{"id":2518,"date":"2009-04-03T13:13:43","date_gmt":"2009-04-03T13:13:43","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:01:55","modified_gmt":"2021-07-10T23:01:55","slug":"agricultura_migratoria_uma_tradicao_na_mata_atlantica","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/agropecuario\/artigo_agropecuario\/agricultura_migratoria_uma_tradicao_na_mata_atlantica.html","title":{"rendered":"Agricultura Migrat\u00f3ria: uma tradi\u00e7\u00e3o na Mata Atl\u00e2ntica"},"content":{"rendered":"\n

O modelo de agricultura migrat\u00f3ria, ou seja, aquela que alterna em uma mesma \u00e1rea per\u00edodos de cultivo (2-4 anos) e per\u00edodos de pousio florestal (3-7 anos), pode trazer uma economia de 540 reais em adubos por hectare. Este \u00e9 um dos resultados da pesquisa realizada durante tr\u00eas anos na Regi\u00e3o Serrana do Rio de Janeiro pela Embrapa Agrobiologia (Serop\u00e9dica\/RJ) em parceria com a Embrapa Solos, com a UFRural\/RJ e com a Rede Brasileira de Agroflorestas (REBRAF).<\/p>\n\n\n\n

A agricultura migrat\u00f3ria \u00e9 uma pr\u00e1tica comum no Brasil. Conhecida como agricultura cai\u00e7ara ou coivara ou de pousio, foi muito praticada pelos \u00edndios e ainda apresenta adeptos em comunidades mais tradicionais, como comunidades ribeirinhas da Amaz\u00f4nia, pescadores da Ilha Grande-RJ e algumas \u00e1reas da regi\u00e3o serrana do Estado do Rio de Janeiro. As regi\u00f5es onde normalmente esta pr\u00e1tica \u00e9 realizada se restringe a situa\u00e7\u00f5es onde existe mata em abund\u00e2ncia, gerando muitas fontes de prop\u00e1gulos (sementes e mudas) de esp\u00e9cies florestais.<\/p>\n\n\n\n

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Somente desta forma, logo assim que estas \u00e1reas t\u00eam a atividade agr\u00edcola interrompida, a vegeta\u00e7\u00e3o de mata come\u00e7a a se restabelecer. Em situa\u00e7\u00f5es onde n\u00e3o h\u00e1 esta grande presen\u00e7a de floresta j\u00e1 formada, \u00e9 imposs\u00edvel estabelecer a agricultura migrat\u00f3ria.<\/p>\n\n\n\n

Com o Decreto n\u00ba 750, de 10\/02\/93 a atividade de agricultura migrat\u00f3ria das comunidades tradicionais ficou amea\u00e7ada. O Decreto disp\u00f5e sobre o corte, a explora\u00e7\u00e3o e a supress\u00e3o de vegeta\u00e7\u00e3o prim\u00e1ria ou nos est\u00e1gios avan\u00e7ado e m\u00e9dio de regenera\u00e7\u00e3o de Mata Atl\u00e2ntica.<\/p>\n\n\n\n

Se por um lado, este Decreto foi fundamental para aumentar a consci\u00eancia ecol\u00f3gica da sociedade em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 conserva\u00e7\u00e3o da Mata Atl\u00e2ntica, por outro, for\u00e7ou os agricultores cai\u00e7aras a alterar sua sistem\u00e1tica de manejo. A partir desta legisla\u00e7\u00e3o, o pousio passou a ser feito em menor tempo, raramente ultrapassando 3 anos, per\u00edodo em que as \u00e1rvores presentes na regenera\u00e7\u00e3o vegetal, normalmente, come\u00e7am a ultrapassar 5 cm de di\u00e2metro de tronco, ponto no qual os \u00f3rg\u00e3os de fiscaliza\u00e7\u00e3o passam a considerar a \u00e1rea como intoc\u00e1vel.<\/p>\n\n\n\n

Os \u00f3rg\u00e3os de fiscaliza\u00e7\u00e3o passaram, portanto, a agir com o mesmo rigor nas \u00e1reas de pousio, multando os agricultores que derrubavam as capoeiras. Para fugir da fiscaliza\u00e7\u00e3o, a atitude dos agricultores tem sido abandonar a agricultura migrat\u00f3ria e se adaptar a agricultura tradicional, deixando o solo descoberto, quando n\u00e3o \u00e9 cultivado, fazendo uso, para tanto, de queimadas, capinas e aplica\u00e7\u00f5es freq\u00fcentes de herbicidas. Estes produtores tradicionais deixaram de praticar uma agricultura mais conservacionista, que realizavam h\u00e1 anos, para praticar a agricultura convencional, muito mais impactante ao meio ambiente e, principalmente \u00e0 renda dos pequenos agricultores. Estas dificuldades v\u00eam estimulando, segundo os pr\u00f3prios agricultores, o \u00eaxodo rural, uma vez que os filhos destes homens raramente permanecem nas terras de seus pais.<\/p>\n\n\n\n

