{"id":2820,"date":"2009-04-30T15:09:58","date_gmt":"2009-04-30T15:09:58","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:00:31","modified_gmt":"2021-07-10T23:00:31","slug":"montanhismo_consciente","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/unidades_de_conservacao\/artigos_ucs\/montanhismo_consciente.html","title":{"rendered":"Montanhismo consciente"},"content":{"rendered":"\n

A primeira pessoa a pisar no topo do P\u00e3o de A\u00e7\u00facar, uma rocha de 600 milh\u00f5es de anos que se projeta a 396 metros de altura na boca da ba\u00eda da Guanabara, foi a inglesa Henrietta Carstairs, em 1817. Para consagrar sua fa\u00e7anha, Henrietta achou por bem cravar uma bandeira da Inglaterra no cume. O gesto enfureceu os alunos da Escola Militar que havia na \u00e9poca na base do Morro da Urca. Poucas semanas depois, os cadetes subiram pelo mesmo caminho e trocaram a bandeira pela de nossa metr\u00f3pole, Portugal.<\/p>\n\n\n\n

De l\u00e1 pra c\u00e1 milhares de brasileiros e estrangeiros lan\u00e7aram-se nas encostas do Complexo da Urca (formado, al\u00e9m do P\u00e3o de A\u00e7\u00facar, pelos morros da Babil\u00f4nia e da Urca) em busca de aventura e reconhecimento. Hoje, gra\u00e7as \u00e0 variedade de vias e estilos que oferece, a Urca \u00e9 um dos principais centros de escalada do mundo. Na alta temporada, que vai de maio a agosto, falta espa\u00e7o nas paredes para tanto escalador. \u00c0s vezes eles s\u00e3o 500 de uma vez nas quase 300 vias de escalada, muitas batizadas pelos conquistadores com nomes curiosos: \u00c1cido L\u00e1tico, Lagart\u00e3o, P\u00e1ssaros de Fogo, Cavalo Louco, Urubu Capenga, Cabe\u00e7a Oca, Caixinha de Surpresas, Tiro no Escuro…<\/p>\n\n\n\n

Tamanha notoriedade acabou gerando danos ambientais que v\u00eam comprometendo a biodiversidade local. O impacto recai com mais for\u00e7a na flora. Brom\u00e9lias e orqu\u00eddeas, algumas de esp\u00e9cies raras e que s\u00f3 ocorrem na regi\u00e3o, v\u00eam sofrendo com o uso excessivo das trilhas e com a abertura de novas vias nos pared\u00f5es. Para dar seguran\u00e7a nos trechos, uma s\u00e9rie de pinos de a\u00e7o, chamados de grampos, s\u00e3o fixados na pedra. Al\u00e9m de acentuar a deteriora\u00e7\u00e3o da rocha, os grampos, se colocados em grande quantidade, tamb\u00e9m geram uma polui\u00e7\u00e3o visual indesej\u00e1vel.<\/p>\n\n\n\n

Os pioneiros iniciaram as conquistas sistem\u00e1ticas nas primeiras d\u00e9cadas do s\u00e9culo XX. A t\u00e9cnica utilizada ent\u00e3o n\u00e3o levava em considera\u00e7\u00e3o o impacto ambiental. N\u00e3o por uma falta de cuidado dos antigos: simplesmente n\u00e3o se pensava em Ecologia naqueles tempos. A retirada da vegeta\u00e7\u00e3o, o corte de \u00e1rvores para servir de \u201cescada\u201d e o grampeamento em larga escala eram as pr\u00e1ticas vigentes. \u201cN\u00f3s at\u00e9 t\u00ednhamos uma consci\u00eancia ecol\u00f3gica. Ningu\u00e9m podia fumar na pedra e lev\u00e1vamos sempre o nosso lixo de volta\u201d, diz o escalador Tadeusz Hollup, que ainda hoje, aos 75 anos, continua em atividade. \u201cO material era muito prec\u00e1rio, us\u00e1vamos cordas de sisal e c\u00e2nhamo. Nos p\u00e9s us\u00e1vamos coturnos adaptados com tachas, que cham\u00e1vamos de bota cardada. Era imposs\u00edvel subir sem os grampos\u201d, explica Hollup, que viveu o que ele chama das tr\u00eas fases do montanhismo no Brasil: o pioneirismo dos anos 40, a explos\u00e3o da pr\u00e1tica nas d\u00e9cadas de 70 e 80, e a fase atual, em que a preocupa\u00e7\u00e3o ambiental se consolidou entre a maioria dos praticantes.<\/p>\n\n\n\n

