{"id":104,"date":"2009-02-09T17:06:26","date_gmt":"2009-02-09T17:06:26","guid":{"rendered":""},"modified":"2021-07-10T20:32:28","modified_gmt":"2021-07-10T23:32:28","slug":"a_utopia_do_repovoamento_dos_peixes_do_pantanal","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/agua\/artigos_agua_doce\/a_utopia_do_repovoamento_dos_peixes_do_pantanal.html","title":{"rendered":"A utopia do repovoamento dos peixes do Pantanal"},"content":{"rendered":"\n

Em vez de jogar alevinos nos rios, a diminui\u00e7\u00e3o de estoques pesqueiros deveria ser combatida na origem, que \u00e9 a devasta\u00e7\u00e3o ambiental nas margens. \u00c9 cada dia mais preocupante o modismo que est\u00e1 crescendo de tentar resolver a falta de peixes nos rios e reservat\u00f3rios atrav\u00e9s do repovoamento, isto \u00e9, introduzindo alevinos criados em cativeiro.<\/p>\n\n\n\n

Pelo menos dois aspectos fazem com que o \u201ctiro saia pela culatra\u201d, como diz o dito popular. O primeiro deles \u00e9 que a introdu\u00e7\u00e3o de alevinos criados em cativeiro e colocados nos rios e represas, quase sempre provenientes de um casal ou poucos casais, faz com que a variabilidade gen\u00e9tica seja muito baixa.<\/p>\n\n\n\n

As popula\u00e7\u00f5es naturais possuem uma grande variabilidade gen\u00e9tica pelo fato de serem provenientes de muitos casais que se reproduzem na natureza, selecionados pelas condi\u00e7\u00f5es naturais do ambiente. Dessa forma, introdu\u00e7\u00f5es aleat\u00f3rias, mesmo feitas com as melhores inten\u00e7\u00f5es, podem levar \u00e0 redu\u00e7\u00e3o dessa variabilidade gen\u00e9tica e, eventualmente, comprometer a sobreviv\u00eancia da esp\u00e9cie.<\/p>\n\n\n\n

\"q\"\/<\/figure>\n\n\n\n
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O segundo diz respeito \u00e0 introdu\u00e7\u00e3o de doen\u00e7as e parasitas que antes n\u00e3o existiam no ambiente natural. Isto acontece porque a cria\u00e7\u00e3o em cativeiro, em alta densidade, \u00e9 extremamente prop\u00edcia ao aparecimento de doen\u00e7as e propaga\u00e7\u00e3o de parasitas.<\/p>\n\n\n\n

O caso mais conhecido \u00e9 a Lernia, uma esp\u00e9cie de crust\u00e1ceo min\u00fasculo, que parasita as br\u00e2nquias de peixes e pode provocar mortandades maci\u00e7as em cativeiro. Onde a Lernia foi introduzida em ambientes naturais, por repovoamento de peixes, tornou-se praga, imposs\u00edvel de ser erradicada.<\/p>\n\n\n\n

Ainda, o repovoamento \u00e9 feito quase sempre usando alevinos. Ora, alevinos, como qualquer ser vivo, necessitam de alimento. Ao menos nos rios do Pantanal, a cria\u00e7\u00e3o dos alevinos se d\u00e1 nas \u00e1reas alagadas durante a cheia, localizadas no baixo curso. Soltar alevinos no rio Cuiab\u00e1, como j\u00e1 vem sendo feito perto de Cuiab\u00e1 e V\u00e1rzea Grande \u00e9 improdutivo, pois nesse trecho do rio n\u00e3o h\u00e1 alimento para eles, fora o grande risco de introduzir doen\u00e7as e parasitas.<\/p>\n\n\n\n

Est\u00e3o faltando peixes?<\/strong><\/p>\n\n\n\n

O que leva as pessoas a querer repovoar rios e represas com alevinos \u00e9 a id\u00e9ia de que est\u00e3o faltando peixes! Mas por que faltam? Devido \u00e0 degrada\u00e7\u00e3o ambiental e ao excesso de pesca, ou pesca inadequada. Assim, ao inv\u00e9s de combater as conseq\u00fc\u00eancias promovendo repovoamentos cujos resultados poder\u00e3o causar mais problemas, a batalha deveria ser em prol da recomposi\u00e7\u00e3o das condi\u00e7\u00f5es naturais dos rios, lutando contra a destrui\u00e7\u00e3o das matas ciliares e da degrada\u00e7\u00e3o de suas \u00e1guas pela introdu\u00e7\u00e3o de agrot\u00f3xicos, esgoto de cidades e polui\u00e7\u00e3o industrial.<\/p>\n\n\n\n

A batalha deveria ser tamb\u00e9m pela conscientiza\u00e7\u00e3o da popula\u00e7\u00e3o, de que a pesca n\u00e3o pode ultrapassar a capacidade de reposi\u00e7\u00e3o dos estoques das popula\u00e7\u00f5es naturais, obedecendo aos limites impostos pela natureza – e referendada pela legisla\u00e7\u00e3o -, como tamanho m\u00ednimo de captura (o que assegura que o peixe se reproduza ao menos uma vez antes de ser pescado), cotas de captura (o que assegura a pesca dentro dos limites da capacidade de suporte do sistema) e per\u00edodo de defeso de reprodu\u00e7\u00e3o (para assegurar a reprodu\u00e7\u00e3o e, dessa forma, a renova\u00e7\u00e3o dos estoques).<\/p>\n\n\n\n

