A Floresta Nacional de Caxiuanã (FLONA Caxiuanã), de uma biodiversidade ímpar no planeta, completa 42 anos de existência em 2003, é a mais antiga na Amazônia Oriental – Estado do Pará. Hoje, do alto de sua maturidade, Caxiuanã envia a toque de tambor sinais de fumaça ao novo governo para garantir a sobrevivência física e a sua face humana na selva Amazônica. Administrada pelo IBAMA, a FLONA está localizada no interflúvio entre os rios Xingu e Tocantins e ligações com o Arquipélago Marajoara, região rica em recursos naturais e culturais, mas de uma pobreza humana que salta aos olhos na esquecida e longínqua Amazônia. A expectativa é que as 22 Unidades de Conservação federal, que somam 6,5 milhões ha (6%) do território paraense – o segundo maior estado brasileiro com 1,2 milhões de quilômetros quadrados, recebam melhor tratamento no governo Lula.
Cultura de subsistência
Até hoje, não bem definida, a área territorial da FLONA Caxiuanã, têm 333.000 hectares encravados nos municípios de Portel e Melgaço, entre as Baías de Caxiuanã e Pracuí, sudoeste, a 400 quilômetros da capital Belém, de onde leva-se 25 horas de barco ou uma hora de avião para adentrar no mundo verde da Floresta de Caxiuanã.
A Floresta Nacional de Caxiuanã abriga 29 famílias com 206 membros que sobrevivem da agricultura, pesca, coleta de castanha, extração de óleos naturais e produção de um rico artesanato com influência indígena. A principal atividade econômica é a agricultura familiar, sendo a cultura da produção de farinha de mandioca o principal produto comercializado pelas comunidades residentes na Unidade de Conservação (UC).
Ilegalidade
Os municípios de Breves (85 mil habitantes) e Portel (55 mil) os mais populosos da região das ilhas, aonde tudo gravita em torno do extrativismo vegetal, são considerados pólos exportadores de produtos e subprodutos oriundos da floresta, principalmente madeira e palmito para o mercado internacional. Nesses municípios estão instaladas dezenas de serrarias de grande, médio e pequeno porte que formam a base econômica na região estabelecendo forte pressão nos recursos naturais da região das ilhas, utilizando métodos excessivamente predatórios para a extração de madeira e palmito.
Ambientalistas na região calculam que a extração ilegal de madeira e palmito sacrifica cerca de cem mil árvores por ano naquela região. Os ribeirinhos vendem árvores para serrarias ao preço que varia entre R$ 1,00 a R$ 8,00 (a tora colocada à beira do rio) que é posteriormente retirada pelo intermediário do madeireiro em balsas. Em seguida, a madeira é ?esquentada? em serrarias da região e enviada para Belém.
Os corredores dessa ilegalidade, que envolve além de madeira, palmito e tráfico de animais silvestres, são os municípios de Breves, Portel e Melgaço e também os municípios localizados entorno da Flona como Gurupá, Porto de Moz e Senador José Porfírio, este último abriga o tabuleiro do Embaubal, com 600 mil filhotes de quelônios, liberados para soltura, considerado um dos maiores berçários de desova de tartarugas no Rio Xingu.
Fragilidade
Estudo do Ministério do Meio Ambiente que serviu como subsídios à elaboração da Agenda 21 brasileira, conceitua Unidades de Conservação (UC) como áreas protegidas de ecossistemas significativos do Território Nacional. Por incluírem importantes recursos naturais de interesse científico e/ou cultural, devem ser mantidas na forma silvestre e adequadamente manejadas. O estudo aponta ainda os pontos frágeis sob o ponto técnico, legal e institucional que precisam ser revistos e discutidos no âmbito da sociedade, onde são destacados que: o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) – ainda não está regulamentado gerando intrincados conflitos jurídicos para a implantação efetiva das unidades e contribuindo para a falta de uniformidade dos conceitos e procedimentos no sistema; a maioria das unidades implantadas possui conflitos de propriedade e/ ou não está demarcada; o processo de criação das áreas foi gestado no âmbito técnico, sem a participação de todos os atores envolvidos, criando inúmeros conflitos socioambientais; as unidades criadas carecem, de diretrizes básicas (planos de manejo) e de procedimentos operacionais como manutenção, fiscalização, entre outros; a coleta, a armazenagem, o processamento e a divulgação de informações da qualidade ambiental são fundamentais para a plena operacionalização da gestão dos recursos naturais e pré-requisitos para a efetividade dos demais instrumentos.
Riscos
Segundo levantamentos do GEO BRASIL 2002 – Perspectivas do Meio Ambiente no Brasil, editado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e UNEP, o cenário de investimentos para a Amazônia no período de 2002 – 2007, previsto pelo governo federal através do programa Avança Brasil, sugere uma continuidade da proposta de desenvolvimento para a região que vem sendo aplicada durante as ultimas décadas.
