{"id":1357,"date":"2009-03-03T16:07:56","date_gmt":"2009-03-03T16:07:56","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:15:34","modified_gmt":"2021-07-10T23:15:34","slug":"peixes_abissais","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/fauna\/artigos\/peixes_abissais.html","title":{"rendered":"Peixes Abissais"},"content":{"rendered":"\n

No fundo do oceano, a 4000 metros, onde a luz do sol n\u00e3o desce e a temperatura m\u00e9dia \u00e9 de 2 graus, vicejam estranhas esp\u00e9cies de peixes escuros e de aspecto horroroso aos olhos humanos, que fascinam por\u00e9m os cientistas por sua adapta\u00e7\u00e3o a vida sob press\u00f5es praticamente insuport\u00e1veis, pouco alimento e reprodu\u00e7\u00e3o dif\u00edcil.<\/p>\n\n\n\n

S\u00e3o os peixes abissais, formas de vida extremamente peculiares. Alguns tem boca e est\u00f4mago capazes de engolir e digerir presas com o dobro do seu tamanho. Nas condi\u00e7\u00f5es do que seja talvez o mais in\u00f3spito dos ambientes, por sinal o maior h\u00e1bitat do mundo, muitos desses peixes desenvolveram sistemas org\u00e2nicos destinados a iluminar as trevas e atrair as presas: possuem luzes no pr\u00f3prio corpo, que acendem e apagam como lanternas quando necess\u00e1rio.<\/p>\n\n\n\n

Para pescarem usam freq\u00fcentemente as suas hastes luminosas. Estes \u00f3rg\u00e3os produtores de luz s\u00e3o na verdade uma esp\u00e9cie de l\u00e2mpada: uma gl\u00e2ndula de pele que compreende uma lente, um refletor e duas subst\u00e2ncias qu\u00edmicas, a luciferina (o combust\u00edvel) e a luciferase (o catalisador), que a\u00ed s\u00e3o lan\u00e7adas, provocando uma combust\u00e3o e a liberta\u00e7\u00e3o de uma viva luz fria. \u00c9 a emiss\u00e3o de luz sem produ\u00e7\u00e3o de calor. Algumas estranhas explos\u00f5es submarinas t\u00eam sido ouvidas.<\/p>\n\n\n\n

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Hoje se sabe que essa classe de vertebrados, a mais antiga que existe, vive em qualquer lugar onde haja \u00e1gua – dos tenebrosos abismos oce\u00e2nicos at\u00e9 a superf\u00edcie do mar aberto. N\u00e3o existe limite de profundidade para a vida. H\u00e1 peixes que nadam a 300 ou 400 metros, mas tamb\u00e9m mergulham em profundidades de 4000 metros ou mais ainda. H\u00e1 cerca de vinte anos, os cientistas que estudavam um habitat submarino nas ilhas Virgens, no Caribe, ficaram surpresos ao ver, numa noite escura, o que parecia um grupo de peixes piscando sem parar no meio de um recife de corais. Descobriu-se que eles pertenciam \u00e0 fam\u00edlia dos cerati\u00f3ides, chamados pelos americanos lanterneye fishes (peixes-de-olho-de-lanterna) porque possuem embaixo do olho uma cavidade que abriga bact\u00e9rias fosforescentes. Durante o dia, esses peixes mergulham a grandes profundidades.<\/p>\n\n\n\n

A noite, ausente a luz solar, sobem \u00e0 superf\u00edcie para se alimentar de pl\u00e2ncton, microorganismos que vivem em suspens\u00e3o na \u00e1gua. Os cientistas observaram desde ent\u00e3o que tais esp\u00e9cies inventaram sistemas pr\u00f3prios de ilumina\u00e7\u00e3o absolutamente \u00fanicos. O Kryptophanaron, que vive nas \u00e1guas do Caribe, tem sob os olhos uma cavidade que emite luz e que fica coberta por um tipo de persiana escura quando n\u00e3o deseja ser visto. Outras esp\u00e9cies, Anomalops e Photoblepharo, t\u00eam uma forma de haste com um farol na ponta, que projetam para a frente e para tr\u00e1s da cabe\u00e7a e tamb\u00e9m escondem embaixo do olho.<\/p>\n\n\n\n

