{"id":1326,"date":"2009-02-05T13:52:59","date_gmt":"2009-02-05T13:52:59","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:32:43","modified_gmt":"2021-07-10T23:32:43","slug":"cada_preguica_no_seu_galho","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/fauna\/artigos\/cada_preguica_no_seu_galho.html","title":{"rendered":"Cada pregui\u00e7a no seu galho"},"content":{"rendered":"\n
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Lentas acrobatas das \u00e1rvores, as simp\u00e1ticas pregui\u00e7as t\u00eam baixa diversidade gen\u00e9tica. Estudos recentes, feitos por equipes independentes de universidades de S\u00e3o Paulo e de Minas Gerais, chegaram a essa conclus\u00e3o. Embora possa ser uma caracter\u00edstica natural desses mam\u00edferos, a reduzida variabilidade no DNA pode tamb\u00e9m ser uma amea\u00e7a a mais para os animais, que t\u00eam de fugir de seus predadores naturais, da ca\u00e7a ilegal e do encolhimento de seu h\u00e1bitat. Em linhas gerais, os trabalhos indicam que o isolamento prolongado de grupos desses bichos em pequenas e descont\u00ednuas \u00e1reas de floresta, em especial na picotada Mata Atl\u00e2ntica, da qual s\u00f3 restam 7% da cobertura original, produziu indiv\u00edduos com DNA quase igual no interior de cada popula\u00e7\u00e3o e, ao mesmo tempo, demasiadamente diferente do DNA de membros de agrupamentos distantes. O processo evolutivo fez cada regi\u00e3o (ou estado) dar origem a bichos de linhagens gen\u00e9ticas espec\u00edficas e \u00fanicas.<\/p>\n\n\n\n

\u201cNa Mata Atl\u00e2ntica, por exemplo, h\u00e1 uma clara diferencia\u00e7\u00e3o gen\u00e9tica entre animais do Norte e do Sul, causada provavelmente por distintas mudan\u00e7as clim\u00e1ticas e no ambiente ocorridas antes da coloniza\u00e7\u00e3o do Pa\u00eds\u201d, afirma a geneticista Nadia Moraes-Barros, do Instituto de Bioci\u00eancias da Universidade de S\u00e3o Paulo (IB\/USP), que estuda a variabilidade molecular de pregui\u00e7as do g\u00eanero Bradypus, de tr\u00eas dedos, num projeto financiado pela FAPESP. Dentro de uma popula\u00e7\u00e3o de pregui\u00e7as deve haver muitos relacionamentos entre animais aparentados, talvez pelo fato de o agrupamento ser, aparentemente, muito reduzido e sem comunica\u00e7\u00e3o com indiv\u00edduos de outras regi\u00f5es. Em exagero, a consang\u00fcinidade em popula\u00e7\u00f5es de tamanho reduzido pode inviabilizar uma esp\u00e9cie, gerando doen\u00e7as recessivas e infertilidade.<\/p>\n\n\n\n

Para preservar todas as linhagens gen\u00e9ticas de pregui\u00e7a, que representam uma potencial vantagem adaptativa diante de novas e eventuais altera\u00e7\u00f5es ambientais, os pesquisadores n\u00e3o aconselham misturar animais oriundos de diferentes regi\u00f5es, ainda que sejam da mesma esp\u00e9cie. Eles acreditam que a recomenda\u00e7\u00e3o deve ser levada em conta pelos programas de preserva\u00e7\u00e3o desses mam\u00edferos arbor\u00edcolas. Se poss\u00edvel, cada pregui\u00e7a deveria ficar no seu galho.<\/p>\n\n\n\n

\u201cO ideal era que houvesse centros regionais dedicados a cuidar especificamente dos bichos daquele lugar\u201d, diz a bi\u00f3loga colombiana Paula Lara-Ruiz, que analisou o comportamento, os tra\u00e7os f\u00edsicos e, sobretudo, a gen\u00e9tica da pregui\u00e7a-de-coleira (Bradypus torquatus), esp\u00e9cie encontrada apenas no Brasil e amea\u00e7ada de extin\u00e7\u00e3o, para sua disserta\u00e7\u00e3o de mestrado na PUC de Minas Gerais.<\/p>\n\n\n\n

\u201cCruzar bichos geneticamente muito distintos tamb\u00e9m pode resultar em filhotes com v\u00e1rios problemas, como de adapta\u00e7\u00e3o ao ambiente ou malforma\u00e7\u00f5es\u201d, comenta o geneticista Fabr\u00edcio Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que orientou as an\u00e1lises gen\u00e9ticas no trabalho de Paula. Os estudos da equipe de Minas contam com recursos da PUC\/MG, National Geographic Society, Flora&Fauna International e da Aracruz Celulose.<\/p>\n\n\n\n

