3o comercializados ao abrigo das leis de patentes dos pa\u00edses ricos, sem que caiba qualquer compensa\u00e7\u00e3o aos verdadeiros descobridores dos seus poderes medicamentosos.
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Falha legal<\/p>\n\n\n\n

As leis de patentes s\u00e3o muito parecidas entre si, independentemente dos pa\u00edses que as exaram, destinando-se \u00e0 prote\u00e7\u00e3o da inova\u00e7\u00e3o gerada nos laborat\u00f3rios industriais. Conhecimentos milenares, se n\u00e3o foram devidamente registrados, preferencialmente em revistas cient\u00edficas de larga circula\u00e7\u00e3o, n\u00e3o s\u00e3o reconhecidos. A lei americana \u00e9 expl\u00edcita ao n\u00e3o reconhecer o conhecimento transmitido atrav\u00e9s de gera\u00e7\u00f5es pela linguagem oral. Isso impede que patentes sejam contestadas com base na prerrogativa de detentores de conhecimento n\u00e3o registrado. Recentemente, a Universidade de Wisconsin solicitou patente para uma subst\u00e2ncia denominada tum\u00e9rica, extra\u00edda de ra\u00edzes de plantas, utilizada secularmente como cicatrizante, em toda a \u00cdndia. A contesta\u00e7\u00e3o hindu n\u00e3o teve acolhida pelo Escrit\u00f3rio de Patentes dos EUA, que exigiu registro escrito de seu uso como medicamento. O que salvou a \u00cdndia foi um de seus livros sagrados (Vedas Upanishads), onde aparecia uma recomenda\u00e7\u00e3o da tum\u00e9rica como cicatrizante, escrita na \u00e9poca do descobrimento do Brasil!<\/p>\n\n\n\n

 
Vi\u00e9s legal<\/p>\n\n\n\n

Quem investe em inova\u00e7\u00f5es tecnol\u00f3gicas sempre \u00e9 muito cioso da prote\u00e7\u00e3o de seus direitos de patentes e de propriedade intelectual. O que faz todo o sentido, sob a \u00f3ptica da rationale econ\u00f4mica. Raciocinando pelo absurdo, caso n\u00e3o houvesse qualquer tipo de prerrogativa diferenciada ou de direitos do obtentor de uma inova\u00e7\u00e3o, n\u00e3o haveria um real est\u00edmulo \u00e0 inova\u00e7\u00e3o. Dessa forma, ficaria prejudicada a medicina, a veterin\u00e1ria, a agricultura, a engenharia, a m\u00fasica e qualquer outra forma de manifesta\u00e7\u00e3o de criatividade, onde fosse imperioso o investimento de risco em inova\u00e7\u00e3o. Por outro lado, n\u00e3o se podem imaginar extremos como a nega\u00e7\u00e3o do conhecimento milenar ou do dom\u00ednio sobre a biodiversidade, sob pena de utilizarmos uma escala de dois pesos e duas medidas, beneficiando os detentores de conhecimento que possuem \u201clobbies\u201d poderosos e os melhores advogados, em detrimento das demais formas de descoberta, dom\u00ednio, uso e apropria\u00e7\u00e3o do conhecimento.<\/p>\n\n\n\n

D\u00e9cio Luiz Gazzoni – Engenheiro Agr\u00f4nomo,
\npesquisador da Embrapa Soja.
\nwww.gazzoni.pop.com.br
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