SOS Urc<\/strong>a – Mesmo com a mudan\u00e7a de atitude, a regi\u00e3o do P\u00e3o de A\u00e7\u00facar ainda sofre com a presen\u00e7a excessiva de visitantes. Principalmente na trilha que leva ao Morro da Urca (primeira parada do bondinho), utilizada at\u00e9 por crian\u00e7as, tamanha a facilidade de acesso. \u201cO estado atual da trilha \u00e9 preocupante. Utilizada acima de sua capacidade e sem um planejamento de tra\u00e7ado, se nada fosse feito, em breve ter\u00edamos um processo degradante irrevers\u00edvel\u201d, diz Bernardo Collares, presidente da Federa\u00e7\u00e3o dos Esportes de Montanha do Estado do Rio (Femerj).<\/p>\n\n\n\n

Cansada de esperar por uma atua\u00e7\u00e3o mais forte do poder p\u00fablico, a Femerj decidiu criar um grupo de trabalho chamado SOS Urca. O t\u00edtulo j\u00e1 diz tudo, \u00e9 preciso salvar a Urca. O grupo vem realizando, desde 2002, uma s\u00e9rie de atividades de recupera\u00e7\u00e3o e preserva\u00e7\u00e3o da regi\u00e3o. Retirada do capim invasivo (coloni\u00e3o), replantio de esp\u00e9cies nativas, mutir\u00f5es de limpeza, fechamento de atalhos, recupera\u00e7\u00e3o das trilhas e a coloca\u00e7\u00e3o em pr\u00e1tica da conduta de M\u00ednimo Impacto s\u00e3o as principais a\u00e7\u00f5es do SOS Urca.<\/p>\n\n\n\n

At\u00e9 mesmo pr\u00e1ticas que podem parecer inofensivas, como dar frutas para os micos, podem gerar um impacto nocivo. \u201cOs micos n\u00e3o s\u00e3o naturais dessa regi\u00e3o, foram trazidos do nordeste. Com a fartura de alimentos eles se reproduziram demais e v\u00eam destruindo a flora e a fauna\u201d, alerta Juliana Fell, coordenadora do SOS Urca. Segundo ela, ninhos de passarinho t\u00eam sido atacados pelos micos em busca dos ovos.<\/p>\n\n\n\n

\"q\"\/<\/figure>\n\n\n\n
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\u201cConseguimos unir nesta a\u00e7\u00e3o junto com a Femerj representantes do Ex\u00e9rcito e da empresa que administra o bondinho e agora temos que trazer tamb\u00e9m o poder p\u00fablico municipal\u201d, diz Juliana. A pr\u00f3xima meta do grupo \u00e9 recuperar a trilha do Morro da Urca. Toras de eucalipto ser\u00e3o utilizadas para conter a eros\u00e3o e delimitar o caminho a ser seguido, evitando assim o alargamento ainda maior da trilha e garantindo um aproveitamento melhor das curvas de n\u00edvel, que ajudam a diminuir a inclina\u00e7\u00e3o da subida. \u201cO caminho foi aberto sem planejamento. Hoje as pessoas se agarram na vegeta\u00e7\u00e3o para auxiliar na subida e isso vem gerando um impacto terr\u00edvel, que piora com a eros\u00e3o, provocando deslizamento at\u00e9 de grandes \u00e1rvores\u201d, afirma Juliana que, assim como todos os outros envolvidos, trabalha voluntariamente no projeto. \u201cHoje o assunto meio ambiente j\u00e1 \u00e9 bem-vindo, n\u00e3o somos mais vistos como \u2018eco-chatos\u2019, a popula\u00e7\u00e3o aplaude sempre que nos v\u00ea trabalhando nas atividades de reflorestamento e pergunta como pode participar\u201d, conclui.<\/p>\n\n\n\n

