{"id":1334,"date":"2009-02-05T15:01:33","date_gmt":"2009-02-05T15:01:33","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:32:42","modified_gmt":"2021-07-10T23:32:42","slug":"listas_faunisticas_materia-prima_em_extincao","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/fauna\/artigos\/listas_faunisticas_materia-prima_em_extincao.html","title":{"rendered":"Listas faun\u00edsticas: mat\u00e9ria-prima em extin\u00e7\u00e3o"},"content":{"rendered":"\n

“A publica\u00e7\u00e3o de listagens \u00e9 uma contribui\u00e7\u00e3o fundamental que a comunidade ornitol\u00f3gica pode prestar aos organismos encarregados de efetivar a defesa do que resta de ambiente natural neste Pa\u00eds”<\/em>(Argel-de-Oliveira, 1993).<\/p>\n\n\n\n

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A ci\u00eancia anda a passos largos; n\u00e3o muito retos, mas largos… O que ontem era considerado “ci\u00eancia de ponta” passou a ocupar a posi\u00e7\u00e3o de “ponta da ci\u00eancia”, pronta para ser aparada e descartada sem a menor cerim\u00f4nia.<\/p>\n\n\n\n

Note-se que, nos s\u00e9culos anteriores, o “quente” era descrever esp\u00e9cies tidas como novas. Era um tipo de embriaguez, vinda desde o per\u00edodo lineano, tendo como aperitivo o interesse de descobrir novos continentes, agora convertido em novas fronteiras cient\u00edficas. O cientista era reconhecido pela denomina\u00e7\u00e3o de novos t\u00e1xons, ganhava m\u00e9ritos pelo n\u00famero de batizados em latim, pois o horizonte era saber quantas e quais eram as esp\u00e9cies que habitavam o planeta.<\/p>\n\n\n\n

Hoje em dia tudo mudou drasticamente. As pesquisas sobre classifica\u00e7\u00e3o de seres vivos que n\u00e3o contenham an\u00e1lises bio-moleculares e artefatos estat\u00edsticos come\u00e7am a ser encaradas como obsoletas. Vivemos uma fase de despedida das averig\u00fca\u00e7\u00f5es de esp\u00e9cimes em cole\u00e7\u00f5es seriadas, da compara\u00e7\u00e3o de cores entre um t\u00e1xon e outro, um verdadeiro adeus aos confrontos de dados mer\u00edsticos e de mensura\u00e7\u00f5es…<\/p>\n\n\n\n

Ultimamente \u00e9 a complexidade que interessa aos estudiosos, ainda que nem sempre ela obede\u00e7a alguma l\u00f3gica ou crit\u00e9rio, mas – quase sempre – ampliando o abismo j\u00e1 formado entre as disciplinas. Os hierogl\u00edficos bin\u00f4mios latinos do Sistema Naturae de Lineu, desta forma, passaram a ser “carne de segunda”.<\/p>\n\n\n\n

Autores de esp\u00e9cies passaram a ver seus nomes citados apenas por obriga\u00e7\u00e3o editorial de alguns peri\u00f3dicos, quando muito apenas do lado dos nomes cient\u00edficos, seguidos pelo ano da descri\u00e7\u00e3o. Dominam os Qualis, os \u00edndices de impacto e as disputas encarni\u00e7adas por autorias e por cita\u00e7\u00f5es em publica\u00e7\u00f5es subseq\u00fcentes.<\/p>\n\n\n\n

Seguindo-se a mesma tend\u00eancia, o must passou a ser as seq\u00fc\u00eancias nucleot\u00eddicas, as s\u00e9ries de n\u00fameros antecedidos de v\u00edrgulas e as aplica\u00e7\u00f5es curiosas da Lei das Probabilidades, nem sempre com a base matem\u00e1tica necess\u00e1ria.<\/p>\n\n\n\n

