{"id":2994,"date":"2009-10-13T10:29:33","date_gmt":"2009-10-13T10:29:33","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:00:18","modified_gmt":"2021-07-10T23:00:18","slug":"reivindicacoes_dos_povos_indigenas","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/indios\/artigos\/reivindicacoes_dos_povos_indigenas.html","title":{"rendered":"Reivindica\u00e7\u00f5es dos povos ind\u00edgenas"},"content":{"rendered":"\n

Na Am\u00e9rica Latina o conceito de sociedade multicultural pode aludir a realidades verdadeiramente d\u00edspares. N\u00e3o \u00e9 a mesma coisa pensar no pluralismo cultural de uma cidade como Buenos Aires, e no de Quito, Lima, Quetzaltenango, Oaxaca ou La Paz.<\/p>\n\n\n\n

No primeiro caso, as culturas que ali se desenvolveram t\u00eam uma origem e uma marca predominantemente europ\u00e9ia, e engrandeceram uma identidade crioula para a qual contribu\u00edram as identidades dos imigrantes italianos, espanh\u00f3is, franceses, ingleses e outros, em termos de um alto grau de respeito rec\u00edproco. Pode-se notar que esta identidade foi forjada \u00e0 custa do sacrif\u00edcio das popula\u00e7\u00f5es origin\u00e1rias, de cujas identidades n\u00e3o ficaram nem sequer vest\u00edgios, e da segrega\u00e7\u00e3o de outras popula\u00e7\u00f5es migrantes t\u00e3o importantes como a boliviana ou a paraguaia.<\/p>\n\n\n\n

Por outro lado, o mosaico s\u00f3cio-cultural das outras cidades que mencionei est\u00e1 fortemente impregnado da presen\u00e7a das diferentes coletividades ind\u00edgenas originais, e o di\u00e1logo intercultural – se \u00e9 que se pode falar de algo assim – se deu entre elas e a por\u00e7\u00e3o mesti\u00e7a e\/ou crioula que deteve as principais situa\u00e7\u00f5es do poder local.<\/p>\n\n\n\n

De qualquer maneira, em ambos os casos \u00e9 poss\u00edvel falar de sociedades multiculturais, pois se pode verificar o fato de que coletividades pertencentes a diferentes padr\u00f5es culturais coexistem em seus respectivos \u00e2mbitos territoriais, sejam quais rela\u00e7\u00f5es ocorram entre elas. Independentemente de qu\u00e3o remotos ou recentes sejam suas origens, no contexto das rela\u00e7\u00f5es interculturais cotidianas, em nossas sociedades s\u00e3o reproduzidas as imposi\u00e7\u00f5es, traumas e complexos herdados da hist\u00f3ria.<\/p>\n\n\n\n

No melhor dos casos, a reivindica\u00e7\u00e3o de tra\u00e7os culturais ind\u00edgenas por parte da coletividade mesti\u00e7a ou do calend\u00e1rio oficial de eventos n\u00e3o vai al\u00e9m de se assumir aspectos meramente folcl\u00f3ricos e formais, reproduzindo as rela\u00e7\u00f5es de poder e o etnocentrismo com o qual as na\u00e7\u00f5es latino-americanas projetaram o regime colonial ao se tornarem independentes da metr\u00f3pole.<\/p>\n\n\n\n

Por isso, o conceito de interculturalidade, diferentemente do de multiculturalidade, traz uma carga irrefut\u00e1vel de valores, rela\u00e7\u00f5es e ideologias. Este conceito refere-se ao grau de verticalidade ou horizontalidade do di\u00e1logo e das rela\u00e7\u00f5es entre os povos e suas culturas na dif\u00edcil estrutura\u00e7\u00e3o de nossas sociedades como sociedades plurais, nas quais se reconhece o direito de todos os seus componentes a defender e cultivar suas vis\u00f5es cosmol\u00f3gicas particulares e suas pr\u00f3prias tradi\u00e7\u00f5es sem menosprezo e com total respeito pelas demais.<\/p>\n\n\n\n

