{"id":2198,"date":"2009-01-13T09:33:34","date_gmt":"2009-01-13T09:33:34","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:35:15","modified_gmt":"2021-07-10T23:35:15","slug":"areas_de_manguezal_viram_tanques_de_aquicultura_de_camarao","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/natural\/artigos\/areas_de_manguezal_viram_tanques_de_aquicultura_de_camarao.html","title":{"rendered":"\u00c1reas de manguezal viram tanques de aq\u00fcicultura de camar\u00e3o"},"content":{"rendered":"\n
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Durante muitos anos, os manguezais foram considerados e at\u00e9 mesmo classificados oficialmente como terras improdutivas, aptos apenas para abrigar mosquitos e p\u00e2ntanos mal-cheirosos. Felizmente, essa vis\u00e3o das florestas alagadas pelas mar\u00e9s est\u00e1 mudando, influenciada por recentes estudos cient\u00edficos e pelas campanhas de conscientiza\u00e7\u00e3o p\u00fablica. Agora os manguezais est\u00e3o sendo definidos, mais adequadamente, como \u201cra\u00edzes do mar\u201d, de \u201cfloresta tropical anf\u00edbia\u201d, ou mesmo de \u201cber\u00e7\u00e1rio litor\u00e2neo\u201d. Estes ecossistemas s\u00e3o levados em conta por suas raras caracter\u00edsticas naturais devido ao fato de terem altos n\u00edveis de biodiversidade, o que \u00e9 extremamente importante para a defesa da pesca silvestre e a ecologia marinha. Esta mudan\u00e7a de atitude \u00e9 decorrente das iniciativas de in\u00fameras ONGs que trabalham em parceria com as comunidades locais com o intuito de proteger seus manguezais e gerar a conscientiza\u00e7\u00e3o em n\u00edvel nacional, regional e internacional a respeito da import\u00e2ncia social e ambiental destes ecossistemas. <\/p>\n\n\n\n

Essas incompar\u00e1veis florestas tropicais litor\u00e2neas est\u00e3o entre os h\u00e1bitats mais amea\u00e7ados do mundo. A expans\u00e3o urbana, o desenvolvimento do petr\u00f3leo, a ind\u00fastria do carv\u00e3o, as estradas e o turismo, todos se aproveitaram de grandes extens\u00f5es de florestas de mangue. Atualmente, esses ecossistemas danificados enfrentam ainda mais preju\u00edzos devido \u00e0 aq\u00fcicultura de camar\u00e3o. E a amea\u00e7a vai al\u00e9m da perda cont\u00ednua de florestas provocando perda de \u00e1reas alagadas pelas mar\u00e9s. <\/p>\n\n\n\n

Os manguezais est\u00e3o formados por \u00e1rvores resistentes \u00e0s inunda\u00e7\u00f5es peri\u00f3dicas das mar\u00e9s e, portanto, ao sal e por outras esp\u00e9cies de plantas que florescem em litorais protegidos de \u00e1reas costeiras tropicais adaptadas ao fluxo das mar\u00e9s, ilhas baixas (overwash) e estu\u00e1rios, abrigando uma grande variedade de vida marinha, de plantas e de aves. As \u00e1reas alagadas de mangues, n\u00e3o s\u00f3 s\u00e3o usadas por centenas de esp\u00e9cies como principal ref\u00fagio para aninhar e como \u00e1reas de migra\u00e7\u00e3o, como tamb\u00e9m s\u00e3o \u00fateis para satisfazer as necessidades das popula\u00e7\u00f5es locais.<\/p>\n\n\n\n

Infelizmente, com freq\u00fc\u00eancia, as complexidades deste emaranhado ecossistema n\u00e3o s\u00e3o reconhecidas e as florestas de mangue s\u00e3o consideradas como algo separado ou isolado de suas \u00e1reas alagadas associadas nas plan\u00edcies de mar\u00e9 – banco de lama e de sal, salinas e p\u00e2ntanos salinos. De fato, cada um \u00e9 uma parte de um ecossistema maior e integrado, que depende das mar\u00e9s. Esses n\u00e3o s\u00e3o realmente ecossistemas separados, mas varia\u00e7\u00f5es de um complexo comum: as \u00e1reas alagadas pelas mar\u00e9s. Nos lugares em que hoje h\u00e1 uma floresta de mangue, no futuro poder\u00e1 haver um p\u00e2ntano salino, dependendo das mudan\u00e7as hidrol\u00f3gicas, do n\u00edvel do mar, ou de outros fatores. <\/p>\n\n\n\n

