{"id":2208,"date":"2008-12-19T14:53:57","date_gmt":"2008-12-19T14:53:57","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:35:43","modified_gmt":"2021-07-10T23:35:43","slug":"etnobotanica","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/natural\/artigos\/etnobotanica.html","title":{"rendered":"Etnobot\u00e2nica"},"content":{"rendered":"\n

O reino vegetal, al\u00e9m de ser o maior reservat\u00f3rio de mol\u00e9culas org\u00e2nicas conhecido, \u00e9 um poderoso laborat\u00f3rio de s\u00edntese. At\u00e9 hoje diversas mol\u00e9culas com estrutura complexa dependem de s\u00edntese biol\u00f3gica, pois a s\u00edntese em laborat\u00f3rio n\u00e3o pode ser feita ou \u00e9 economicamente invi\u00e1vel, como \u00e9 o caso dos digit\u00e1licos, da pilocarpina ou dos ester\u00f3ides.<\/p>\n\n\n\n

Por isso plantas medicinais s\u00e3o usadas at\u00e9 hoje como mat\u00e9ria-prima para a fabrica\u00e7\u00e3o de medicamentos.<\/p>\n\n\n\n

As plantas medicinais t\u00eam sido um importante recurso terap\u00eautico desde os prim\u00f3rdios da antig\u00fcidade at\u00e9 nossos dias. No passado, representavam a principal arma terap\u00eautica conhecida.<\/p>\n\n\n\n

Em todos os registros sobre m\u00e9dicos famosos da antig\u00fcidade, tais como Hip\u00f3crates, Avicena e Paracelcius, as plantas medicinais ocupavam lugar de destaque em suas pr\u00e1ticas. A partir de plantas descritas e usadas pelo conhecimento popular, foram descobertos diversos medicamentos usados at\u00e9 hoje pela medicina.<\/p>\n\n\n\n

Os salicilatos, por exemplo, foram descobertos atrav\u00e9s de estudos no Salgueiro Branco (Salix alba), que era usado pelos \u00edndios norte-americanos no tratamento de dor e febre. J\u00e1 os digit\u00e1licos foram isolados da Dedaleira (Digitalis purpurea), usada por curandeiros europeus no tratamento de edemas.<\/p>\n\n\n\n

O uso terap\u00eautico de plantas medicinais \u00e9 um dos tra\u00e7os mais caracter\u00edsticos da esp\u00e9cie humana. \u00c9 t\u00e3o antigo quanto o Homo sapiens, e encontrado em praticamente todas as civiliza\u00e7\u00f5es ou grupos culturais conhecidos. A etnobot\u00e2nica brasileira \u00e9 origin\u00e1ria de v\u00e1rias tradi\u00e7\u00f5es diferentes, criando um sistema heterog\u00eaneo de plantas medicinais.<\/p>\n\n\n\n

A etnobot\u00e2nica estuda a intera\u00e7\u00e3o de comunidades humanas com o mundo vegetal, em suas dimens\u00f5es antropol\u00f3gica, ecol\u00f3gica e bot\u00e2nica. Esses estudos s\u00e3o de grande import\u00e2ncia na manuten\u00e7\u00e3o da cultura, al\u00e9m de combinar conhecimentos tradicionais e modernos, permitindo uma melhor investiga\u00e7\u00e3o dessa flora ainda t\u00e3o desconhecida e sua conserva\u00e7\u00e3o e manejo sustent\u00e1vel.<\/p>\n\n\n\n

O uso de plantas para fins terap\u00eauticos est\u00e1 inserido em um contexto social e ecol\u00f3gico que vai mold\u00e1-lo, de modo que muitas das peculiaridades deste emprego n\u00e3o podem ser entendidas se n\u00e3o se levar em considera\u00e7\u00e3o fatores culturais envolvidos, al\u00e9m do ambiente f\u00edsico onde ele ocorre.<\/p>\n\n\n\n

Em sociedades tradicionais, a transmiss\u00e3o oral \u00e9 o principal modo pelo qual o conhecimento \u00e9 perpetuado. O conhecimento \u00e9 transmitido em situa\u00e7\u00f5es, o que faz que a transmiss\u00e3o entre gera\u00e7\u00f5es requeira contato intenso e prolongado dos membros mais velhos com os mais novos. Isto acontece normalmente em sociedades rurais ou ind\u00edgenas, nas quais o aprendizado \u00e9 feito pela socializa\u00e7\u00e3o no interior do pr\u00f3prio grupo dom\u00e9stico e de parentesco, sem necessidade de institui\u00e7\u00f5es mediadoras: crian\u00e7as e jovens acompanham seus parentes na execu\u00e7\u00e3o de tarefas cotidianas em ambientes f\u00edsicos diversificados (excurs\u00f5es de coleta, trabalhos na lavoura, etc.), onde podem existir plantas com atividade terap\u00eautica, observam os mais velhos ao cuidarem dos doentes, etc.<\/p>\n\n\n\n

