{"id":1981,"date":"2009-03-12T15:40:49","date_gmt":"2009-03-12T15:40:49","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:14:43","modified_gmt":"2021-07-10T23:14:43","slug":"admiravel_brasil_novo","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/gestao\/artigos\/admiravel_brasil_novo.html","title":{"rendered":"Admir\u00e1vel Brasil Novo"},"content":{"rendered":"\n

No Brasil novo, para o Governo j\u00e1 n\u00e3o t\u00e3o novo, n\u00e3o existem problemas ambientais. O Governo novo do Brasil consegue resolver todos os problemas ambientais apenas pensando intensamente neles ou, claro, discutindo sobre os mesmos. O uso dos transg\u00eanicos, a transposi\u00e7\u00e3o do Rio S\u00e3o Francisco, as queimadas, o saneamento urbano… tudo, tudo est\u00e1 sob o eficiente e inteligente controle popular e participativo do governo. O \u00faltimo epis\u00f3dio desta extraordin\u00e1ria capacidade, quase telep\u00e1tica, de resolver os problemas, \u00e9 que a pavimenta\u00e7\u00e3o da BR-163, que vai cortar em duas partes o Sul da Amaz\u00f4nia, ligando Cuiab\u00e1 a Santar\u00e9m, n\u00e3o \u00e9 apenas uma obra indispens\u00e1vel para o desenvolvimento nacional, mas tamb\u00e9m ser\u00e1 um grande beneficio ambiental e social para a regi\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

O an\u00fancio foi feito por quem, no Governo Federal, deveria estar preocupado pelos impactos ambientais e sociais negativos desta obra: o Secret\u00e1rio de Biodiversidade e Florestas do MMA. Segundo ele, tudo est\u00e1 \u201cequacionado\u201d nesta obra magna. O povo, todo o povo da regi\u00e3o, concordou com a necessidade inadi\u00e1vel da estrada e sua pavimenta\u00e7\u00e3o; os eventuais conflitos com os ind\u00edgenas e com as popula\u00e7\u00f5es tradicionais foram todos resolvidos para satisfa\u00e7\u00e3o geral, os impactos ambientais foram adequadamente previstos e ser\u00e3o m\u00ednimos e devidamente compensados e, no final, todo mundo ganhar\u00e1 com essa obra que ser\u00e1 econ\u00f4mica, social e ambientalmente a melhor j\u00e1 feita na Amaz\u00f4nia… Isso \u00e9 um recorde impressionante, levando em conta que jamais na hist\u00f3ria dessa regi\u00e3o uma estrada foi constru\u00edda com resultados t\u00e3o positivos. Nem se permitiu tanto otimismo no passado, no momento de empreender uma obra dessas.<\/p>\n\n\n\n

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Essa \u00e9 uma capacidade \u00fanica do governo atual: acreditar firmemente que seus desejos se transformam em realidade… inclusive com seu IBAMA em intermin\u00e1vel greve e com o or\u00e7amento mais baixo da hist\u00f3ria ambiental do Pa\u00eds.<\/p>\n\n\n\n

Na verdade, \u00e9 penoso comparar aquelas ilus\u00f5es ou sonhos governamentais com a realidade, t\u00e3o diferente, que se conhece na mesma regi\u00e3o onde a obra ser\u00e1 constru\u00edda. Primeiramente, basta ver o desastre ambiental e social que foi a constru\u00e7\u00e3o do primeiro trecho dessa estrada, entre Cuiab\u00e1 e Guarant\u00e3 do Norte, onde foram destru\u00eddos milhares ou qui\u00e7\u00e1 milh\u00f5es de hectares de florestas, sem se deixar nem as matas ciliares, que protegem as \u00e1guas e, sem nenhum respeito \u00e0 legisla\u00e7\u00e3o ambiental e contra at\u00e9 o senso-comum. Popula\u00e7\u00f5es tradicionais tiveram que abandonar suas terras ante o avan\u00e7o da soja e dos comerciantes de terras. Nem os \u00edndios lograram resistir aos madeireiros e garimpeiros. Pior, agora at\u00e9 os \u00edndios \u201cquerem\u201d cultivar soja transg\u00eanica. A floresta mais rica do mundo foi transformada num deserto biol\u00f3gico, dominado pela soja, que cresce sob a fuma\u00e7a das queimadas. O extraordinariamente tecnificado cultivo da soja d\u00e1 emprego, mas nem tanto assim, e o emprego que gera n\u00e3o \u00e9 para os pobres locais, que devem ir embora de suas terras. Quando a madeira e a florestas acabam, pouca coisa resta para a sobreviv\u00eancia daqueles que n\u00e3o est\u00e3o capacitados para trabalhar na agricultura intensiva.<\/p>\n\n\n\n