As condi\u00e7\u00f5es nas quais se d\u00e3o as rela\u00e7\u00f5es interculturais t\u00eam se traduzido, em geral, na viol\u00eancia contra os povos ind\u00edgenas em suas diversas express\u00f5es: desde os massacres genocidas, o desapre\u00e7o, a marginaliza\u00e7\u00e3o, a limita\u00e7\u00e3o de oportunidades, as agress\u00f5es f\u00edsicas e morais, a explora\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica, o trabalho infantil, a escravid\u00e3o sexual, at\u00e9 a compaix\u00e3o e o paternalismo que negam a dignidade humana e revelam a profunda ignor\u00e2ncia sobre o muito que se tem para aprender das culturas ind\u00edgenas. De fato, as tradi\u00e7\u00f5es comunit\u00e1rias dos povos ind\u00edgenas t\u00eam demonstrado um vigor e uma coer\u00eancia muito superiores n\u00e3o apenas para organizar a conviv\u00eancia social de maneira mais eq\u00fcitativa e solid\u00e1ria, mas tamb\u00e9m para garantir a harmonia entre o homem, sua comunidade e a natureza de uma maneira mais respeitosa e sustent\u00e1vel.<\/p>\n\n\n\n

Por isso, quando pensamos na gest\u00e3o p\u00fablica que deveria corresponder \u00e0s sociedades multiculturais, nossas id\u00e9ias s\u00e3o referentes, primeiramente, \u00e0 necessidade de reconstru\u00ed-las em termos de um equil\u00edbrio de poder mais horizontal e respeitoso; em segundo lugar, ao reconhecimento do importante aporte que nossas culturas, at\u00e9 hoje subjugadas, podem dar para o estabelecimento de melhores condi\u00e7\u00f5es de conv\u00edvio para todos.<\/p>\n\n\n\n

Com respeito ao primeiro aspecto, \u00e9 evidente que n\u00e3o ser\u00e3o as condi\u00e7\u00f5es do mercado nem a in\u00e9rcia das circunst\u00e2ncias atuais que gerar\u00e3o espontaneamente os equil\u00edbrios desejados. Portanto \u00e9 preciso projetar pol\u00edticas p\u00fablicas expressas e consensuais que identifiquem as mudan\u00e7as necess\u00e1rias a curto, m\u00e9dio e longo prazo, identificando as tarefas, as responsabilidades, os atores e os recursos que as tornem poss\u00edveis. Quanto ao segundo, n\u00e3o \u00e9 suficiente s\u00f3 uma abertura por parte das institui\u00e7\u00f5es para reconhecer, compreender e aplicar de maneira criativa os m\u00faltiplos ensinamentos que derivam da vis\u00e3o cosmol\u00f3gica de nossos povos. Em ambos os casos, estamos falando de sistemas de valores que devem ser descobertos e compreendidos positivamente e sem preconceitos.<\/p>\n\n\n\n

Nenhum esfor\u00e7o institucional, por mais importante que seja, ser\u00e1 suficiente se o conjunto da sociedade n\u00e3o assumir este desafio e o tornar realidade. N\u00e3o basta que nos convoquem de tempos em tempos para votar, nem que nos convidem a fazer parte de inst\u00e2ncias ou organismos onde nossa voz se dilui no mar da burocracia. O que faz falta \u00e9 a amplia\u00e7\u00e3o e a qualifica\u00e7\u00e3o dos espa\u00e7os de participa\u00e7\u00e3o e dos mecanismos das democracias latino-americanas. Trata-se de requisitos que hoje s\u00e3o t\u00e3o importantes como a reforma do sistema educacional ou a regulamenta\u00e7\u00e3o dos meios de comunica\u00e7\u00e3o. O denominador comum destas tarefas \u00e9 o conceito de responsabilidade p\u00fablica, em suas dimens\u00f5es institucional e social.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: Revista Eco 21, ano XV, N\u00ba 98, janeiro\/2005.<\/p>\n\n\n\n

Por Rigoberta Mench\u00fa – L\u00edder indigenista, Pr\u00eamio Nobel da Paz (1992) <\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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