Em parte, tudo isso \u00e9 bom, porque – afinal – observamos uma nova revolu\u00e7\u00e3o nos conceitos metodol\u00f3gicos, nas filosofias, na teoria e pr\u00e1tica das ci\u00eancias biol\u00f3gicas. Passamos a nos mover \u00e0 cata de novidades, nem sempre confi\u00e1veis, mas sempre novidades, dignas de autocr\u00edtica e de constantes reavalia\u00e7\u00f5es. Por outro lado, parece que estamos todos nos empenhando para descartar, do card\u00e1pio cient\u00edfico, um ingrediente importante da culin\u00e1ria conservacionista: as listas faun\u00edsticas.<\/p>\n\n\n\n

Em quase todo o S\u00e9culo 20, a conserva\u00e7\u00e3o era praticada para proteger paisagens bonitas e atraentes, deixando-se a biota em segundo plano. Curiosamente, as listas de animais e plantas que ocorriam em determinadas regi\u00f5es tinham um lugar de destaque no curr\u00edculo dos mestres. Tais listas, nada mais eram do que um resultado elitista, cuja concep\u00e7\u00e3o vinha desde o per\u00edodo das descobertas.<\/p>\n\n\n\n

Afinal, identificar as esp\u00e9cies que viviam em determinados locais, equivalia ao ato simb\u00f3lico de fincar bandeira num territ\u00f3rio ignoto. O tempo foi passando e poucas pessoas compreenderam que tal atividade trazia consigo um significado muito maior do que esse: conhecer as esp\u00e9cies que ocorrem em determinada regi\u00e3o \u00e9 a \u00fanica forma de efetivamente conhecer a sua biodiversidade.<\/p>\n\n\n\n

Cada localidade visitada – e estudada, e divulgada – nada mais \u00e9 do que um gr\u00e3o de milho a mais no papo da galinha biogeogr\u00e1fica. E menos gente ainda percebeu que esse galiforme era o prato principal da conserva\u00e7\u00e3o!<\/p>\n\n\n\n

Atualmente, o advento da recent\u00edssima disciplina da Biologia da Conserva\u00e7\u00e3o, parece n\u00e3o acompanhar esse caminho. Assumindo a postura, esse campo adquire dia-a-dia um forte encargo acad\u00eamico, a presen\u00e7a em grades curriculares e, conseq\u00fcentemente, uma trajet\u00f3ria diferente quanto ao que deve (ou n\u00e3o deve) ser usado como instrumento.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 incr\u00edvel como imitamos de forma simiesca os pa\u00edses ricos e colonizados h\u00e1 muitos s\u00e9culos, pensando que podemos tratar de nossos dados tal como eles o fazem. Enquanto boa parte das esp\u00e9cies de l\u00e1 s\u00e3o satisfatoriamente conhecidas, as daqui oscilam entre um conhecimento p\u00edfio da distribui\u00e7\u00e3o geogr\u00e1fica, concentrado nas regi\u00f5es sudeste e sul, e um oceano absurdo de desconhecimento em outras \u00e1reas.<\/p>\n\n\n\n

J\u00e1 engajada nos complicados tr\u00e2mites da academia, a conserva\u00e7\u00e3o tem absorvido grande parte de seus ran\u00e7os. Maior parte das revistas cient\u00edficas, portanto daqueles ve\u00edculos que carregam consigo a credibilidade maior nos meios acad\u00eamicos, rejeitam listas de esp\u00e9cies. Elas passaram a ser um estorvo, uma vez que carregam com evid\u00eancia a mesma falta de rigor de certas publica\u00e7\u00f5es mais complexas que, ao contr\u00e1rio destas, conseguem ocultar suas limita\u00e7\u00f5es em seus textos.<\/p>\n\n\n\n

O pr\u00f3prio mestre Ubirajara Martins (1983), no cl\u00e1ssivo livro “Fundamentos pr\u00e1ticos de Taxonomia Zool\u00f3gica”, expunha: “Consistem numa simples rela\u00e7\u00e3o de esp\u00e9cies encontradas em determinada localidade, \u00e1rea ou regi\u00e3o […]. S\u00e3o geralmente de interesse extremamente limitado e na maioria das vezes s\u00f3 servem para atrapalhar, devido \u00e0 inclus\u00e3o de nomes ou identifica\u00e7\u00f5es err\u00f4neos”.<\/p>\n\n\n\n