Hoje existe apenas uma entidade dedicada ao socorro das pregui\u00e7as no Pa\u00eds: o Centro de Reabilita\u00e7\u00e3o Reserva Zoobot\u00e2nica, em Ilh\u00e9us, Sul da Bahia, no meio de uma \u00e1rea de Mata Atl\u00e2ntica. Ligado \u00e0 Comiss\u00e3o Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), \u00f3rg\u00e3o do Minist\u00e9rio da Agricultura, o Centro \u00e9 tocado, desde 1992, pela bi\u00f3loga Vera Lucia de Oliveira, que j\u00e1 ganhou pr\u00eamios nacionais e internacionais pelo seu bom trabalho com as pregui\u00e7as.<\/p>\n\n\n\n

Em 13 anos de atividade, cerca de 250 animais \u2013 80% da esp\u00e9cie B. torquatus \u2013 foram encaminhados \u00e0s m\u00e3os de Vera. Pelo menos 70 j\u00e1 chegaram mortos, em raz\u00e3o de ferimentos e desnutri\u00e7\u00e3o, ou n\u00e3o resistiram, apesar dos cuidados dispensados aos bichos. Os demais foram tratados, readaptados \u00e0 vida selvagem e soltos em reservas da CEPLAC. Alguns exemplares que n\u00e3o se mostraram aptos a retornar \u00e0s matas s\u00e3o mantidos no pr\u00f3prio Centro, onde se obteve at\u00e9 a reprodu\u00e7\u00e3o da pregui\u00e7a-de-coleira em semi-cativeiro.<\/p>\n\n\n\n

A bi\u00f3loga do CEPLAC n\u00e3o acredita que misturar esp\u00e9cimes de diferentes Estados possa produzir algum efeito negativo, afirma\u00e7\u00e3o pol\u00eamica que n\u00e3o \u00e9 aceita por muitos cientistas. \u201cMas nunca recebi pregui\u00e7as-de-coleira de outros Estados, no m\u00e1ximo pregui\u00e7as-comuns\u201d, explica Vera, Secret\u00e1ria do Meio Ambiente de Ilh\u00e9us, que cuida dos bichos como filhos, carregando-os no colo. Profissional de campo, ela dedica a vida a esses simp\u00e1ticos mam\u00edferos e tem uma rela\u00e7\u00e3o amistosa, embora \u00e0s vezes dif\u00edcil, com os bi\u00f3logos das universidades, que estudam com mais distanciamento os animais.<\/p>\n\n\n\n

As pregui\u00e7as pertencem a um antigo grupo de mam\u00edferos com placenta encontrado apenas nas Am\u00e9ricas, em especial nas do Sul e Central, a ordem dos Xenarthra, que tamb\u00e9m inclui os tatus e os tamandu\u00e1s. Entre os Xenarthra, surgidos h\u00e1 aproximadamente 80 milh\u00f5es de anos, as pregui\u00e7as foram os animais com maior diversidade de formas. Quase 100 g\u00eaneros chegaram a ser descritos.<\/p>\n\n\n\n

H\u00e1 cerca de 10 mil anos, no final do Pleistoceno, houve uma extin\u00e7\u00e3o em massa da fauna nas Am\u00e9ricas, causada provavelmente por mudan\u00e7as clim\u00e1ticas. Entre as perdas, desapareceram quase todos os tipos de pregui\u00e7as, inclusive as gigantes, que viviam em solo firme. Sobraram apenas exemplares adaptados \u00e0 vida na copa das \u00e1rvores, hoje subdivididos em dois g\u00eaneros: o Bradypus , as pregui\u00e7as de tr\u00eas dedos, com quatro esp\u00e9cies, e o Choloepus , as pregui\u00e7as de dois dedos, com duas esp\u00e9cies.<\/p>\n\n\n\n

Se existe um pa\u00eds com bichos solit\u00e1rios, que pouco se locomovem e passam at\u00e9 uma semana sem p\u00f4r o p\u00e9 no ch\u00e3o, esse lugar \u00e9 o Brasil. Das 6 esp\u00e9cies vivas e conhecidas, somente uma n\u00e3o pode ser vista comendo folhas dependurada, muitas vezes de cabe\u00e7a para baixo, em galhos das florestas nacionais, a pequenina Bradypus pygmaeus, cuja presen\u00e7a se restringe a uma ilha do Panam\u00e1.<\/p>\n\n\n\n

Marcos Pivetta – Jornalista da Ag\u00eancia FAPESP
\nRevista Eco 21, ano XV, N\u00ba 100, mar\u00e7o\/2005.<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"