Se assim fizermos, ao inv\u00e9s de repovoamentos in\u00fateis, com todas as suas conseq\u00fc\u00eancias, estaremos efetivamente contribuindo para a manuten\u00e7\u00e3o dos peixes, que nos fornecem alimento e lazer.<\/p>\n\n\n\n

Per\u00edodos de defeso de reprodu\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n\n\n\n

O objetivo b\u00e1sico do estabelecimento de per\u00edodos de defeso de reprodu\u00e7\u00e3o \u00e9 possibilitar que os peixes possam se reproduzir e repor – ou renovar – os estoques pesc\u00e1veis para os anos seguintes. Nesse sentido \u00e9 necess\u00e1rio entender a biologia e a ecologia das esp\u00e9cies consideradas, para que se tenha um uso sustent\u00e1vel, conciliando os interesses econ\u00f4micos, sociais e ambientais.<\/p>\n\n\n\n

O defeso de reprodu\u00e7\u00e3o no Pantanal \u00e9 definido em fun\u00e7\u00e3o das esp\u00e9cies de valor econ\u00f4mico, geralmente esp\u00e9cies migradoras que, todo ano, realizam migra\u00e7\u00f5es rio acima, onde se reproduzem, ao encontrarem condi\u00e7\u00f5es adequadas, principalmente para ovos e larvas. A este grupo pertencem o pacu, a piraputanga, o dourado, o pintado, o ximbor\u00e9, a cachara e a jiripoca, dentre outras. A desova geralmente ocorre nas cabeceiras, ap\u00f3s grandes chuvas, quando o n\u00edvel dos rios sobe, as \u00e1guas est\u00e3o turvas e oxigenadas, atendendo \u00e0s necessidades de oxigena\u00e7\u00e3o mais elevada nessa fase inicial de desenvolvimento, bem como de prote\u00e7\u00e3o contra a preda\u00e7\u00e3o nas \u00e1guas turvas que impedem a visualiza\u00e7\u00e3o dos ovos e larvas pelos predadores.<\/p>\n\n\n\n

Os peixes migradores dos rios do Pantanal possuem alta fecundidade e, dependendo da esp\u00e9cie e do tamanho alcan\u00e7ado, uma f\u00eamea pode apresentar em seus ov\u00e1rios mais de um milh\u00e3o de ovos.<\/p>\n\n\n\n

A cada ano, machos e f\u00eameas alimentam-se no baixo Pantanal onde a alimenta\u00e7\u00e3o \u00e9 abundante no per\u00edodo das enchentes e cheias e quando alcan\u00e7am ac\u00famulo de reservas suficientes para o desenvolvimento das g\u00f4nadas e para a longa migra\u00e7\u00e3o at\u00e9 as cabeceiras, iniciam essa longa viagem, que \u00e9 conhecida popularmente como piracema.<\/p>\n\n\n\n

Quando n\u00e3o conseguem acumular reservas suficientes, principalmente por insufici\u00eancia de inunda\u00e7\u00e3o (o ideal \u00e9 que a inunda\u00e7\u00e3o alcance pelo menos 5 metros na r\u00e9gua de Lad\u00e1rio, pr\u00f3ximo a Corumb\u00e1) n\u00e3o migram, ou mesmo quando iniciam a migra\u00e7\u00e3o, n\u00e3o chegam a complet\u00e1-la. Em alguns anos \u00e9 poss\u00edvel observar f\u00eameas ovadas no baixo Pantanal, como nas proximidades de Corumb\u00e1 e Ba\u00eda do Castelo, que se apresentam nessas condi\u00e7\u00f5es. Quando n\u00e3o conseguem completar a migra\u00e7\u00e3o ascendente, os ov\u00e1rios entram em regress\u00e3o e os ov\u00f3citos s\u00e3o reabsorvidos. Este fato \u00e9 particularmente verdadeiro para os exemplares de grande porte, cuja necessidade energ\u00e9tica \u00e9 muito maior.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 preciso ainda considerar que, se um dado estoque de peixes est\u00e1 sendo utilizado, o manejo deve contemplar a prote\u00e7\u00e3o do pico da reprodu\u00e7\u00e3o que, para a maior parte dos peixes de valor econ\u00f4mico, ocorre entre novembro e fevereiro, na cabeceira dos rios, come\u00e7ando com os peixes de escama (curimbat\u00e1, pacu, piraputanga, dourado, etc.) e terminando com os peixes de couro (pintado, cachara, jurupens\u00e9m, jiripoca, etc). Essa seq\u00fc\u00eancia tem l\u00f3gica, na medida em que as larvas de peixes de couro s\u00e3o predadoras e necessitam encontrar larvas de outros peixes para se alimentarem assim que esgotam os recursos energ\u00e9ticos do vitelo, abrem a boca e iniciam a alimenta\u00e7\u00e3o externa.<\/p>\n\n\n\n

Emiko Kawakami de Resende – Bi\u00f3loga, doutora em Ci\u00eancias. Chefe Geral da Embrapa Pantanal. Ex-Secret\u00e1ria de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul
\nFonte: Revista Eco 21, Ano XIII, Edi\u00e7\u00e3o 32, Outubro 2003. (www.eco21.com.br)<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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