Hoje em dia, ainda, sabemos que peri\u00f3dicos de renome deixam expl\u00edcitos em suas normas: “n\u00e3o ser\u00e3o aceitas listas de esp\u00e9cies…”. Segundo Argel-de-Oliveira (1993: Bol. CEO 9:36-41), essa atitude “… \u00e9 uma faca de dois gumes. Por um lado impede que os inevit\u00e1veis erros apare\u00e7am por todos os lados e acabem se perpetuando na literatura.<\/p>\n\n\n\n

Por outro lado, acabou dando origem a uma falta de informa\u00e7\u00e3o que afeta uma atividade que se torna cada dia mais importante: a presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os a empresas ou \u00f3rg\u00e3os governamentais voltados \u00e0 conserva\u00e7\u00e3o da natureza”. Essa mesma autora complementa, usando o grave problema da falta de informa\u00e7\u00e3o: embora muitos dos estudos ambientais contem com a colabora\u00e7\u00e3o de profissionais competentes, “a car\u00eancia de dados da literatura pode comprometer o grau de especificidade e aplicabilidade das conclus\u00f5es apresentadas”.<\/p>\n\n\n\n

E isso, mesmo sem muitos terem se dado conta, vem se refletindo na conserva\u00e7\u00e3o, digo, nas a\u00e7\u00f5es visando a prote\u00e7\u00e3o da natureza. Isso \u00e9 lembrado, por exemplo, nas “Diretrizes para o Desenvolvimento da Zoologia” divulgadas pela Sociedade Brasileira de Zoologia (SBZ, 1990: Bol. Inf. SBZ 12:1-10):<\/p>\n\n\n\n

 
“De tudo isto resta uma perspectiva pouco animadora para as condi\u00e7\u00f5es de vida do homem, com perda da qualidade de \u00e1gua, do ar e do solo. Para que haja uma revers\u00e3o neste processo, de forma a ocuparmos novos ambientes, com intelig\u00eancia, e recuperarmos os degradados para que possam oferecer sustenta\u00e7\u00e3o harm\u00f4nica a todos os seres vivos, h\u00e1 que os conhecer. Este conhecimento come\u00e7a pela base, ou seja pelo estudo dos organismos que comp\u00f5em o ambiente. Necessitamos desenvolver com rapidez uma a\u00e7\u00e3o que propicie o levantamento da fauna brasileira.”<\/em><\/p>\n\n\n\n

\u00c9 evidente que o conhecimento puro e simples de quais esp\u00e9cies ocorrem em quais lugares n\u00e3o deve ser considerado um resultado isolado; tais informa\u00e7\u00f5es servir\u00e3o para alimentar outras linhas de pesquisa. Estudos com biogeografia, por exemplo, sejam para definir padr\u00f5es de distribui\u00e7\u00e3o e \u00e1reas de endemismos, sejam voltados a v\u00e1rios outros prop\u00f3sitos, t\u00eam sido considerados imprescind\u00edveis para a conserva\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Afinal, \u00e9 por meio deles que se pode ter um tra\u00e7ado, ainda que um esbo\u00e7o, da composi\u00e7\u00e3o de esp\u00e9cies de um local destinado a transformar-se em unidade de conserva\u00e7\u00e3o. E \u00e9 tamb\u00e9m por seu interm\u00e9dio que surgem os argumentos para tanto, pela presen\u00e7a de esp\u00e9cies raras, amea\u00e7adas ou que mere\u00e7am algum tipo de prote\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Ainda que a biogeografia seja o instrumento mais valioso para a conserva\u00e7\u00e3o, ela vem sofrendo seriamente com a enorme escassez de informa\u00e7\u00f5es prim\u00e1rias, uma vez que a maior parte dos estudos voltados \u00e0 defini\u00e7\u00e3o de padr\u00f5es de distribui\u00e7\u00e3o baseiam-se, dentre outras fontes, em listas de esp\u00e9cies da regi\u00e3o estudada.<\/p>\n\n\n\n

