{"id":2830,"date":"2009-05-04T12:38:08","date_gmt":"2009-05-04T12:38:08","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:00:30","modified_gmt":"2021-07-10T23:00:30","slug":"a_gestao_dos_parques_nacionais_da_australia_e_da_mata_atlantica","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/unidades_de_conservacao\/artigos_ucs\/a_gestao_dos_parques_nacionais_da_australia_e_da_mata_atlantica.html","title":{"rendered":"A gest\u00e3o dos Parques Nacionais da Austr\u00e1lia e da Mata Atl\u00e2ntica"},"content":{"rendered":"\n

No \u00faltimo dia 3 Dezembro, ap\u00f3s mais de dez anos de discuss\u00f5es, a C\u00e2mara dos Deputados aprovou nova Lei para a Mata Atl\u00e2ntica. Entre outros avan\u00e7os, a Lei protege corredores ecol\u00f3gicos, vegeta\u00e7\u00e3o secund\u00e1ria em estado de regenera\u00e7\u00e3o e bols\u00f5es naturais inseridos em \u00e1reas urbanas. Parece um grande avan\u00e7o que nos permitir\u00e1 salvar a Mata Atl\u00e2ntica da sua completa extin\u00e7\u00e3o. Ao olharmos o papel em que a Lei est\u00e1 impressa, somos tomados por um sentimento de otimismo aliviado.<\/p>\n\n\n\n

Infelizmente, contudo, a nova pe\u00e7a legal acrescenta muito pouco \u00e0 realidade atual da Mata Atl\u00e2ntica.<\/p>\n\n\n\n

De fato, com as leis pr\u00e9-existentes, j\u00e1 era poss\u00edvel proteger a contento esse ecossistema t\u00e3o amea\u00e7ado. Se aplicada, a legisla\u00e7\u00e3o brasileira anterior a 3 de Dezembro de 2003 teria, por si s\u00f3, evitado a redu\u00e7\u00e3o da Mata Atl\u00e2ntica a apenas 7% de sua dimens\u00e3o original. O que nos falta n\u00e3o s\u00e3o leis, nem Planos; nos faltam manejo efetivo e gest\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

No long\u00ednquo ano de 1936, Magalh\u00e3es Correa, autor do livro O Sert\u00e3o Carioca, ao percorrer as matas do ent\u00e3o Distrito Federal, j\u00e1 avisava que a ca\u00e7a e a extra\u00e7\u00e3o de lenha corriam soltas nas Florestas Protetoras da Uni\u00e3o, conhecidas por Pedra Branca, Pretos Forros e Covanca.<\/p>\n\n\n\n

Com efeito, por essa \u00e9poca, era chique abater a fauna das matas cariocas. Na d\u00e9cada de 30, Fortes, zagueiro do Fluminense e da Sele\u00e7\u00e3o Brasileira, era personagem contumaz de cr\u00f4nicas jornal\u00edsticas em suas intr\u00e9pidas ca\u00e7adas na Floresta dos Trapicheiros, na Tijuca. Isso ao arrepio das leis ambientais da \u00e9poca e nas barbas das autoridades federais do Rio de Janeiro, que \u00e0quela altura era a Capital da Rep\u00fablica.<\/p>\n\n\n\n

Tamb\u00e9m as favelas que cresceram (e seguem engordando) \u00e0s expensas da Mata Atl\u00e2ntica da suposta \u201cmaior floresta urbana do mundo\u201d, o fazem apesar da exist\u00eancia de diversos dispositivos legais em contr\u00e1rio.<\/p>\n\n\n\n

H\u00e1 muitos anos j\u00e1 \u00e9 proibido suprimir mata ciliar, poluir corpos d’\u00e1gua, ca\u00e7ar… Mas n\u00e3o se cumprem as leis. No caso da Mata Atl\u00e2ntica, ainda vemos, vez por outra, nos jornais, not\u00edcias de firmas multadas por desmatamento. Menos mal, mas ainda assim \u00e9 p\u00e9ssimo.<\/p>\n\n\n\n

Marc Dourejianni, membro da seccional Brasil da Comiss\u00e3o Mundial de \u00c1reas Protegidas da UICN disse, no \u00faltimo Congresso Brasileiro de Unidades de Conserva\u00e7\u00e3o que \u201cquem trabalha em Parque tem que gostar de andar no mato, dormir no mato, se lanhar no mato\u201d. Falta-nos essa gente.<\/p>\n\n\n\n