O Pachystomias, um peixe predat\u00f3rio chamado peixe-drag\u00e3o (dragon fish), faz jus ao nome. N\u00e3o solta fogo, \u00e9 claro, mas tem uma s\u00e9rie de c\u00e9lulas fosforescentes espalhadas na boca, ao longo do corpo e debaixo do olho. Muitos desses peixes nunca foram encontrados no Oceano Atl\u00e2ntico e n\u00e3o t\u00eam nomes vulgares em portugu\u00eas. Os peixes abissais n\u00e3o costumam cair nas redes dos pescadores e as miss\u00f5es cient\u00edficas nacionais trabalham mais nas \u00e1guas rasas da plataforma continental.<\/p>\n\n\n\n

Mesmo assim, existe no Museu de Zoologia da USP um exemplar de peixe-drag\u00e3o encontrado na costa do Rio Grande do Sul a cerca de 800 metros de profundidade. Possui o que os icti\u00f3logos chamam barbilh\u00e3o, um fio que sai por baixo da mand\u00edbula do peixe, com um farol na ponta. Outra esp\u00e9cie conhecida, a dos Chauliodus, ou peixes v\u00edboras, tem uma haste que \u00e9 uma extens\u00e3o dos primeiros raios da nadadeira dorsal e tamb\u00e9m luzes dentro da boca para atrair a presa direto ao est\u00f4mago.
Os drag\u00f5es-pretos t\u00eam a peculiaridade de emitir luz vermelha. Como a maioria dos peixes n\u00e3o enxergam essa cor, tais membros da esp\u00e9cie Pachistomias microdon usam as suas lanterninhas vermelhas para se aproximar sem serem percebidos dos animais que lhes servir\u00e3o de alimento. Outros peixes se distinguem pelos olhos projetados para a frente, o que lhes permite aproveitar toda a pouca luz existente. Estima-se que essas criaturas s\u00e3o capazes de enxergar no lusco-fusco de quinze a vinte vezes melhor do que os humanos. Os olhos tubulares do Asgyropelecas, assim como do Stentoptyx, do Gigantura e ainda do Stylephora, sempre voltados para cima, enxergam contra a luz que vem da superf\u00edcie a silhueta de seus inimigos e da refei\u00e7\u00e3o em potencial. O Asgyropelecus paciftecus emite luz verde e azul na mesma intensidade da ilumina\u00e7\u00e3o procedente da superf\u00edcie; portanto tornam-se invis\u00edveis.<\/p>\n\n\n\n

O h\u00e1bitat desempenha um papel importante na cor dos peixes. Os que vivem mais perto da superf\u00edcie apresentam um tom azulado ou esverdeado. Os que vivem no fundo s\u00e3o em geral escuros no dorso e nos lados. Os camar\u00f5es das profundezas e os peixes da fam\u00edlia dos Rondeletiidae s\u00e3o vermelhos porque essa cor n\u00e3o aparece nas \u00e1guas abissais. Mas, al\u00e9m da cor, tamb\u00e9m a forma e a estrutura desses peixes s\u00e3o influenciadas pelo meio e pelo tipo de alimento. Muitos se dirigem \u00e0 noite \u00e0 superf\u00edcie para apanhar pl\u00e2nctons, filtrando grandes quantidades de \u00e1gua atrav\u00e9s da boca e das br\u00e2nquias, os \u00f3rg\u00e3os da respira\u00e7\u00e3o. Outros, carn\u00edvoros, desenvolveram dentes avantajados, boca articulada e enorme est\u00f4mago para o seu pequeno tamanho, finos e compridos, n\u00e3o crescem mais de 30 cent\u00edmetros. Os peixes da esp\u00e9cie Saccopharynx, parecidos com serpentes, t\u00eam a cabe\u00e7a grande e uma boca que abre e fecha como uma tampa de lixo para engolir a presa. H\u00e1 pequenos tubar\u00f5es com grandes dentes embaixo da boca e pequenos em cima.<\/p>\n\n\n\n