E o que acaba acontecendo \u00e9 que as incans\u00e1veis buscas por informa\u00e7\u00f5es sobre presen\u00e7a de esp\u00e9cies em certos locais, acabam levando a resultados fragmentados. Acaba sendo for\u00e7osa, nesse sentido, a utiliza\u00e7\u00e3o das informa\u00e7\u00f5es j\u00e1 escassas, pontuais e deterioradas, na literatura antiga e em acervos de museus, sendo que muitos dos locais visitados no passado j\u00e1 n\u00e3o se encontram mais com as condi\u00e7\u00f5es ambientais de outrora.<\/p>\n\n\n\n

E n\u00e3o s\u00e3o apenas as bases acad\u00eamicas que se prejudicam com essa tend\u00eancia atual de segrega\u00e7\u00e3o de mat\u00e9ria-prima. Tamb\u00e9m estudos de impactos ambientais – aquelas avalia\u00e7\u00f5es que muitos fazem, mas poucos admitem – carecem de informa\u00e7\u00f5es sobre ocorr\u00eancia de esp\u00e9cies, necessitando com muita freq\u00fc\u00eancia incluir, em seu cronograma e or\u00e7amento, os levantamentos de campo em lugares que j\u00e1 foram estudados (mas cujos resultados n\u00e3o foram publicados). E, alimentando o c\u00edrculo vicioso, acabam por n\u00e3o gerar nenhum tipo de divulga\u00e7\u00e3o sobre os resultados obtidos, exigindo mais e mais gastos para se chegar a mesmos resultados j\u00e1 colhidos, mas nunca disseminados!<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 curioso que, quando o estudioso da conserva\u00e7\u00e3o trata de biodiversidade ele quase sempre n\u00e3o saiba do qu\u00ea est\u00e1 falando. E isso simplesmente porque a pretensa riqueza de esp\u00e9cies de sua \u00e1rea de estudo \u00e9 mais hipot\u00e9tica do que efetivamente dispon\u00edvel.<\/p>\n\n\n\n

Quando chegamos nisso, qual \u00e9 a solu\u00e7\u00e3o? Frente \u00e0 inexist\u00eancia de informa\u00e7\u00f5es sobre ocorr\u00eancias de esp\u00e9cies, os autores passam a criar artif\u00edcios, como matematiza\u00e7\u00e3o de distribui\u00e7\u00f5es, esbo\u00e7os de distribui\u00e7\u00f5es potenciais e outras t\u00e9cnicas.<\/p>\n\n\n\n

E tudo isso para suprir aquilo que est\u00e1 fartamente guardado nas gavetas dos pesquisadores: as listas de esp\u00e9cies. \u00c9 quase como se grande parte da produ\u00e7\u00e3o agr\u00edcola do mundo permanecesse estocada em silos, enquanto o dinheiro \u00e9 gasto para a sintetiza\u00e7\u00e3o dos componentes aliment\u00edcios desses alimentos. E nem sempre com as mesmas caracter\u00edsticas nutricionais.<\/p>\n\n\n\n

O presente ensaio \u00e9 menos uma cr\u00edtica e mais um est\u00edmulo para reflex\u00e3o. Se listas de esp\u00e9cies s\u00e3o incontestavelmente necess\u00e1rias para a biogeografia e essa \u00e9 obrigat\u00f3ria para a conserva\u00e7\u00e3o, n\u00e3o caberia aqui uma revis\u00e3o de conceitos? Vamos continuar a agir e pensar como se n\u00e3o precis\u00e1ssemos de listas faun\u00edsticas ou vamos estudar meios alternativos para public\u00e1-las? A natureza, e quem luta para preserv\u00e1-la, agradece…<\/p>\n\n\n\n

Fernando Straube – Ornit\u00f3logo
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