O exemplo da Austr\u00e1lia<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Nesse sentido, vale a pena observar como a Austr\u00e1lia protege seus \u00faltimos trechos intactos de floresta pluvial \u00famida, que hoje equivalem a menos de 3% de sua superf\u00edcie primitiva.<\/p>\n\n\n\n

Em primeiro lugar, eles s\u00e3o prioridade absoluta. Ou seja, h\u00e1 uma pol\u00edtica de tentar proteger cada cent\u00edmetro ainda existente de mata tropical \u00famida, n\u00e3o importando a sua dimens\u00e3o. Em conseq\u00fc\u00eancia, h\u00e1 Parques Nacionais de todos os tamanhos; alguns com apenas 30 ha.<\/p>\n\n\n\n

Muitos ambientalistas considerariam um Parque destes liliputiano demais para ser relevante de um ponto de vista da preserva\u00e7\u00e3o. De fato, considerados estritamente sob este aspecto, assim o seria. A pr\u00f3pria UICN recomenda que os Parques tenham, no m\u00ednimo, 1.000 ha; contudo, os Parques diminutos t\u00eam se mostrado muito \u00fateis \u00e0 causa da conserva\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Em alguns casos, a preserva\u00e7\u00e3o, na categoria Parque, de v\u00e1rias pequenas \u00e1reas pr\u00f3ximas umas das outras, ou inseridas em grandes centros urbanos, as transformou em \u00edcones da causa ambiental para os moradores destas cidades, que atrav\u00e9s da visita\u00e7\u00e3o a esses Parques, considerados irrelevantes, passaram a ter um entendimento maior da necessidade de preservar.<\/p>\n\n\n\n

Em outros casos, como o do inicialmente fragmentado Parque Nacional de Crater Lakes em Queensland, a prote\u00e7\u00e3o de v\u00e1rios pequenos bols\u00f5es desconectados, acabou criando as condi\u00e7\u00f5es para que, anos depois, significantes \u00e1reas de uso agro-pastoril fossem desapropriadas de modo a implantar-se um corredor ecol\u00f3gico, por meio de reflorestamento, ligando os diferentes bols\u00f5es e dando relev\u00e2ncia ao Parque como um todo.<\/p>\n\n\n\n

Mais do que proteger nominalmente, contudo, a Austr\u00e1lia assegura o manejo adequado \u00e0s \u00e1reas protegidas. Seja por administra\u00e7\u00e3o direta dos Servi\u00e7os de Parques, seja por meio de subdelega\u00e7\u00e3o \u00e0s diversas municipalidades.<\/p>\n\n\n\n

Enquanto isso, no Brasil, continuamos a claudicar. Recentemente, a candidatura de Rio \u00e0 Patrim\u00f4nio da Humanidade foi rejeitada porque o P\u00e3o de A\u00e7\u00facar carece de prote\u00e7\u00e3o legal adequada.<\/p>\n\n\n\n

Ser\u00e1 que os atributos c\u00eanico-culturais do P\u00e3o de A\u00e7\u00facar n\u00e3o s\u00e3o suficientes para incorpor\u00e1-lo ao Parque Nacional da Tijuca?<\/p>\n\n\n\n

Parece que n\u00e3o! De fato, h\u00e1 vozes em Bras\u00edlia a defender que a pr\u00f3pria Tijuca \u00e9 irrelevante do ponto de vista da conserva\u00e7\u00e3o ambiental. Afinal \u00e9 muito fragmentada, sua mata n\u00e3o \u00e9 prim\u00e1ria, est\u00e1 infestada de esp\u00e9cies ex\u00f3ticas e \u00e9 muito pressionada pelas favelas.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o levam em conta seu valor como \u00edcone de uma causa. Conseq\u00fcentemente, n\u00e3o fazem uso dele. O Corcovado, recentemente reformado, \u00e9 visitado anualmente por 1 milh\u00e3o de turistas. A vasta maioria sobe, admira a est\u00e1tua e desce sem ser informado que est\u00e1 em um Parque Nacional (de Mata Atl\u00e2ntica); n\u00e3o h\u00e1 no Corcovado sinaliza\u00e7\u00e3o ambiental nem educativa reportando o visitante ao fato que ele est\u00e1 em um Parque Nacional (de Mata Atl\u00e2ntica).<\/p>\n\n\n\n