Na regi\u00e3o serrana do Estado do Rio de Janeiro, o problema vem mobilizando os agricultores.<\/p>\n\n\n\n

Assim, em parceria com a Embrapa Solos, UFRuralRJ e REBRAF, a Embrapa Agrobiologia realizou durante pouco mais de tr\u00eas anos uma pesquisa nesta regi\u00e3o que visava desenvolver sistemas agro-florestais para recupera\u00e7\u00e3o de \u00e1reas degradadas da Mata Atl\u00e2ntica. Foram implementadas a\u00e7\u00f5es de pesquisa referentes aos aspectos da vegeta\u00e7\u00e3o, de caracter\u00edsticas qu\u00edmicas, f\u00edsicas e biol\u00f3gicas do solo, \u00e1gua, s\u00f3cioeconomia, etc.<\/p>\n\n\n\n

Os resultados permitiram concluir que no pousio de 5-7 anos, tal qual os agricultores praticavam antigamente, foram encontradas as melhores condi\u00e7\u00f5es de solo (tanto nas caracter\u00edsticas qu\u00edmicas, como as f\u00edsicas e biol\u00f3gicas), maior deposi\u00e7\u00e3o de manta org\u00e2nica sobre o solo (folhas e galhos senescentes) e maior atividade da fauna do solo, quando comparado aos 3 anos de pousio que vem sendo praticados atualmente. Estes dados foram muito similares aos obtidos na floresta com mais de 70 anos, o que indica que para estas caracter\u00edsticas apenas um descanso de 5-7 anos j\u00e1 \u00e9 suficiente para recuperar a capacidade produtiva dos solos. O que mantendo o pousio por somente tr\u00eas anos, como a legisla\u00e7\u00e3o vem exigindo indiretamente, n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel.<\/p>\n\n\n\n

Foi observado tamb\u00e9m que aos 7 anos de pousio, embora as plantas apresentem grande massa, as caracter\u00edsticas de tipo e diversidade de esp\u00e9cies vegetais se assemelham muito mais ao pousio de 3 anos do que a Mata mais evolu\u00edda. Este fato \u00e9 importante e indica que mesmo aos 7 anos n\u00e3o h\u00e1 presen\u00e7a de esp\u00e9cies raras, e seu corte nesta idade, n\u00e3o causa preju\u00edzos \u00e0 qualidade futura da vegeta\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Assim, \u00e9 poss\u00edvel que o manejo atual de pousio reduzido (3 anos) degrade muito mais o sistema do que o pousio que vinha sendo praticado pelos agricultores h\u00e1 mais de 100 anos nestas \u00e1reas.<\/p>\n\n\n\n

A pesquisa revelou ainda que com o pousio de 5-7 anos, estavam retidos somente na forma de manta org\u00e2nica sobre o solo (folhas e galhos senescidos) o equivalente a cerca de 600 kg\/ha de sulfato de am\u00f4nio; 150 kg\/ha de superfosfato simples; 87 kg\/ha de cloreto de pot\u00e1ssio e cerca de 1400 kg\/ha de calc\u00e1rio dolom\u00edtico. Estes valores de nutrientes na manta org\u00e2nica a pre\u00e7os de mercado atual significariam um aporte de aduba\u00e7\u00e3o ao sistema da ordem de R$ 540,00, o que pode ser encarado como uma economia feita pelo agricultor, que n\u00e3o precisar\u00e1 comprar estes adubos no mercado, fazendo uso somente do aporte de nutrientes deste manejo.<\/p>\n\n\n\n

Os pesquisadores envolvidos no projeto reconhecem que a situa\u00e7\u00e3o de degrada\u00e7\u00e3o da Mata Atl\u00e2ntica \u00e9 cr\u00edtica. Mas \u00e9 realidade tamb\u00e9m a dificuldade de manter a popula\u00e7\u00e3o rural em suas propriedades. Com n\u00edvel t\u00e3o baixo de renda e ainda alterando totalmente sua forma de praticar agricultura, sem ao menos dar a estes agricultores alternativas e\/ou subs\u00eddios para que possam agregar valor a seus produtos e tentar voltar a viabilizar a agricultura familiar no Pa\u00eds, este quadro tende a se agravar. A situa\u00e7\u00e3o fica mais cr\u00edtica em regi\u00f5es pr\u00f3ximas a grandes centros urbanos, onde a agricultura \u00e9 ainda mais desvalorizada e muitas vezes discriminada pelo restante da sociedade.<\/p>\n\n\n\n