No mundo aqu\u00e1tico, a reprodu\u00e7\u00e3o costuma ser simples: quando chega o momento, basta que o macho e a f\u00eamea soltem esperma e ovos na \u00e1gua para que, da combina\u00e7\u00e3o desses elementos, resulte a fecunda\u00e7\u00e3o. Mas os peixes-pescadores de profundidade s\u00e3o relativamente raros e muito distribu\u00eddos por todos os oceanos. Estima-se que, para cada f\u00eamea sexualmente amadurecida existam de quinze a vinte machos. Portanto, n\u00e3o \u00e9 de estranhar que vivam menos e tenham praticamente uma \u00fanica fun\u00e7\u00e3o em toda a sua exist\u00eancia: encontrar uma f\u00eamea e fertiliz\u00e1-la. Estes solteir\u00f5es afoitos t\u00eam olhos especiais para captar a luz das companheiras a dist\u00e2ncia. Sup\u00f5e-se tamb\u00e9m que, dotados de grandes \u00f3rg\u00e3os olfativos, sejam capazes de segu\u00ed-las pelo ferom\u00f4nio, o cheiro que elas emitem nas correntes mar\u00edtimas.<\/p>\n\n\n\n

Ao encontrar uma f\u00eamea, o macho da esp\u00e9cie Linophryne inica, vinte vezes menor, a ela se liga pela boca. Seus corpos se fundem, a circula\u00e7\u00e3o torna-se comum aos dois e o macho fica reduzido \u00e0 condi\u00e7\u00e3o de escravo sexual vivendo exclusivamente para produzir e armazenar esperma a servi\u00e7o da companheira.<\/p>\n\n\n\n

Essa incr\u00edvel simbiose atrai o interesse dos pesquisadores n\u00e3o apenas por tratar-se de uma ex\u00f3tica t\u00e9cnica de reprodu\u00e7\u00e3o, mas porque talvez venha a ter grande utilidade nos neg\u00f3cios humanos no tratamento da rejei\u00e7\u00e3o em transplantes. O sexo no fundo do mar n\u00e3o cessa de surpreender, em certos casos, a masculinidade ou a feminilidade \u00e9 apenas uma quest\u00e3o de idade. Entre os Gonostoma gracile, o indiv\u00edduo amadurece sexualmente como macho com 1 ano. Mas em dado momento do segundo ano de vida transforma-se em f\u00eamea. Na fam\u00edlia dos Paralepid\u00eddeos, os indiv\u00edduos s\u00e3o hermafroditas, com ov\u00e1rios e test\u00edculos ao mesmo tempo. Quando n\u00e3o encontram um parceiro, fecundam-se a si mesmos.<\/p>\n\n\n\n

Os peixes abissais podem parecer grotescos, bizarros. Alguns s\u00e3o imbat\u00edveis em mat\u00e9ria de fei\u00fara. Finos, pequenos, gelatinosos, n\u00e3o t\u00eam nenhuma armadura de prote\u00e7\u00e3o, como escamas, e freq\u00fcentemente se desfazem quando estudados. Comendo pouco, gastam tamb\u00e9m pouca energia e nadam apenas ao sabor das correntes.<\/p>\n\n\n\n

Tudo indica que seriam seres primitivos, que n\u00e3o evolu\u00edram durante milhares de anos. A estrutura \u00f3ssea desses peixes est\u00e3o no auge da evolu\u00e7\u00e3o. Como outras esp\u00e9cies, que passaram a viver em praias rasas, ou em ba\u00edas lamacentas, rios caudalosos ou lagoas, estas mudaram-se da superf\u00edcie dos mares, seu h\u00e1bitat original, por motivos desconhecidos. Nos abismos profundos onde foram parar, desenvolveram as estranhas caracter\u00edsticas que os transformaram em senhores das trevas.<\/p>\n\n\n\n

Sabemos que existem padr\u00f5es distintos de bioluminesc\u00eancia que permitem o reconhecimento da esp\u00e9cie e do sexo. No caso dos peixes cerati\u00f3ides (Melanocetus johnstonii), apenas as f\u00eameas apresentam a isca bioluminescente, que parece ser usada tamb\u00e9m para atrair machos da mesma esp\u00e9cie durante o per\u00edodo reprodutivo. Como na regi\u00e3o batipel\u00e1gica a luz \u00e9 praticamente ausente, esta estrutura se torna de grande import\u00e2ncia nessas ocasi\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

Reda\u00e7\u00e3o Ambiente brasil<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"