Claro que a soja e a madeira enriquecem muita gente, esses mesmos que agora querem que a estrada BR-163 continue entre Guarant\u00e3 do Norte e Santar\u00e9m, asfaltada. S\u00e3o os donos do peda\u00e7o e, aparentemente, tamb\u00e9m s\u00e3o donos de uma parcela do poder constitu\u00eddo. N\u00e3o \u00e9 dif\u00edcil para esses poderosos senhores da terra organizar consultas p\u00fablicas que ap\u00f3iem, unanimemente, a proposta de fazer mais 953 km de estrada asfaltada. Transporte gratuito, merenda, gorjetas e, depois da bem sucedida reuni\u00e3o p\u00fablica, uma generosa ra\u00e7\u00e3o de cacha\u00e7a ou cerveja, fazem aprovar qualquer coisa, em especial quando o patr\u00e3o ou os prefeitos s\u00e3o os promotores da estrada e os facilitadores da audi\u00eancia.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o se est\u00e1 contra o desenvolvimento. Nem sequer se est\u00e1 contra a estrada BR-163, que vai requerer uma invers\u00e3o de quase um bilh\u00e3o de Reais \u2013 pouca coisa se fosse o pre\u00e7o verdadeiro. O que se est\u00e1 \u00e9 contra a pol\u00edtica da avestruz, ou de n\u00e3o querer ver e assumir o que realmente vai acontecer nessa regi\u00e3o antes, durante e ap\u00f3s a constru\u00e7\u00e3o. J\u00e1 neste momento, toda a terra dispon\u00edvel ao longo dessa estrada est\u00e1 sendo negociada, ou j\u00e1 est\u00e1 ocupada pelos mesmos ricos que promovem sua constru\u00e7\u00e3o. O IBAMA e a FUNAI, quando pretenderem criar ou ampliar unidades de conserva\u00e7\u00e3o e territ\u00f3rios ind\u00edgenas, n\u00e3o v\u00e3o encontrar nada que n\u00e3o esteja j\u00e1 ocupado, com \u201cbenfeitorias\u201d, que dever\u00e3o pagar a pre\u00e7o de ouro ou \u201cdeixar para l\u00e1\u201d. N\u00e3o existe nenhuma raz\u00e3o que permita acreditar que o desenvolvimento selvagem, que j\u00e1 aconteceu na mesma estrada, n\u00e3o continue at\u00e9 Santar\u00e9m, especialmente na situa\u00e7\u00e3o de calamidade em que se encontra atualmente o setor ambiental.<\/p>\n\n\n\n

Isso significa desmatamento sem respeito \u00e0 Lei, destrui\u00e7\u00e3o de matas ciliares, roubo de madeira nas \u00e1reas ind\u00edgenas e Unidades de Conserva\u00e7\u00e3o, ca\u00e7a sem controle, garimpagem e contamina\u00e7\u00e3o de rios e mais grilagem de terras. Um representante do Minist\u00e9rio da Agricultura disse que essa estrada e esse uso da terra s\u00e3o indispens\u00e1veis \u201cpara dar de comer \u00e0 popula\u00e7\u00e3o carente, em especial do Norte\u201d. Qualquer um sabe que o Brasil produz mais de tr\u00eas vezes sua demanda interna de gr\u00e3os. Seria mais inteligente ter assumido que toda esta produ\u00e7\u00e3o \u00e9 destinada para a campanha da Fome Zero Mundial, promovida pelo Governo, ou pelo menos reconhecer que ela serve para acabar com a fome do gado da Europa e da China. O problema da soja e de outros produtos de exporta\u00e7\u00e3o massiva \u00e9 que, junto com ela, se exporta nossa \u00e1gua, os nutrientes de nosso solo e qui\u00e7\u00e1 o potencial agropecu\u00e1rio futuro do Pa\u00eds. A agricultura intensiva acaba com os recursos hidrol\u00f3gicos, perde e contamina os solos e, claro, elimina a biodiversidade de que o Governo atual tanto fala. O Governo nem consegue perceber o absurdo de tolerar ou fomentar a destrui\u00e7\u00e3o de todas as esp\u00e9cies animais e vegetais de milh\u00f5es de hectares cada ano, ao mesmo tempo que, em nome da biodiversidade, praticamente paralisa a pesquisa cient\u00edfica nacional e realiza persegui\u00e7\u00f5es rid\u00edculas aos pesquisadores estrangeiros, acusados de \u201cbiopiratas\u201d.<\/p>\n\n\n\n

E o mais triste disto tudo talvez seja que, depois de inverter milh\u00f5es nessa estrada e de destruir outra enorme por\u00e7\u00e3o de nosso verde, a soja caia de pre\u00e7o, devido ao aumento de produ\u00e7\u00e3o previsto nos EUA, e\/ou que apare\u00e7am doen\u00e7as como a ferrugem, que elevem o custo de produ\u00e7\u00e3o, fazendo n\u00e3o competitivo seu cultivo.<\/p>\n\n\n\n

At\u00e9 quando o novo Governo vai se comportar como vendedor de ilus\u00f5es? Quando vai amadurecer e entender, por exemplo, que os resultados macroecon\u00f4micos positivos das exporta\u00e7\u00f5es de commodities como a soja n\u00e3o se transformam necessariamente em benef\u00edcios sociais ou macroecon\u00f4micos? De outra parte, quantos novos autom\u00f3veis Ferrari e quantos novos jatinhos e helic\u00f3pteros importados v\u00e3o poluir as ruas e o ar de S\u00e3o Paulo? Quantos bancos internacionais v\u00e3o dispor de novas contas de brasileiros?<\/p>\n\n\n\n

Com esse estilo de desenvolvimento, apressado demais e sem medir as conseq\u00fc\u00eancias, popula\u00e7\u00f5es pobres do interior da Amaz\u00f4nia v\u00e3o ficar em pior situa\u00e7\u00e3o do que antes. Sempre acreditei que essas popula\u00e7\u00f5es eram o objetivo do Partido no poder. Hoje… n\u00e3o sei. Quem sabe seja realmente poss\u00edvel que a for\u00e7a do pensamento levemente fan\u00e1tico do Governo fa\u00e7a, como pretende, uma obra admir\u00e1vel. H\u00e1 pouco li que os macacos podem mover objetos com a for\u00e7a do pensamento!<\/p>\n\n\n\n

Maria Tereza Jorge P\u00e1dua
\nAmbientalista, fundadora da Funatura
\nFonte: Revista Eco 21, Ano XIV, Edi\u00e7\u00e3o 96, Novembro 2004. (www.eco21.com.br)
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