Esta ci\u00eancia vem contribuindo para o conhecimento da biodiversidade das florestas tropicais, devido ao registro e resgate dos h\u00e1bitos e usos de v\u00e1rios povos que possuem estreito v\u00ednculo com os recursos de fauna e flora. Compartilhar a informa\u00e7\u00e3o com quem a gerou, e contribuir para a melhoria das condi\u00e7\u00f5es de vida das popula\u00e7\u00f5es estudadas, s\u00e3o um dos destinos desta nova etnoci\u00eancia.<\/p>\n\n\n\n

O conhecimento gerado atrav\u00e9s do resgate do saber popular deve ser valorizado atrav\u00e9s de a\u00e7\u00f5es que viabilizem e garantam o uso desses recursos pela popula\u00e7\u00e3o. A produ\u00e7\u00e3o do material cient\u00edfico deve ter uma utilidade maior do que parar nas prateleiras e livrarias, e sim ter um uso aplicado a favor do reconhecimento deste saber local, influenciando as pol\u00edticas ambientais para este fim.<\/p>\n\n\n\n

A etnoci\u00eancia tem como caracter\u00edsticas principais, a multidisciplinaridade das a\u00e7\u00f5es e retorno do conhecimento produzido \u00e0queles que o geram. Neste retorno confrontam-se e contemplam-se o conhecimento acad\u00eamico e o conhecimento popular.<\/p>\n\n\n\n

A etnobot\u00e2nica colabora com:<\/p>\n\n\n\n

– a valoriza\u00e7\u00e3o dos conhecimentos e as medicinas tradicionais das comunidades;<\/p>\n\n\n\n

– a preserva\u00e7\u00e3o da flora utilizando o conhecimento adquirido pela sua investiga\u00e7\u00e3o cient\u00edfica;<\/p>\n\n\n\n

– a amplia\u00e7\u00e3o do conhecimento sobre as propriedades \u00fateis de esp\u00e9cies vegetais;<\/p>\n\n\n\n

– subs\u00eddios para estudos \u00e9tnicos, antropol\u00f3gicos, bot\u00e2nicos e ecol\u00f3gicos sobre os povos envolvidos na pesquisa;<\/p>\n\n\n\n

– subs\u00eddios ao Poder P\u00fablico no desenvolvimento de projetos s\u00f3cio-econ\u00f4micos, bem como ambientais.<\/p>\n\n\n\n

As origens do sistema popular brasileiro de plantas medicinais s\u00e3o as seguintes:<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Sistema etnofarmacol\u00f3gico europeu:Foi trazido com a coloniza\u00e7\u00e3o portuguesa e de outros povos europeus, e \u00e9 mais forte no Sul do pa\u00eds. Este sistema possui muita influ\u00eancia das plantas de uso mundial, e plantas europ\u00e9ias, pois o Sul possui um clima mais frio, semelhante ao europeu, onde essas plantas j\u00e1 estavam adaptadas. \u00c9 o caso da Erva Cidreira (Melissa officinalis), da Erva Doce (Pimpinella anisum), entre outras.<\/p>\n\n\n\n

Sistema etnofarmacol\u00f3gico africano:Foi trazido com o tr\u00e1fico de escravos para o Brasil, nos s\u00e9culos XVI e XVII. Este sistema associa rituais religiosos ao uso de plantas medicinais, como \u00e9 visto em diversas culturas primitivas. \u00c9 mais encontrado no estado da Bahia. Atrav\u00e9s dos negros africanos incorporamos plantas como a Arruda (Ruta graveolens), e o Jambol\u00e3o (Syzigium jambolanum).<\/p>\n\n\n\n

Sistema etnofarmacol\u00f3gico ind\u00edgena:Corresponde \u00e0 heran\u00e7a do conhecimento de plantas medicinais dos ind\u00edgenas brasileiros. Este sistema pode ser encontrado em praticamente todo o territ\u00f3rio nacional. Entre as plantas cujo uso aprendemos com os nossos \u00edndios, temos a Caapeba (Piper umbellatum), o Abajer\u00fa (Chrisobalanus icaco) e o Urucum (Bixa orellana).<\/p>\n\n\n\n

Sistema etnofarmacol\u00f3gico oriental:Foi trazido junto com os imigrantes chineses e japoneses para o Brasil, no final do s\u00e9culo passado e no in\u00edcio deste. \u00c9 encontrado principalmente no estado de S\u00e3o Paulo. Os orientais trouxeram para o Brasil esp\u00e9cies como o Gengibre (Zingiber officinale), a Lichia (Litchi chinensis) e a Raiz Forte (Wassabia japonica). Outras plantas medicinais de origem oriental foram trazidas pelos portugueses durante suas navega\u00e7\u00f5es at\u00e9 a \u00c1sia, como a Canela (Cinnamomum cassia) e o Cravo (Syzygium aromaticum). Estas esp\u00e9cies se tornaram mundialmente conhecidas por seu uso culin\u00e1rio.<\/p>\n\n\n\n