A primeira etapa deste projeto chegou \u00e0 conclus\u00e3o da necessidade de regulamenta\u00e7\u00e3o do Decreto 750, para o estado do Rio de Janeiro (um dos \u00faltimos a regulamentar esta Lei).<\/p>\n\n\n\n

E, a partir de um cadastro das propriedades praticantes da agricultura migrat\u00f3ria, tentar incluir na legisla\u00e7\u00e3o ambiental tratamento diferenciado para estes agricultores, incluindo na Lei a permiss\u00e3o para desmatamento de capoeiras com at\u00e9 7 anos de idade.<\/p>\n\n\n\n

Este projeto se encerra no final deste ano e j\u00e1 foi aprovado um novo, no qual pretende-se cooperar com a EMATER para a elabora\u00e7\u00e3o deste cadastro, al\u00e9m de buscar alternativas para tentar reduzir o tempo de pousio dos agricultores atrav\u00e9s da introdu\u00e7\u00e3o de esp\u00e9cies arb\u00f3reas de plantas da fam\u00edlia leguminosa e, que s\u00e3o capazes de fixar nitrog\u00eanio do ar, podendo, assim acelerar a velocidade de crescimento dos sistemas, visando atingir o mesmo resultado do pousio de 5-7 anos em menor espa\u00e7o de tempo.<\/p>\n\n\n\n

S\u00edtio Cachoeira – Um laborat\u00f3rio Vivo<\/strong><\/p>\n\n\n\n

A pesquisa da Embrapa s\u00f3 foi poss\u00edvel porque um agricultor de 74 anos acreditou e possibilitou a execu\u00e7\u00e3o de experimentos em seu s\u00edtio. Ant\u00f4nio Isaltino Sandre, mais conhecido na regi\u00e3o de Barra Alegre, em Bom Jardim, como \u201cSeu Isaltino\u201d, \u00e9 um daqueles agricultores tradicionais, nascido e criado na terra. Descendente de europeus, seu Isaltino aprendeu a agricultura migrat\u00f3ria com o pai que j\u00e1 no in\u00edcio do s\u00e9culo passado praticava este tipo de agricultura. Nos \u00faltimos anos, seu Isaltino vinha enfrentando problemas com a fiscaliza\u00e7\u00e3o; com a chegada dos t\u00e9cnicos da EMBRAPA n\u00e3o pensou duas vezes permitindo que seu s\u00edtio, com aproximadamente 30 hectares, fosse transformado num laborat\u00f3rio vivo.<\/p>\n\n\n\n

Durante tr\u00eas anos, os pesquisadores coletaram material, fizeram monitoramento de solos e das esp\u00e9cies e ainda foram desenvolvidas, no local, duas teses de mestrado e uma de doutorado. O S\u00edtio Cachoeira de seu Isaltino est\u00e1 localizado no 4\u00ba Distrito de Barra Alegre, no Munic\u00edpio de Bom Jardim, RJ. Nesse local foram efetuados todos os experimentos do projeto. Hoje \u00e9 poss\u00edvel fazer a compara\u00e7\u00e3o entre uma \u00e1rea e outra localizada ao lado e fazer imagens de todos os sistemas avaliados (pousios com diferentes idades, mata, diferentes cultivos agr\u00edcolas, etc), com facilidade de acesso e deslocamento. Existem outras propriedades (350) na regi\u00e3o que tamb\u00e9m praticam a agricultura migrat\u00f3ria.<\/p>\n\n\n\n

Muito falante e animado, seu Isaltino tem orgulho de sempre ter se preocupado com o meio ambiente e a preserva\u00e7\u00e3o do solo para o futuro de seus filhos e netos, que tamb\u00e9m o ajudam na produ\u00e7\u00e3o de batata, inhame, caf\u00e9 e citrus. Sua grande preocupa\u00e7\u00e3o \u00e9 justamente at\u00e9 quando conseguir\u00e1 mant\u00ea-los por l\u00e1.<\/p>\n\n\n\n

Revista Eco 21, Ano XIV, Edi\u00e7\u00e3o 87, Fevereiro 2004. (www.eco21.com.br)<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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