<\/span><\/div>\n\n\n\nA Am\u00e9rica Latina \u00e9 um dos cen\u00e1rios dessa luta e, desse ponto de vista, n\u00e3o se pode prever que estejamos fora dos roteiros da cobi\u00e7a b\u00e9lica dos grandes conglomerados e governos imperiais no S\u00e9culo 21. Podemos dizer que primeira batalha pela \u00e1gua se deu por aqui, na Bol\u00edvia, quando o Banco Mundial exigiu, para a renova\u00e7\u00e3o de um empr\u00e9stimo de 25 milh\u00f5es de d\u00f3lares, a condi\u00e7\u00e3o de que fossem privatizados os servi\u00e7os de \u00e1gua do pa\u00eds mais pobre da Am\u00e9rica do Sul. Quando foi privatizado o servi\u00e7o h\u00eddrico da cidade de Cochabamba \u00e0 poderosa empresa estadunidense Bechtel, o pre\u00e7o da \u00e1gua aumentou brutalmente j\u00e1 nos dois primeiros meses. Como resposta, dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de Cochabamba para manifestar seu protesto pelo aumento dos pre\u00e7os e os cortes feitos pela empresa com os devedores. O movimento desembocou em uma greve geral que paralisou a cidade, o que obrigou a Bechtel a fazer as malas e fugir da Bol\u00edvia, embora n\u00e3o por muito tempo. Regressou com uma demanda de 25 milh\u00f5es de d\u00f3lares contra o governo boliviano, exigindo o pagamento de indeniza\u00e7\u00f5es por perda de lucros. <\/p>\n\n\n\n
Outras zonas do continente s\u00e3o cen\u00e1rio de lutas similares, entre elas a Argentina, o Uruguai \u2013 em que o povo decidiu em plebiscito simult\u00e2neo \u00e0s elei\u00e7\u00f5es presidenciais impedir qualquer forma de privatiza\u00e7\u00e3o dos servi\u00e7os de \u00e1gua \u2013, o Chile, a Guatemala, o M\u00e9xico, que vivem movimentos similares na Am\u00e9rica Latina. <\/p>\n\n\n\n
Nosso continente vive o paradoxo de desfrutar de grande abund\u00e2ncia de mananciais de \u00e1gua doce \u2013 20% do res\u00edduo l\u00edquido mundial prov\u00eam somente do Amazonas \u2013, nosso territ\u00f3rio abriga quatro dos 25 rios mais caudalosos do mundo \u2013 Amazonas, Paran\u00e1, Orinoco e Magdalena \u2013, al\u00e9m de alguns dos maiores lagos. <\/p>\n\n\n\n
Dever\u00edamos, ent\u00e3o, ter uma das mais elevadas distribui\u00e7\u00f5es de \u00e1gua doce per capita do mundo, mas algumas zonas do continente sofrem secas t\u00e3o duras que 25% do continente \u00e9 considerado \u00e1rido ou semi-\u00e1rido. <\/p>\n\n\n\n
O Brasil \u00e9 o melhor exemplo desse paradoxo, porque temos mais \u00e1gua do que qualquer outro pa\u00eds, dispondo da quinta parte dos recursos de \u00e1gua do planeta, mas enormes zonas est\u00e3o inclu\u00eddas nessas regi\u00f5es \u00e1ridas e semi-\u00e1ridas. Mas, al\u00e9m disso, uma cidade como S\u00e3o Paulo enfrenta racionamento de \u00e1gua, porque seu abastecimento de \u00e1gua depende de fontes que est\u00e3o cada vez mais longe das cidades e o custo do transporte supera a capacidade aquisitiva de uma parte grande de habitantes. <\/p>\n\n\n\n
Os recursos de \u00e1gua doce da Am\u00e9rica Latina sofrem grandes problemas de contamina\u00e7\u00e3o. O pa\u00eds mais contaminado de todo o continente \u00e9 o Brasil, apesar de possuirmos o recorde de recursos de \u00e1gua doce. O Brasil permite a contamina\u00e7\u00e3o qu\u00edmica e industrial maci\u00e7a, da mesma forma que aos derramamentos de merc\u00fario origin\u00e1rios das minas de ouro. S\u00f3 somos superados por algumas regi\u00f5es da Europa do Leste e pela China nos n\u00edveis de contamina\u00e7\u00e3o aqu\u00e1tica. <\/p>\n\n\n\n
A demanda mundial de \u00e1gua doce se duplica a cada 20 anos, a um ritmo duas vezes superior \u00e0 taxa de crescimento da popula\u00e7\u00e3o. Os maiores contaminadores de \u00e1gua s\u00e3o as grandes ind\u00fastrias de alta tecnologia e a agricultura industrial, e n\u00e3o as casas particulares. Os sistemas de irriga\u00e7\u00e3o agr\u00edcola consomem entre 65 e 70% da \u00e1gua, principalmente para produzir alimentos para exporta\u00e7\u00e3o; 20 a 25% s\u00e3o dedicados a fins industriais, entre eles a produ\u00e7\u00e3o de chips de sil\u00edcio de alta tecnologia e, os 10% restantes de \u00e1gua s\u00e3o para uso dom\u00e9stico. Mantendo-se essas tend\u00eancias, a demanda de \u00e1gua superar\u00e1 os recursos terrestres em 56 por cento. <\/p>\n\n\n\n
De olho na crise da \u00e1gua na Am\u00e9rica Latina, muitas empresas privadas europ\u00e9ias buscam assumir os servi\u00e7os de abastecimento p\u00fablico de pa\u00edses da regi\u00e3o, inclu\u00eddo o Brasil. Em geral s\u00e3o filiais locais das tr\u00eas principais corpora\u00e7\u00f5es de servi\u00e7os de \u00e1gua: as empresas francesas Suez e Vivendi e a alem\u00e3 RWE-Thames, que juntas fornecem servi\u00e7os de \u00e1gua corrente e saneamento a 300 milh\u00f5es de clientes em mais de 130 paises do mundo. Seguindo o Uruguai, seria um bom tema para que os brasileiros se pronunciem em plebiscito, antes que a privatiza\u00e7\u00e3o da \u00e1gua seja uma realidade irrevers\u00edvel.<\/p>\n\n\n\n
Por Emir Sader (Cientista pol\u00edtico, jornalista e escritor)
\nFonte: Revista Eco 21, ano XV, N\u00ba 101, mar\u00e7o\/2005.<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"De olho na crise da \u00e1gua na Am\u00e9rica Latina, muitas empresas privadas europ\u00e9ias buscam assumir os servi\u00e7os de abastecimento p\u00fablico de pa\u00edses da regi\u00e3o, inclu\u00eddo o Brasil. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":2,"featured_media":50,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1384],"tags":[923,13],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/49"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=49"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/49\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":5297,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/49\/revisions\/5297"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/50"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=49"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=49"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=49"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}