A principal política que persiste é a ênfase atual em grandes projetos de infra-estrutura desvinculados das políticas de desenvolvimento social e rural que poderiam melhorar a qualidade de vida da população local.
O Avança Brasil prevê ainda que das 81 Unidades de Conservação federais, 18 (22,2%) serão diretamente afetadas na região. Curiosamente o programa do governo federal não prevê abertura ou pavimentação de estradas que atinja Caxiuanã, mas o governo do Estado se encarregou de contemplar a UC, projetando a PA-167, lado Oeste da Unidade no sentido Norte – Sul, interligando com a PA-364 que liga Porto de Moz a Gurupá, lados Norte e Noroeste da FLONA.
Legitimidade
Nesse contexto de risco está a FLONA de Caxiuanã, que exerce papel importante pois está no espaço econômico das indústrias legal ou ilegalmente instaladas na região do entorno da UC, e poderia vir a ser fonte de abastecimento de matéria prima, produzida pelas comunidades tradicionais da FLONA e populações ribeirinhas que vivem no entorno da Unidade de Conservação, mas através do Manejo Sustentado da Floresta, conhecido tecnicamente como Plano de Manejo Florestal Sustentado (PMFS). Este sim, poderia ser um fator predominante na eliminação da pobreza e a garantia da conservação dos recursos naturais, caso sejam assegurados recursos humanos e financeiros a Flona.
Alguns políticos locais crêem que o governo tem legitimidade de sobra para mudar todo este quadro de penúria e ameaça em que se encontram as UC na Amazônia. Os primeiros passos do novo governo parecem estar nessa trilha. Técnicos do MMA iniciaram a articulação política junto aos atores sociais em busca da integração de ações entre IBAMA e o MMA, no que concerne a política conservacionista em especial em áreas potencialmente ricas em biodiversidade na região amazônica.
Em Fevereiro deste ano, João Belo, presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e Atanagildo Mattos, coordenador nacional do Centro Nacional de Populações Tradicionais (CNPT), órgão do IBAMA, que realiza os estudos e o encaminhamento técnico das propostas das comunidades para criação de Reservas Extrativistas (Resex), reuniram os membros das instituições em Belém e deliberaram novo planejamento e metodologias visando a criação de Resex na Amazônia. Segundo Matos, o CNPT e o CNS definiram a questão orçamentária e novas metodologias para as reservas extrativistas a serem criadas sem explicar, entretanto, quais são essas novas metodologias.
Entretanto, técnicos, pesquisadores e ambientalistas ligados a gestão de UC no Pará não acreditam muito nessa perspectiva. A engenheira florestal Maria Lucidéia Portal Vasconcelos, comunga do mesmo raciocínio e coloca o orçamento financeiro como o melhor exemplo. Em 2002 foi orçado para a FLONA Caxiuanã R$ 38.566,05 que teve um corte de 50%. Este ano pulou para R$ 237.303,00, mas não se sabe de quanto será o corte. “Só deu para recuperar alguns equipamentos náuticos – barcos e voadeiras e investir em parceria com o MPEG, ações de educação ambiental na Flona”, explica Portal, Chefe do Núcleo de Unidade de Conservação do Ibama, em Belém.
Se for levado em conta o que já foi prometido para a região nos últimos governos, os ambientalistas estão cobertos de razão. As promessas, principalmente em campanhas políticas na Amazônia, em geral são do tamanho da região e difíceis de serem cumpridas. Mas há realmente perspectivas de mudanças na política conservacionista para a região Norte?
O desafio foi lançado pela Senadora Ana Júlia Carepa (PT/PA). A parlamentar garante materializar a voz amazônica na bancada do Senado em busca de recursos, tendo com base a sua campanha em defesa do meio ambiente, onde foram estabelecidas 5 propostas de proteção ao patrimônio natural e humano na região: 1º) Verbas para proteção dos recursos naturais das UCs; 2º) Programas de racionalização do uso dos recursos naturais na Amazônia, de modo a reduzir o ritmo do desmatamento e a ocorrência de incêndios florestais; 3º) Valorização e proteção do conhecimento dos povos da floresta sobre a biodiversidade da região; 4º) Discussão dos impactos ambientais dos projetos de infra-estrutura propostos para a região e 5º) Expansão das redes de saneamento básico nas cidades paraenses, de modo a reduzir a incidência de doenças provocadas pela poluição e contaminação de lençóis freáticos e recursos hídricos na região amazônica.