O banco de lama de hoje pode se transformar na floresta de mangue de amanh\u00e3. De fato, com as subidas do n\u00edvel do mar provocadas pelo aquecimento global, os bancos de lama e salinas podem ser os \u00fanicos ref\u00fagios para o desenvolvimento natural dos mangues. Se as \u00e1reas alagadas pelas mar\u00e9s atr\u00e1s dos mangues n\u00e3o forem desenvolvidas, o natural avan\u00e7o do mangue ser\u00e1 impedido ou frustrado. A ind\u00fastria do camar\u00e3o vem admitindo cada vez mais que os bancos de lama e de sal n\u00e3o s\u00e3o \u00e1reas alagadas litor\u00e2neas valiosas e em determinados pa\u00edses, como o Brasil, est\u00e3o rapidamente transformando essas \u00e1reas alagadas em tanques de aq\u00fcicultura de camar\u00e3o, com imunidade perante as Leis destinadas a proteger as \u00e1reas de florestas de mangue. <\/p>\n\n\n\n

As a\u00e7\u00f5es acima mencionadas, infelizmente, s\u00e3o comuns e ainda necess\u00e1rias em toda a regi\u00e3o tropical e subtropical – onde os manguezais s\u00e3o formados – porque fortes interesses comerciais – na maioria relacionados com a produ\u00e7\u00e3o do camar\u00e3o, extra\u00e7\u00e3o de \u00f3leo e g\u00e1s, minera\u00e7\u00e3o e desenvolvimento tur\u00edstico – amea\u00e7am a exist\u00eancia deste ecossistema \u00fanico. A produ\u00e7\u00e3o industrial de camar\u00e3o representa a pior amea\u00e7a para as florestas de mangue que ainda existem no mundo e para a vida silvestre e as comunidades por elas sustentadas. Aproximadamente 1 milh\u00e3o de hectares, no mundo afora, de p\u00e2ntanos litor\u00e2neos incluindo manguezais foram clareados para serem transformados em granjas de camar\u00e3o com extens\u00f5es de meia at\u00e9 centenas de hectares cada uma. Um sinal representativo desta ind\u00fastria invasiva \u00e9 que aproximadamente 250 mil hectares est\u00e3o agora abandonados por causa de doen\u00e7as e polui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

A expans\u00e3o desta devastadora atividade \u00e9 agravada por consumidores dos Estados Unidos, Canad\u00e1, Jap\u00e3o e Europa que fazem crescer a procura voraz de camar\u00f5es baratos. O resultado \u00e9 que os manguezais, fornecedores de meios de vida para as comunidades pobres locais, s\u00e3o destru\u00eddos para alimentar aqueles que j\u00e1 est\u00e3o bem alimentados e para aumentar os lucros dos ricos produtores de camar\u00e3o e de companhias mercantis transnacionais.<\/p>\n\n\n\n

Todo dia 26 de Julho, muitas organiza\u00e7\u00f5es ambientalistas especializadas na defesa dos manguezais organizam atividades inspiradas no mesmo lema: \u201cSalvem os Manguezais!\u201d. Este dia foi escolhido como o Dia Internacional dos Manguezais em lembran\u00e7a da data – 26 de Julho de 1998 – quando Hayhow Daniel Nanoto, um ativista micron\u00e9sio do Greenpeace, morrera em Muisne, litoral Norte do Equador, enquanto participava de um ato de protesto organizado pelo Green peace e pela Fundaci\u00f3n de Defensa Ecol\u00f3gica (FUNDECOL), uma ONG equatoriana cujo principal objetivo \u00e9 a defesa dos manguezais. Nesta ocasi\u00e3o, a comunidade local e as ONGs desmantelaram um tanque ilegal de cria\u00e7\u00e3o de camar\u00f5es com o intuito de restituir a essa regi\u00e3o arrasada seu estado inicial de uma floresta de mangue. <\/p>\n\n\n\n

O Brasil tem a segunda maior \u00e1rea de mangue do mundo \u2013 mais de um milh\u00e3o de hectares de florestas de manguezais localizadas ao longo do litoral brasileiro. A aq\u00fcicultura do camar\u00e3o existe em pequena escala no Brasil desde a d\u00e9cada de 70. At\u00e9 pouco tempo atr\u00e1s, a ind\u00fastria aumentou lentamente, incrementando a produ\u00e7\u00e3o a passo firme, mas ainda dentro dos limites do manej\u00e1vel. Em 2000, havia no Brasil aproximadamente 5 mil hectares de tanques de camar\u00e3o sendo que muitos foram constru\u00eddos diretamente em \u00e1reas de mangue. A maioria dos tanques, por\u00e9m, foram constru\u00eddos em salinas ou bancos de sal que, anteriormente, tinham sido manguezais que h\u00e1 muitos anos foram devastados para estabelecerem salinas superficiais. Muitas das salinas foram abandonadas e naturalmente voltaram a ser manguezais.<\/p>\n\n\n\n

Atualmente, empres\u00e1rios interessados por empreendimentos comerciais de cria\u00e7\u00e3o de camar\u00e3o est\u00e3o mirando essas \u00e1reas. A ind\u00fastria, hoje em dia, est\u00e1 sendo preparada para um r\u00e1pido impulso de crescimento, conduzindo o Brasil a ocupar um lugar de destaque entre outros gigantes da aq\u00fcicultura como a Tail\u00e2ndia, o Equador e a China. Em 2000, o Governo brasileiro autorizou um ambicioso plano de tr\u00eas anos para expandir a \u00e1rea de produ\u00e7\u00e3o da ind\u00fastria da aq\u00fcicultura de camar\u00e3o em seis vezes \u2013 de 5 mil a 30 mil hectares.<\/p>\n\n\n\n