Sistema etnofarmacol\u00f3gico amaz\u00f4nico:Este sistema deriva das caracter\u00edsticas peculiares da flora da regi\u00e3o, associada \u00e0 absor\u00e7\u00e3o de conhecimentos ind\u00edgenas pelo caboclo. Ele tamb\u00e9m decorre do isolamento cultural da Amaz\u00f4nia. Com isto, usa ervas espec\u00edficas da regi\u00e3o e possui uma linguagem pr\u00f3pria. \u00c9 o caso de plantas como o Guaran\u00e1 (Paulinia cupana), a Copa\u00edba (Copaifera officinalis) e a Fava de Tonca (Dipteryx odorata).<\/p>\n\n\n\n

Sistema etnofarmacol\u00f3gico nordestino:A regi\u00e3o Nordeste apresenta um clima e vegeta\u00e7\u00e3o peculiares, e forte influ\u00eancia ind\u00edgena e africana. Estes aspectos combinados \u00e0s m\u00e1s condi\u00e7\u00f5es socioecon\u00f4micas da regi\u00e3o estimularam o surgimento de um sistema de plantas medicinais pr\u00f3prias. Como contribui\u00e7\u00e3o do sistema nordestino, temos plantas como a Aroeira (Schinus molle), a Catinga de Mulata (Tanacetum vulgare) e o Bamburral (Hyptis suaveolens).<\/p>\n\n\n\n

Sistema cient\u00edfico internacional:Como resultado das pesquisas realizadas com plantas medicinais feitas em pa\u00edses europeus, foram introduzidas diversas plantas medicinais no mercado internacional, baseadas em seus efeitos farmacol\u00f3gicos. Entre estas temos o Ginkgo Biloba (Ginkgo biloba), o Hip\u00e9rico (Hipericum perforatum) e a Echin\u00e1cea (Echinacea purpurea).<\/p>\n\n\n\n

O uso terap\u00eautico de plantas medicinais ficou restrito \u00e0 abordagem leiga desde o salto tecnol\u00f3gico da ind\u00fastria farmac\u00eautica ocorrido nas d\u00e9cadas de 50 e 60. Recentemente, as plantas medicinais consideradas medicamentos de segunda categoria, voltaram \u00e0 voga com a comprova\u00e7\u00e3o de a\u00e7\u00f5es farmacol\u00f3gicas relevantes e de uma excelente rela\u00e7\u00e3o de custo-benef\u00edcio. Mas \u00e9 sempre bom lembrar a import\u00e2ncia de se utilizar a esp\u00e9cie correta para determinada enfermidade.<\/p>\n\n\n\n

A Alemanha foi o pa\u00eds que investiu primeiro e saiu na frente nesse campo. Pesquisadores dessa \u00e1rea conclu\u00edram ser importante sistematizar e estudar as tradi\u00e7\u00f5es populares do uso de plantas medicinais, como forma de ter uma estrat\u00e9gia para investiga\u00e7\u00e3o e comprova\u00e7\u00e3o farmacol\u00f3gica.<\/p>\n\n\n\n

Por isso um ramo da antropologia chamado etnofarmacologia (estudo da farmacologia popular de um determinado grupo cultural) tem ganhado import\u00e2ncia cada vez maior para o desenvolvimento de novos medicamentos \u00e0 base de plantas medicinais.<\/p>\n\n\n\n

O Brasil tem um enorme potencial nesse campo. \u00c9 fundamental que a comunidade m\u00e9dica assim como outros profissionais da \u00e1rea da sa\u00fade ligados \u00e0s universidades atentem para esse potencial, para que possamos lan\u00e7ar m\u00e3o dele.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 o momento de voltarmos nossos esfor\u00e7os para construir um conhecimento m\u00e9dico baseado em nossos valores e adequado \u00e0s nossas necessidades, em vez de ficarmos atrelados a um modelo cient\u00edfico exclusivamente internacional. Para tanto devemos valorizar, estudar, validar e utilizar terapeuticamente nossas esp\u00e9cies, antes que outros o fa\u00e7am.<\/p>\n\n\n\n

Fabiana Massoca Scarda & Maria Christina de Mello Amorozo
\nLuiz Cl\u00e1udio Di Stasi
\nSociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educa\u00e7\u00e3o Ambiental (SPVS)
\nwww.aultimaarcadenoe.com
\nwww.floramedicinal.com.br
\nwww.rc.unesp.br<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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