Vegetação
A Floresta Nacional de Caxiuanã dispõe de quatro tipos de vegetação do tipo Floresta Densa e baixos platôs (terra firme), que correspondem a 92% de sua área com a presença de cipós, epífitas (tipo de orquídeas) e plantas parasitas. Floresta de Várzea que são áreas situadas às margens dos rios, lagos, igarapés e baías, periodicamente inundáveis, com presença significativa de palmeiras como açaí e espécies de valor comercial como a virola. Floresta de igapós que são permanentemente inundadas, com cobertura vegetal e baixa altitude. E, por fim, os Campos Naturais, áreas desprovidas de florestas onde a vegetação predominante são as gramíneas.
O relevo da área predominante é o plano, tendo em alguns locais o relevo ondulado com altitude até 20 metros, acima do nível do mar. O clima em Caxiuanã é quente e úmido com média de 26º e máxima de 33º , com incidência muito alta de chuvas, atingindo a média anual de 2.500mm. A exuberante fauna têm exemplares de antas, onças, capivaras, pacas, tatus, veados, macacos, cotia, mutuns, patos do mato, urubu rei, japiins entre outros espécies de pássaros. Há insetos, répteis (cobra e jacaré), quelônios (tartarugas, jabutis, peremas, pitius e tracajás) e uma grande variedade de peixes, entre outros.
Infra-estrutura
A FLONA dispõe no momento de equipamentos náuticos como dois barcos pequenos, uma lancha, uma voadeira, além de um micro trator agrícola e duas antenas parabólicas Segundo a engenheira florestal Wanderléa da Costa Almeida, chefe da Flona Caxiuanã, o Ibama mantém um escritório regional na cidade de Breves, que entre outras atribuições, dá apoio logístico as atividades da Unidade de Conservação.
A engenheira afirma que o objetivo do Ibama é “desenvolver projetos e ações com o objetivo de incentivar a conservação e a utilização dos recursos naturais de forma sustentável, beneficiando diretamente as populações tradicionais da UC e da região do entorno, com vistas a melhoria da qualidade de vida, em parceria com instituições governamentais e não governamentais”. Segundo Almeida, é fundamental efetivar projetos de educação ambiental e intensificar a fiscalização na FLONA e áreas próximas. “É importante que o novo governo viabilize recursos financeiros, materiais e equipamentos e garanta políticas públicas voltadas as FLONAS na região amazônica”, alerta..
História
A obra “Caxiuanã – Populações Tradicionais, Meio Físico & Diversidade Biológica’, organizado pelo pesquisador Pedro Lisboa do MPEG, recentemente lançada, nos conta que a história de Caxiuanã começou a ser construída cem anos antes de tornar-se Floresta Nacional, na década de 60. O naturalista Domingos Ferreira da Penna, nascido no século 19, esteve na região por volta de 1860 a serviço do governo do Grão- Pará e deixou grandes contribuições à ciência amazônica.
Na expressão do cientista Lisboa, “esse trabalho conta um pouco dos aspectos da vida do homem de Caxiuanã, como ele é e como enfrenta a vida no seu cotidiano. Como planta, caça e pesca para se alimentar e quais plantas e animais usa para amenizar suas doenças. Segundo Lisboa, foi na década de 50 que a FAO realizou inventários florestais para fins comerciais, registrando uma parte da história natural da região. Mas os escritos sobre a história de sua colonização remota e de sua ampla biodiversidade só começaram a ser escritos a partir da década de 60 com a criação da FLONA e posteriormente nos anos 90 com as pesquisas produzidas por pesquisadores da “Estação Científica Ferreira Penna” do MPEG.
Na apresentação do livro, o pesquisador Lisboa nos brinda com um texto poético e contundente onde observa, que “Florestas, rios e populações tradicionais de Caxiuanã estavam esquecidos do mundo contemporâneo, isolados dos centros urbanos onde proliferam com velocidade os avanços tecnológicos que, se presume, tornam o mundo mais moderno, mais conectado e inevitavelmente globalizado”. E exige uma reflexão, questionando, “Onde situa-se o homem tipicamente nativo neste contexto?”. Na sua concepção, “os instrumentos mais elementares e básicos à boa qualidade de vida do ser humano, como energia, educação e saúde, podem ser uma realidade para os brasileiros, mesmo para muitos daqueles que estão dispersos pela intrincada rede dendrítica formada pela bacia amazônica”.
Mas, para aqueles que habitam o pequeno-grande mundo que é a região do Caxiuanã, esta realidade tão decantada em sofismas embutidos nas propagandas sobre o progresso das telecomunicações e da valorização do social ainda é apenas ficção, tão longe ele está da realidade.
Com quase cinco décadas de criada a Floresta Nacional Caxiuanã continua uma grande incógnita para cientistas e ecologistas. A carência de informação e conhecimento de sua fauna e flora produzem a velha indagação: Caxiuanã sobreviverá ou continuará sendo um elefante verde na floresta de boas intenções?
Edson Gillet Brasil
Fonte: Revista Eco 21, Ano XIII, Edição 76, Março 2003. (www.eco21.com.br)