Fosse o Corcovado na Austr\u00e1lia a hist\u00f3ria seria outra. Mas, como dizem os mais s\u00e1bios, \u201co Brasil n\u00e3o tem que copiar modelos estrangeiros; tem \u00e9 que criar os seus\u201d. Vamos esperar que estes modelos sejam criados – e, sobretudo, implementados – antes que a Mata Atl\u00e2ntica esteja completamente extinta.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o temos um Instituto Nacional de Unidades de Conserva\u00e7\u00e3o. Os nossos Parques est\u00e3o relegados a uma divis\u00e3o subordinada a um departamento de um grande Instituto Nacional do Meio Ambiente.<\/p>\n\n\n\n

Bonito, mas pouco efetivo. O exemplo da Serra da Bocaina, segundo maior Parque de Mata Atl\u00e2ntica do Pa\u00eds, \u00e9 sintom\u00e1tico. N\u00e3o h\u00e1 patrulhas efetivas de fiscaliza\u00e7\u00e3o porque o Parque n\u00e3o possui funcion\u00e1rios suficientes para implementar atividades de manejo de fato. A parte m\u00e9dia do Parque, ao redor da \u00e1rea conhecida por \u201cCentral\u201d, tem visto as \u201cro\u00e7as\u201d aumentarem a cada ano.<\/p>\n\n\n\n

O aumento dessa agricultura de subsist\u00eancia corresponde \u00e0 equivalente constru\u00e7\u00e3o de novas levas de moradias todos os anos. \u00c9 mais gente que se aboleta dentro do Parque. No processo, os p\u00e9s de moleque da centen\u00e1ria Estrada do Ouro que liga S\u00e3o Jos\u00e9 do Barreiro e Bananal a Mambucada s\u00e3o arrancados para que se construam os alicerces das novas habita\u00e7\u00f5es. Tudo contra a Lei. Mas como fazer para que a Lei seja cumprida? Multar por desmatamento equivale a prender um homicida. Pune o criminoso, mas n\u00e3o evita o crime. A Mata Atl\u00e2ntica, uma vez suprimida, n\u00e3o regenera ao seu estado original com o dinheiro da multa aplicada.
N\u00e3o temos no Brasil a profiss\u00e3o de guardas-parque. N\u00e3o temos a tradi\u00e7\u00e3o de leis auto-aplic\u00e1veis, de san\u00e7\u00f5es imediatas, como pede a Mata Atl\u00e2ntica. Poder\u00edamos, entretanto, ter um melhor sistema de gest\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

H\u00e1, por exemplo, em v\u00e1rios Estados, batalh\u00f5es ambientais subordinados \u00e0s Pol\u00edcias Militares e aos Bombeiros. As picuinhas pol\u00edticas e as brigas de poder, todavia, os fazem sentar em quart\u00e9is urbanos, desconectados da sua atividade.<\/p>\n\n\n\n

Se quis\u00e9ssemos efetivamente resolver o problema da Mata Atl\u00e2ntica estar\u00edamos aquartelando essa tropa dentro dos Parques Nacionais e Estaduais, colocando-os para fazer o servi\u00e7o de guarda-parque, subordinados aos Diretores dos Parques. Como? Subordinar um policial estadual a um Diretor de Parque Federal? S\u00e3o \u00f3rg\u00e3os diferentes, em esferas de Governo diversas. Imposs\u00edvel!<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 dif\u00edcil combater a realidade da burocracia brasileira. Executar as normas e gerir os parques \u00e9 muito complicado. Legislar \u00e9 mais f\u00e1cil. Bem-vinda seja a nova Lei da Mata Atl\u00e2ntica. Melhor que ela seria, contudo, a vontade pol\u00edtica de faz\u00ea-la cumprir.<\/p>\n\n\n\n

O Brasil assumiu internacionalmente o compromisso de proteger 10% de cada um dos biomas que ocorrem no territ\u00f3rio nacional. No caso da Mata Atl\u00e2ntica, da qual s\u00f3 sobram 7% da sua superf\u00edcie original, esse compromisso se traduz em proteger todos os seus remanescentes.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: Revista Eco 21, Ano XIV, Edi\u00e7\u00e3o 87, Fevereiro 2004. (www.eco21.com.br)
\nPedro da Cunha e Menezes – Ambientalista, escritor e diplomata<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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