Em 2002, o Brasil j\u00e1 registrava acima de 10 mil hectares de granjas de camar\u00e3o que produziam cerca de 60 mil toneladas de camar\u00e3o industrializado; espera-se que os tanques cubram 25 mil hectares de importantes \u00e1reas alagadas litor\u00e2neas com uma produ\u00e7\u00e3o antecipada que ultrapasse 160 mil toneladas at\u00e9 2005.<\/p>\n\n\n\n

A ind\u00fastria brasileira do camar\u00e3o acarretaria, desta maneira, os mesmos problemas ambientais que causou em outros lugares, decorrentes do excessivo uso de pesticidas e antibi\u00f3ticos nos pr\u00f3prios tanques de camar\u00e3o, consider\u00e1vel polui\u00e7\u00e3o da \u00e1gua, devastadoras doen\u00e7as virais espalhadas entre as granjas de camar\u00e3o, perda de importante h\u00e1bitat marinho litor\u00e2neo como mangues, bancos de lama e bancos salinos. Essa realidade provoca uma severa diminui\u00e7\u00e3o de peixes, perda do h\u00e1bitat de aves migrat\u00f3rias e perda de meios de vida tradicionais das comunidades litor\u00e2neas. <\/p>\n\n\n\n

A ind\u00fastria da aq\u00fcicultura de camar\u00e3o n\u00e3o s\u00f3 causou preju\u00edzos em termos de recursos naturais, mas tamb\u00e9m, em alguns casos, de viol\u00eancia e morte. Um grande n\u00famero de investidores nacionais e multinacionais disputou as ricas \u00e1reas ao longo do litoral brasileiro para estabelecer novos empreendimentos comerciais de camar\u00e3o. Na maioria dos casos, eram terras p\u00fablicas e os moradores locais, durante muitas d\u00e9cadas, colhiam delas todos os produtos que necessitavam para sobreviver e sustentar a economia local.<\/p>\n\n\n\n

Os produtores de camar\u00e3o provindos das costas sitiadas do Equador e Taiwan est\u00e3o chegando ao Brasil para recome\u00e7ar seu j\u00e1 lucrativo empreendimento. <\/p>\n\n\n\n

Como na maioria dos casos, a fascina\u00e7\u00e3o por obter grandes lucros est\u00e1 infelizmente ofuscando tanto \u00e0s autoridades quanto aos cidad\u00e3os sem deixar que eles percebam os perigos da produ\u00e7\u00e3o industrial do camar\u00e3o. <\/p>\n\n\n\n

Se por um lado, o mundo ficou ciente da import\u00e2ncia social e ambiental dos manguezais, por outro, a produ\u00e7\u00e3o n\u00e3o sustent\u00e1vel e o consumo est\u00e3o levando os manguezais \u00e0 destrui\u00e7\u00e3o e as comunidades dependentes do mangue a uma crescente pobreza. Esta situa\u00e7\u00e3o paradoxal precisa de uma mudan\u00e7a. A produ\u00e7\u00e3o de camar\u00e3o em grande escala deveria ser proibida, uma vez que j\u00e1 foi provado seu efeito negativo tanto na sociedade quanto no meio ambiente. O manejo dos manguezais deve ficar nas m\u00e3os daqueles que sabem como faz\u00ea-lo de maneira sustent\u00e1vel e que est\u00e3o interessados por sua conserva\u00e7\u00e3o no longo prazo, ou seja, nas m\u00e3os das comunidades locais. Obviamente, o camar\u00e3o ser\u00e1 mais caro nos mercados do norte, mas poder\u00e1 estar acess\u00edvel, mais uma vez, livremente – junto com os outros recursos para o sustento que os manguezais fornecem – para aqueles que precisam dele para se alimentar. <\/p>\n\n\n\n

A solu\u00e7\u00e3o \u00e9 \u00f3bvia, no entanto, dif\u00edcil de implementar. Exige uma pol\u00edtica que s\u00f3 pode ser atingida atrav\u00e9s de uma press\u00e3o cada vez maior sobre os governos \u2013 tanto do Norte quanto do Sul \u2013 para fazer com que eles cumpram aquilo que eles mesmos definiram como socialmente eq\u00fcitativo e como desenvolvimento ambiental sustent\u00e1vel. Na maioria dos manguezais, isso quer dizer proibir a produ\u00e7\u00e3o industrial de camar\u00e3o e devolver o manejo \u00e0s comunidades que dependem dos manguezais. T\u00e3o simples quanto isso.<\/p>\n\n\n\n

Eco 21 Ano XIV – n\u00ba 93 – Agosto – 2004 www.eco21.com.br
\nAlfredo Quarto – Diretor do Projeto Mangue em A\u00e7\u00e3o<\/em>\n<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"