Outra entidade preocupada com a preserva\u00e7\u00e3o do Complexo da Urca \u00e9 a ONG Grupo de A\u00e7\u00e3o Ecol\u00f3gica (GAE). Andr\u00e9 Ilha, um dos fundadores, tenta h\u00e1 mais de 10 anos que a regi\u00e3o seja declarada como Parque Natural Municipal. \u201cVivemos uma situa\u00e7\u00e3o no m\u00ednimo curiosa. A Urca \u00e9 ao mesmo tempo \u00f3rf\u00e3 e disputada entre diferentes pais\u201d, diz Andr\u00e9. Uni\u00e3o, Munic\u00edpio e Ex\u00e9rcito t\u00eam se declarado sucessivamente respons\u00e1veis pela \u00e1rea. Segundo Ilha, a situa\u00e7\u00e3o j\u00e1 esteve pior. \u201cTivemos aqui uma favela e depois um inc\u00eandio. Do ponto de vista geral, est\u00e1 melhor que h\u00e1 30 anos, mas em locais como o Morro da Urca o estado \u00e9 cr\u00edtico\u201d, alerta Andr\u00e9.<\/p>\n\n\n\n

Na Justi\u00e7a<\/strong> – A paix\u00e3o do montanhista pelo seu local de exerc\u00edcio \u00e9 t\u00e3o grande que pode levar uma diverg\u00eancia para os tribunais de justi\u00e7a. Em 1989, dois experientes montanhistas, M\u00e1rio Arnaud e Roberto Groba, resolveram abrir uma nova via de escalada no P\u00e3o de A\u00e7\u00facar. Ao comunicarem sua inten\u00e7\u00e3o aos colegas, a dupla passou a receber uma saraivada de cr\u00edticas, abaixo-assinados e apelos para que n\u00e3o seguissem adiante. Segundo os opositores, entre eles o GAE, a Associa\u00e7\u00e3o de Moradores da Urca e at\u00e9 o Centro Excursionista Petropolitano, a via iria atravessar uma \u00e1rea de esp\u00e9cies end\u00eamicas de brom\u00e9lias e orqu\u00eddeas.<\/p>\n\n\n\n

Sem uma solu\u00e7\u00e3o consensual, o assunto foi parar na Justi\u00e7a. Arnaud e Groba acabaram sofrendo uma a\u00e7\u00e3o civil p\u00fablica. Segundo o defensor p\u00fablico que atuou na acusa\u00e7\u00e3o, Elton Leme, coincidentemente um especialista em brom\u00e9lias h\u00e1 mais de 30 anos, a face sul escolhida era particularmente rica em flora j\u00e1 que recebia menos sol, deixando-a com mais umidade para a vegeta\u00e7\u00e3o. \u201cAli temos esp\u00e9cies raras de brom\u00e9lias como a Vriesea botafoguensis, isso sem contar que os ecossistemas em cost\u00f5es rochosos s\u00e3o extremamente fr\u00e1geis\u201d, argumenta. Atuando hoje como juiz de direito, Leme afirma que ser\u00e1 preciso mais de um s\u00e9culo para que a vegeta\u00e7\u00e3o se recupere naquela regi\u00e3o. \u201cCondutas que se praticavam no passado n\u00e3o cabem mais na atualidade. A abertura daquela via n\u00e3o se justificava\u201d, diz.<\/p>\n\n\n\n

\u201cN\u00e3o houve um impacto na vegeta\u00e7\u00e3o, n\u00f3s procur\u00e1vamos sempre a rocha livre\u201d, defende-se Roberto Groba. \u201cSe qualquer retirada de vegeta\u00e7\u00e3o fosse gerar um processo igual, ter\u00edamos que acabar com o esporte no Rio\u201d, desabafa. A justi\u00e7a, no entanto, decidiu pela condena\u00e7\u00e3o de Arnaud e Groba e imp\u00f4s como pena a recupera\u00e7\u00e3o da \u00e1rea, que at\u00e9 hoje permanece parcialmente grampeada. Vale lembrar que a Lei de Crimes Ambientais s\u00f3 viria a ser promulgada em 1998, o que livrou os escaladores de uma a\u00e7\u00e3o criminal. Elton Leme acredita que a repercuss\u00e3o do caso acabou gerando um impacto positivo na comunidade de montanhistas. \u201cAcho que o pessoal ficou mais cuidadoso\u201d, conclui.<\/p>\n\n\n\n

Conduta consciente<\/strong> – H\u00e1 novidades no front. Um novo tipo de pr\u00e1tica vem sendo adotada, n\u00e3o s\u00f3 entre montanhistas, mas em todas as atividades de aventura e ecoturismo: a conduta de m\u00ednimo impacto.<\/p>\n\n\n\n

O conceito inspirou a realiza\u00e7\u00e3o, em fevereiro de 2002, do I Semin\u00e1rio sobre M\u00ednimo Impacto em Paredes. No encontro foi produzido um documento com diversas recomenda\u00e7\u00f5es sobre a quest\u00e3o ambiental, disseminadas desde ent\u00e3o nos cursos oferecidos pelos clubes de montanhismo. Fl\u00e1vio de Aguiar, instrutor h\u00e1 10 anos do Clube Excursionista Light, \u00e9 um dos que difundem entre seus alunos os pilares do M\u00ednimo Impacto. \u201cS\u00e3o oito princ\u00edpios muito f\u00e1ceis de seguir e que, se respeitados, v\u00e3o garantir para as gera\u00e7\u00f5es futuras o mesmo prazer que n\u00f3s temos hoje ao nos depararmos com um ambiente preservado\u201d explica Fl\u00e1vio. Planejamento, seguran\u00e7a, preserva\u00e7\u00e3o, limpeza e respeito s\u00e3o os conceitos-chave que regem o m\u00ednimo impacto . \u201cDevemos lembrar sempre que n\u00f3s somos visita no ambiente natural, e assim devemos nos comportar\u201d, conclui Aguiar.<\/p>\n\n\n\n

O crescimento da consci\u00eancia ecol\u00f3gica \u00e9 um bom sinal, mostra que o homem vem tentando se reconectar com a natureza. No entanto, os ecossistemas s\u00e3o estruturas muito mais fr\u00e1geis do que imaginamos. Cabe a cada um de n\u00f3s cuidar para que as riquezas naturais sejam preservadas, assim como cabe \u00e0queles que exploram comercialmente as atividades de ecoturismo, uma responsabilidade educacional para com seu p\u00fablico. E por fim, devemos aprender com as escorregadas e derrapadas do passado e corrigir o rumo, deixando para tr\u00e1s apenas as nossas pegadas.<\/p>\n\n\n\n

Por Carlos Andr\u00e9 Ferreira
\nFonte: www.oeco.com.br<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Hoje, gra\u00e7as \u00e0 variedade de vias e estilos que oferece, a Urca \u00e9 um dos principais centros de escalada do mundo. Na alta temporada, que vai de maio a agosto, falta espa\u00e7o nas paredes para tanto escalador. \u00c0s vezes eles s\u00e3o 500 de uma vez nas quase 300 vias de escalada, muitas batizadas pelos conquistadores com nomes curiosos: \u00c1cido L\u00e1tico, Lagart\u00e3o, P\u00e1ssaros de Fogo, Cavalo Louco, Urubu Capenga, Cabe\u00e7a Oca, Caixinha de Surpresas, Tiro no Escuro… <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":2,"featured_media":2821,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1580],"tags":[102,333],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/2820"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=2820"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/2820\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":4072,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/2820\/revisions\/4072"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/2821"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=2820"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=2820"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=2820"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}